Vou enviar o meu mensageiro…Ele aí vem… (Malaquias) É uma promessa do velho testamento. E de facto o Mensageiro de Deus chegou no Natal de Jesus. A Apresentação celebra-se no 40.º dia depois do Natal, a 2 de Fevereiro. Do Menino que pela primeira vez se apresentava no Templo de Jerusalém, como mandava a lei de Moisés, foi dito: Este Menino foi estabelecido para ser sinal de contradição (Evangelho). E porque Ele próprio foi provado pelo sofrimento, pode socorrer aqueles que sofrem provação (Hebreus). A Apresentação do Senhor é o 4.º mistério gozoso, portanto de alegria e contentamento no Espírito Santo. De alguma forma fica traçado, desde o princípio, o seu caminho de crescimento segundo as leis da natureza humana e, depois, de missão redentora que O levará até à Cruz. Primeiro, celebramos a Eucaristia. A seguir, faremos uma Hora de Adoração do SS. Sacramento. Unimo-nos assim ao voto da Santa Sé e do Bispo da diocese, que promoveu durante um ano a adoração contínua pelas Vocações Sacerdotais e pela santificação dos Sacerdotes. Juntaremos também oração intensa por todas as Vocações consagradas. A liturgia da Palavra convida-nos a fazer a ligação do Natal, nascimento do Verbo de Deus entre os homens, com a Apresentação no Templo. Esta apresentação dá continuidade àquela entrega divina que o Filho de Deus colocou nas mãos do Pai, quando pronunciou a Palavra de resposta à sua vontade: Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas formaste-me um Corpo. Por isso eu digo: Eis-me aqui, ó Deus, eu vim para fazer a tua vontade (Hebreus 10, 5-7). Esta doação nas mãos do Pai teve eco supremo no alto do Calvário: Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito! Esta entrega de toda a vida de Jesus teve também eco na vida de Paulo, logo depois do seu encontro com Cristo. Por isso, ele escreveu aos Gálatas: Jesus Cristo amou-me e entregou-se por mim. Vivo, já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (2,20). Por causa de Jesus, o mundo está crucificado para mim (6,14). À semelhança de Paulo, esta doação a Deus e pelos irmãos deve ter redobrado eco em cada um de nós, consagrados “por profissão”. A paixão de Paulo por Cristo não nos convidará a tomar parte numa aventura apaixonante? Não nos bastam hoje cristãos”praticantes”, necessitamos de homens e mulheres enamorados. “Que é que nos apaixona hoje? Quais são as aventuras do nosso tempo, no campo da fé? … Como conseguiremos entrar no novo mundo da juventude, cheio de inquietação religiosa mas também de cepticismo? Como perceberemos o mundo jovem, de respeito pelo indivíduo, mas desconfiado das instituições, fascinado pelas tecnologias da informação, pela música e suas canções?” (Radcliffe – Vida Consagrada, n.º 318, pág. 405). “Só poderemos responder a estes desafios, se formos homens e mulheres de coragem, que ousem deixar compromissos antigos para estarem livres, para poderem tomar novas iniciativas, que tenham a audácia de acender esperanças novas e correr riscos de fracassar… As estruturas complexas das Ordens religiosas tanto podem transmitir pessimismo e sentido de fracasso, como podem ser rede de esperança, onde cada um ajuda o outro a imaginar e a criar coisas novas” (ibidem, 406). Como é que os votos que professamos podem ser fonte de vida e de dinamismo? Diz-se que os votos são um meio. É verdade, mas não são um meio utilitário, como um automóvel, para ir de um lado a outro lado. Os votos são meios de tornar a nossa vida missionária. S. Tomás diz que todos os votos têm por fim a caritas, o amor que é a vida do próprio Deus (Ibidem, 407). “Os votos estão em contradição fundamental com os valores principais da sociedade em que vivemos”. Para que serve o voto de castidade perfeita? Se um homem ou uma mulher são capazes de fazer feliz uma mulher e um homem na sua doação mútua no casamento, porque não nos fará felizes a doação de corpo e alma a Deus? Deus é muito mais capaz de nos fazer felizes do que qualquer homem ou qualquer mulher. Para que serve a obediência? Fazer a vontade de Deus foi em todos os tempos uma regra de perfeição espiritual para gente muito simples e sem outras espiritualidades. Obediência vem de obedire, que vem de obaudire, que significa ouvir, escutar. O princípio da obediência é deixar falar o irmão, pôr-se à sua escuta. Maria ousou escutar um Anjo e sabemos onde isso foi parar… Para que serve o voto de pobreza? Estamos mergulhados numa crise social. Os homens acreditaram que era possível o progresso indefinido, ou que era possível atingir a sociedade perfeita pela luta de classes, ou que o liberalismo económico era capaz de regular a sociedade. Todos se esqueceram que este mundo é frágil e que os homens são pecadores. E aí está uma sociedade global quase incapaz de resolver os problemas que criou. Voltaram as novas pobrezas. Já não é possível dizer aos meninos e às meninas que podem ter tudo, desperdiçar, estragar… Nem a rapaziada de hoje pode continuar a dizer aos pais: Isso foi no vosso tempo! Está a chegar a crise ao tempo deles…e não se afigura fácil. Vai ser preciso reaprender a austeridade de vida e dar-lhe valor. E a Igreja é mestra nesse campo. Mas, como escreveu Paulo VI, o nosso tempo aprecia os mestres, mas aprecia muito mais os mestres, se eles forem também testemunhas. Ora esse testemunho de desprendimento e amor à pobreza está consagrado em cada um de nós pelo voto ou pela promessa do seguimento de Cristo servo e pobre. Se a Igreja tem um papel a desempenhar nesta crise social, e tem, é em três frentes: a primeira é pregar a bem-aventurança da pobreza e dar testemunho dela; a segunda é ajudar os pais a educarem-se e a educar as novas gerações na austeridade de vida; a terceira é acorrer às necessidades das novas pobrezas que estão a surgir em catadupa. E os religiosos, as religiosas e demais consagrados devem estar sensíveis a este problema social. É preciso dar sinais ao mundo! Não podemos substituir o Estado, mas podemos suprir em muitos campos aonde nem o Estado chega. E não basta ficarmos sensibilizados para esta questão, temos de, a sós ou em conjunto, encontrar soluções concretas. Se abraçamos os votos, pode ser que num dado momento os encontremos difíceis ou quase estéreis. Mas se os vivermos na sua dimensão de caritas, de amor a Deus e ao próximo, eles serão para nós uma paixão, um enamoramento, um caminho de ressurreição. Foi assim com S. Paulo. Viu Jesus Cristo. Caiu de rosto por terra. Ficou cego. Foi conduzido a Ananias. Deixou-se baptizar. Ficou outro homem. E nunca mais parou. Parou, sim, para fazer retiro prolongado e ir a Jerusalém aos pés dos Apóstolos. Mas era outro o seu caminho: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Ai de mim se não evangelizar! Consagrados para quê? Para termos a graça e a alegria de contemplarmos a Deus em si mesmo, demoradamente…, e para contemplarmos a Deus no nosso próximo: O que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos a Mim o fareis! A Vida Consagrada é hoje um esteio da humanidade. Para todos, mesmo os não crentes. O mundo, sem os consagrados, seria muito diferente (Ecclesia, n.º 1180). “Na Vida Consagrada não há quem manda e quem obedece, quem está acima e quem está abaixo. Todos – cada um no seu papel – buscam e cumprem a vontade de Deus” (ibidem). Bem-vindos, pois, a esta Catedral e a esta Celebração. Oxalá que a nossa oração conjunta na Eucaristia e no tempo de Adoração chegue ao coração de Deus, renove as nossas Comunidades e dê testemunho ao mundo! D. João Miranda Teixeira, Bispo Auxiliar do Porto