Quem nos irá revolver a pedra?
Passaram já alguns dias desde que Jesus foi crucificado e sepultado. Ao seu lado estiveram algumas mulheres, Maria – sua mãe – e o discípulo preferido. Esteve também José de Arimateia, um fariseu, que na tarde da crucifixão foi pedir a Pôncio Pilatos que lhe entregasse o corpo para o sepultar. São essas mulheres que agora, uma vez mais, velam e cuidam do corpo. Podemos imaginar a sua tristeza ao comprarem os aromas para embalsamarem Jesus. Podemos imaginar ainda os seus passos lentos e o nó na garganta à medida que caminham para o sepulcro. Nada daquilo parece fazer sentido.
Nenhuma mãe deveria enterrar o seu filho. É contra a ordem natural da vida, deixa feridas profundas e um sentido de vazio que se prolonga por muito tempo. Uno-me, neste momento, em oração a tantas mães e pais que se despediram cedo demais dos seus filhos. Gostaria de ter uma resposta confortante sobre o porquê deste drama. Sei, contudo, que nenhuma resposta seria suficiente para a grandeza da pergunta. Acompanho-vos na dor, nas questões, mas sobretudo na esperança que nos vem de Deus. É precisamente esta esperança cristã que me permite dizer que o vosso filho está vivo junto de Deus, olha por vós e acompanha-vos.
Ao reler este Evangelho, somos de imediato transportados para o texto bíblico de Domingo de Ramos. Nesse dia escutámos que uma mulher, de mãos delicadas, quebrou um vaso de alabastro para derramar o perfume sobre a cabeça de Jesus. Pensava fazê-lo como um gesto de gratidão e devoção mas, na verdade, ungiu-o antecipadamente. E hoje confirmamos o alcance da sua atitude. Completa- se o ciclo da paixão do Senhor. Maria Madalena, Maria e Salomé “compraram aromas para irem embalsamar Jesus”. Fazem-no como um gesto de respeito e de ternura, assim como nós o fazemos quando visitamos a campa de um nosso familiar. Fazem-no, também, para restituir a dignidade ao corpo de Jesus que, outrora, fruto da violência humana, “tinha perdido a aparência de um ser humano”.
O tempo do luto, assim como todos os gestos a ele associados, merece toda a nossa consideração. O mesmo acontece com toda a realidade da morte. Choca-nos. Oprime-nos. Parece-nos que deveríamos ter nascido para não morrer. Morrer é sempre difícil. Acompanhar aqueles que se vêem privados de familiares ou amigos é o modo de testemunharmos que a morte não tem a última palavra. Daí a importância de vivermos o tempo de luto com gestos e atitudes que ofereçam verdadeira esperança. Nestes momentos manifestamos que somos cristãos com esperança.
Creio, por isso, que seria importante que as comunidades cristãs, e de modo particular os sacerdotes, abraçassem o acompanhamento espiritual num período de luto como um autêntico ministério. Quando a dor e o sofrimento turvam a fé, um horizonte de esperança, aberto por um companheiro de estrada, pode ser determinante para o futuro dessa pessoa. A presença e a esperança, na hora do luto, geram uma gratidão eterna.
Era o primeiro dia da semana quando as mulheres se dirigiram ao sepulcro. Chegando lá depararam- se com a enorme pedra rolada e o sepulcro aberto. O jovem vestido de branco, que se encontrava no interior, deixa-nos antever que se tratou de um gesto divino. Em boa verdade, a pedra da morte é intransponível para as nossas forças humanas. Foi um fenómeno para o qual não encontram explicação possível e ficaram sem saber como reagir. Ficaram assustadas, diz o evangelista Marcos, sem chão. O jovem, quase lembrando o arcanjo Gabriel no dia da anunciação, diz-lhes “não vos assusteis”. Trata-se, de facto, de um novo anúncio. Assim como foi anunciado a Maria o nascimento de Jesus, também agora é anunciada a ressurreição do Messias a todo o mundo.
A pedra que impedia o acesso abre-se, descodifica-se e inaugura um novo mundo de vida. Estas mulheres são, ao mesmo tempo, destinatárias da mensagem e testemunhas do Viviente. “Vede o lugar onde O tinham depositado […] agora ide dizer aos seus discípulos” (Mc 16,6). Como é imprescindível não se deter na morte e “esperar contra a esperança” (Rm 4,18). Também nós podemos encontrar, no decurso da nossa vida, diversas pedras que nos impedem de tocar o ressuscitado e de o anunciar ao mundo que não o quer ouvir. Este é o momento favorável para as retirar. Elenco apenas algumas.
1. A pedra do medo. Esta é a pedra que coloca no nosso coração a semente da dúvida. Quando pensamos em Jesus, ou estamos prestes a fazer a experiência Dele, por exemplo em período vocacional, temos medo de nos colocarmos em questão. Temos medo de que, ao nos encontrarmos com Cristo, que algo mude na nossa vida, que algo escape ao nosso controlo ou que simplesmente os nossos projectos pessoais não se realizem. A experiência, e os relatos de tantos que nos precederam, diz-nos que Cristo nada nos rouba. Pelo contrário. Quando nos entregamos a Ele, os nossos sonhos e projectos multiplicam-se e expandem-se. É, no fundo, isso o que significa a ressurreição: fazer nascer uma nova vida livre de amarras.
2. A pedra dos estereótipos. Esta é a pedra que muitas vezes a sociedade coloca no nosso caminho. Sabemos que atravessamos tempos onde a religião e a ressurreição estão sob suspeita. São consideradas coisas antiquadas, irracionais e castradoras. Porque gostamos de nos sentir integrados, deixamo-nos, amiúde, amarrar por estes estereótipos e, passo a passo, vamos perdendo a nossa identidade. Confundimo-nos com a mentalidade do mundo e escondemos a coragem da diferença que expressa quem somos e em quem acreditamos. Qual é o preço da nossa liberdade interior? A ressurreição significa, neste sentido, a vitória sobre os estereótipos e a liberdade de anunciar aquilo em que acreditamos. Por mais contraditório que possa parecer, o mundo aprecia gente livre, pessoas com coluna vertebral e coragem de assumir os seus valores. Sejamos essas pessoas que ousam falar de Cristo como alguém vivo que nos seduziu e confiou a tarefa de sermos sua presença no meio do mundo.
3. A pedra do comodismo. Esta é a pedra que nos faz acreditar que haverá sempre gente disposta a anunciar Cristo, que outros estarão sempre prontos a rolar a pedra da morte. Haverá sempre alguém que falará ou trabalhará. Quando nos instalamos e limitamos a assistir a esta lógica, que em si mesma é falsa, vamos progressivamente, e sem nos darmos conta, tornando desleixados no anúncio. No momento em que Cristo apareceu aos seus discípulos constituiu-os, e de consequência a todos nós, apóstolos do Evangelho. Ninguém pode ocupar o lugar de cada um. Até porque cada pessoa tem um carisma único e um modo irrepetível de narrar a sua experiência. É esta a beleza da ressurreição: que o mesmo Cristo apareça a todos de modo diferente. Se eu recusar a minha responsabilidade de anúncio, mais ninguém o fará.
4. A pedra da mediocridade. Entramos na Igreja pelo baptismo, mas a dinâmica que este encerra adormeceu. Preferimos ser cristãos mornos que deixam as coisas correr, marcando a nossa vida por uma indiferença que se manifesta em determinados momentos sociais. Fechamos a responsabilidade de anunciar a ressurreição na gaveta. Esta pedra de vidas medíocres, sem convicções profundas, deverá ser retirada em favor da paixão por Cristo e pala Sua Palavra, pela Igreja e pela alegria de ser pedra viva, atenta e pronta a edificar a comunidade. A ressurreição de Cristo conduz-nos a querer ter voz activa e a viver a alegria ser Igreja.
Caras irmãs e irmãos, esta é a mãe de todas as vigílias. Uma noite de luz e de lume novo. Levamos connosco a missão de velar pela chama da ressurreição. Fizemo-lo no momento inicial ao acender as brasas e ao acender o Círio Pascal, sinal da vida e do baptismo. Cada um nós, à imagem dos discípulos de Emaús, tem o seu coração a arder com o fogo do ressuscitado. É isso que peço também a estes jovens baptizados esta noite: sê-de anunciadores de Cristo, ajudai a Igreja a derrubar as pedras do sepulcro e mantende viva a chama do baptismo. Amanhã é um dia novo em que Cristo visitará cada uma das famílias e casas da nossa Arquidiocese.
Vinde, Senhor Jesus, iluminai os nossos corações, dai-nos a paz, a esperança e o alento para a missão. Aleluia!
D. Jorge Ortiga