Homilia de D. Jacinto Botelho na Sexta Feira Santa

Recomendam as rubricas para esse dia uma breve homilia.

Viemos na tarde desta Sexta-feira de Trevas para acompanharmos Jesus na Sua Hora, como tão frequentemente Ele a tinha designado. São impressionantes as palavras proféticas deIsaias ouvidas na primeira leitura: Caiu sobre Ele o castigo que nos salva: pelas suas chagas fomos curados […] Maltratado, humilhou-se voluntariamente e não abriu a boca. Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante aqueles que a tosquiam, Ele não abriu a boca, palavras que provocaram o comentário de S. Leão Magno: “Torna-se clara realidade o que desde há muito havia sido prenunciado em figura e mistério: a ovelha verdadeira substitui a ovelha figurativa, e mediante um único sacrifício realiza-se plenamente o que a variedade das antigas vítimas significava”.

Na narrativa da Paixão que escutamos recolhidos e talvez emocionados, há um pormenor que despertou a minha atenção. Diz-nos S. João que ele, o evangelista, entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote, enquanto Pedro ficou à porta do lado de fora. Também nós que seguimos, porventura até com respeito, a riqueza destas cerimónias, podemos, como Pedro, ficar do lado de fora. Viemos para viver com o Senhor a Sua Hora. Voltemos à Palavra de Isaías: Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades […] E o Senhor fez cair sobre Ele as faltas de todos nós. A nossa decisão de acompanhar o Senhor, antes de mais reclama de cada um, o reconhecimento sincero e humilde dos pecados, sem eufemismos, sem desculpas, com total transparência, em relação ao mais secreto e mais íntimo que escondemos, com a verdade nua e crua, possivelmente dolorosa, da nossa real situação. Em 2005, o então Cardeal Ratzinger, redigiu a Via Sacra que João Paulo II, extremamente fragilizado, só pôde seguir da sua Capela particular. Isto ocorria 10 dias antes da sua morte que se verificaria precisamente, faz hoje 5 anos: 2 de Abril de 2005. Quase parece que intuindo o que agora estamos a viver, a reflexão do então Cardeal que presidia à Via-Sacra, exprimia de modo chocante, quase provocatório: “Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento e da Sua presença! Como está frequentemente vazio e mal preparado o coração onde Ele entra! Quantas vezes se contorce e abusa da Sua Palavra; quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujidade há na Igreja e precisamente entre aqueles que no sacerdócio deviam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas!” Meus irmãos: queremos acompanhar o Senhor por dentro de nós próprios, encontrando-nos na nudez da nossa miséria e do nosso pecado.

Mas seguir Jesus é encontrarmo-nos com o Crucificado. A Cruz que agora vamos adorar, é fonte inexaurível e torrente inesgotável de misericórdia. Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem. Como ouvimos na Carta aos Hebreus, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. […] Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça dum auxílio oportuno. Que ao beijarmos sentidamente o Senhor crucificado, ouçamos no nosso interior a Palavra do milagre, a Palavra da reconciliação: Levanta-te e caminha.

O Corpo de Cristo que hoje comungaremos, nas espécies sacramentais consagradas na Missa da Ceia de ontem, é o modo perfeito de vivermos a Sua Hora. A comunhão desta Acção Litúrgica exige-nos, à imitação de Jesus, um total despojamento de nós próprios e uma generosa disponibilidade em favor de todos os irmãos. Só podemos comungar Jesus no dia da Sua Paixão e da Sua Morte, sentindo-nos conscientemente «pão repartido» para os outros, sem exclusão de ninguém.  

A Mãe de Jesus, que junto à Cruz de Seu Filho, sofreu as dores da maternidade que a tornaram nossa Mãe, nos obtenha a graça duma sincera conversão.     

D. Jacinto Botelho,
Bispo de Lamego

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