Homilia de D. Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre-Castelo Branco no Aniversário da Quarta Aparição de Fátima

«Em Deus, tudo é novo» Hoje, somos convidados a olhar para um novo céu e uma nova terra, onde não haverá morte e as lágrimas do sofrimento serão enxugadas por Deus. É o deslumbramento da felicidade que não tem fim…e onde cada um se sente atraído por Aquele que é tudo em todos. Quase sem querer, o pensamento leva-nos à Transfiguração do Tabor, onde os três discípulos se esquecem de si mesmos e apenas desejam ficar ali (“façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”…e isto basta!). Mas a luz que os deslumbra, aponta para a Ressurreição. E, aí, tudo será novo e para sempre. Também, neste lugar, onde nos sentimos peregrinos, ouvimos dizer assim, aos Pastorinhos: ai, que Senhora tão linda…mais brilhante do que o sol! E donde veio? Do céu! Então, o céu faz-nos apetecer um mundo sem guerra, sem desconfiança, sem cabeças encapuçadas e a fumaça das armas…E, também, um mundo onde a inocência das crianças grita pela vida e pede que se respeitem os velhinhos e os doentes, e se saiba evitar a ostentação, olhando compadecidamente para os pobres. Será, por isso, que a Jacinta, o Francisco e a Lúcia rezavam o Terço com frequência e se sacrificavam pelos pecadores? De facto, não há fé sem oração e sem solidariedade fraterna. De tudo isso fala eloquentemente o Pai Nosso! Mas, rezar a Deus o ‘Pai Nosso’, não será ‘ousadia’ da nossa parte? Assim dizemos na Missa e o vamos repetir daqui a pouco. Na realidade, Deus mostrou-se tão próximo, em Jesus Cristo, que se tornou Deus-connosco. E, a partir daí, atraiu-nos como filhos, no Filho, e é com Ele que rezamos. Por isso, diz também o Apocalipse que, no ‘mundo novo’, Deus mora entre os homens e todos serão o Seu povo. Porquê, então, encher o coração de ganância ou desafiar o bem senso com a arrogância dos ídolos? Demo-nos, antes, as mãos e façamos do tempo o ensaio da eternidade. Com Maria, sentimos a ternura de Deus Entretanto, oiçamos de Jesus uma palavra cheia de conforto, dita momentos antes de expirar: a Minha mãe é, também, a vossa mãe! E tanto Maria como João, entenderam isso mesmo e transmitiram-no à Igreja. De facto, o sofrimento da Cruz, tão intimamente partilhado com Maria, deu origem ao novo parto, donde nasceu a Igreja. E o baptismo fala disso, como ‘sacramento’. S. Paulo vai usar uma imagem curiosa, para traduzir este mistério: a do Corpo Místico. Com efeito, sendo nós os membros e Cristo a cabeça, Maria é única Mãe, e podemos rezar em coro: Mãe de Jesus e Mãe nossa! Também, o Anjo, na Anunciação, deixou antever o percurso de Maria, como pedagoga da fé: “Cheia de graça”! Ora, a vida sacramental ‘derrama’ na Igreja a graça de Deus, gerada na Cruz e através da maternidade espiritual de Maria. E se temos, hoje, alguma coisa a lamentar, é que muitos cristãos se dispensam dos Sacramentos, como se os gestos salvíficos de Cristo fossem secundários e a sua preparação incómoda e dispensável. Todavia, cada Sacramento é um gesto de ‘vida’ comunicado com esperança, à conta do mundo novo ou, se quisermos, do Reino dos céus, anunciado por Cristo. E o discipulado por onde Cristo nos atrai, é a ‘escola’ que seduz pelo caminho da santidade (“Sede santos, como o vosso Pai do céu é santo”) ou corrige os nossos actos pela vontade do Pai (“Pai, qual é a Tua vontade”?). Nesta perspectiva, a Mãe de Jesus, cedo se tornou Sua discípula. E mal vai se os pais abdicam da sua missão ou nada têm a aprender com os filhos. Pois, o amor da família, com matriz Trinitária, é circular e construtivo de mais amor; e quando interrompe o movimento ou pretende ser autónomo, gera crise e sofrimento. Basta ter em conta as crianças repartidas ao fim de semana ou confrontadas com a frieza da rua. O céu nunca desiste É por isso que vem muito a propósito convidar-vos a acompanhar os três Pastorinho na cadeia de Ourém, quando o Administrador os subtraiu à autoridade dos pais e à vontade de Nossa Senhora (era o dia 13 de Agosto!). A Jacinta (mais pequenina dos três), chora com saudades da mãe e da família em geral; o Francisco reza e sofre, para que ela seja forte; e a Lúcia olha para os dois, com a responsabilidade de ser mais velha. Mas a angústia maior, era se Nossa Senhora não lhes aparecia mais! Simplesmente, o céu não desiste e Nossa Senhora é mãe. Passemos ao dia 19 (cujo aniversário hoje celebramos). Os três Pastorinhos haviam regressado…e a Lúcia mais o Francisco guardavam as ovelhas relativamente perto de suas casas. A dado momento, pressentem algo de sobrenatural que os envolvia, como nas outras vezes, em que Nossa Senhora lhes aparecia. E com pena da Jacinta, quiseram chamá-la depressa, valendo-se, para isso, do João (irmãozito dos dois mais pequenos), a quem foi preciso dar dois vinténs, para o convencer. Viram, então, o acostumado reflexo da luz e, logo que a Jacinta chegou, Nossa Senhora apareceu sobre uma carrasqueira (exactamente, onde agora se encontra a Sua imagem, em nicho próprio). E, de novo, a pergunta ritual da Lúcia: “Vossemecê que me quer”? A seguir, transcrevo as palavras de Nossa Senhora, de acordo com as Memórias da Lúcia, para ser fiel ao conteúdo da Mensagem: “Quero que continueis a ir à Cova de Iria, no dia 13, e que continueis a rezar o Terço todos os dias. No último mês, farei o milagre, para que todos acreditem”. Lúcia ainda perguntou que destino haviam de dar ao dinheiro deixado pelas pessoas, na Cova de Iria…e pediu a cura de alguns doentes, a rogo de outras pessoas. No fim de tudo, Nossa Senhora tomando um semblante mais triste, acrescentou: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno, por não haver quem se sacrifique e peça por elas”. E os Pastorinhos tomaram tão a sério as palavras da Mãe do céu, que fizeram das suas vidas uma oblação constante. Acaso o exemplo destes pequeninos não tocará o coração de muita gente, inspirando formas de reparação pelo mundo dos que andam distraídos do essencial e pouco se dão do sofrimento alheio? Consentiremos que o egoísmo do tempo tome a dianteira ao amor, e encha de capricho e medo os ambientes? A cada passo, oiço pedir-me: reze por mim, que as minhas orações são pobrezinhas e as suas estão mais perto de Deus…E eu, antes de responder, lembro o velho Simeão e a velha Ana, como vigias de Deus à espera do Messias, que do lado de fora do Templo, viram o que o sacerdote mesmo paramentado e em missão de culto, não viu; e, depois, acrescento: a oração não se mede assim…Rezemos, antes, uns pelos outros, e façamo-lo em cadeia, para que o murmúrio do Pai Nosso, faça do mundo uma basílica e dos homens uma assembleia de irmãos! Que a mensagem de Nossa Senhora continue a inquietar as pessoas, a fim de que o mundo não teime em ficar órfão de Deus. Pois, quando assim acontece, há mais orfandade pelo caminho e a paz fica distante. Nossa Senhora de Fátima e mãe da Igreja, rogai por nós! Fátima, 19 de Agosto de 2008 – (+ Augusto César)

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