Homilia de D. António Moiteiro na Peregrinação da Diocese da Guarda a Fátima

Maria, o modelo da Igreja

«A Igreja não é um cenário; não é uma simples instituição; nem é somente uma das habituais entidades sociológicas – ela é Pessoa. É Mulher. É Mãe. É um ser vivo.

A compreensão mariana da Igreja é o mais forte e decisivo contraste de conceito de Igreja puramente organizativo e burocrático. Nós não podemos fazer a Igreja, nós devemos ser a Igreja. E somente na medida em que a fé, para além do fazer, conforma o nosso ser, nós somos a Igreja e a Igreja está em nós. É somente no ser marianos que nos tornamos Igreja.

Também na origem, a Igreja não foi feita, mas nasceu. Nasceu quando na alma de Maria emerge o fiat. Este é o desejo mais profundo do Concílio: que a Igreja desperte nas nossas almas. Maria mostra-nos o caminho» (J. Ratzinger, A eclesiolodia do Vaticano II).

Neste caminho eclesial, traçado pelo concílio Vaticano II, devemos ter como horizonte da nossa pastoral, chegar à consciência clara de que o que realmente move a Igreja na sua ação pastoral é a convicção de que sem uma confiança firme e a comunhão profunda com Cristo e em Cristo, nada se pode fazer (cf. Jo 15,5). Devemos, por isso, ler e saber discernir os sinais de Deus na sociedade atual, como apelos e luz que permitem, à Igreja, vislumbrar o horizonte para o qual se devem orientar e identificar novos caminhos ou possibilidades inovadoras, em ordem à sua missão pastoral.

No Concílio Vaticano II, a Igreja reviu-se nas palavras de S. João (1 Jo 1, 2-3), nas quais declara que os apóstolos e toda a comunidade dos cristãos viviam em comunhão com Deus e com Seu Filho Jesus Cristo (cf. DV 1). Por esta comunhão com e em Deus, que é amor, a Igreja torna-se “o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (LG 1).

Um diagnóstico e ao mesmo tempo um desafio perante e face a esta realidade, podemos vê-los nas palavras do documento «Repensar juntos a pastoral em Portugal»: A Igreja vive mergulhada e dispersa em inúmeras atividades, encontros, jornadas, congressos, instituições… que parecem não ter ligação entre si, nem ressonância, isto é, dar vitalidade e inovação significativa na vida dos cristãos, nem irradiar sinais de esperança na sociedade em que vivemos. Há nela muitas instituições sociais, meios de comunicação social, instituições de ensino e assistência… mas parecem deter-se no seu âmbito próprio, sem serem vistas e reconhecidas. E nem elas mesmas parecem sentir-se e agir como membros diferenciados de um só corpo – a Igreja.

O processo de catequese, sobretudo na infância e adolescência, foi recentemente renovado e alargado, mas constata-se que, excetuando uma pequena percentagem, não gera cristãos vivos e empenhados; impulsionados para agir e comunicar aos outros as experiências da sua vivência cristã. No que se refere aos jovens e aos adultos, não se têm conseguido grandes avanços numa formação sólida e coerente da fé, de modo a acompanhar os diferentes momentos da vida das pessoas, induzindo-as a uma clara identidade cristã e eclesial.

Mas ao mesmo tempo que é visível, em vários aspetos, um certo decréscimo na Igreja em Portugal, também há sinais novos: na sequência do sopro conciliar do Espírito, a vida da Igreja e dos cristãos tornou-se mais simples e fraterna, desenvolveu-se bastante a participação laical, apareceram ou cresceram significativamente novos movimentos, comunidades e associações de fiéis, com propostas inovadoras de evangelização, de vida comunitária e de testemunho da fé no mundo…

A resposta da Igreja a estes desafios temos de encontrá-la no Amor, porque só o amor é credível. Eis a razão pela qual Maria nos mostra o caminho do Amor, caminho que todos devemos percorrer, tal como aparece nas bodas de Caná e junto da cruz, no momento em que o amor crucificado manifesta toda a sua profundidade.

 

«Fazei o que Ele vos disser!»

A água é depositada em seis talhas de pedra destinadas às purificações dos judeus, e que tinham ficado vazias. O número seis simboliza a imperfeição desses ritos. Eram de pedra como as tábuas da Lei (Ex 32, 15), como o coração do povo judeu (Ez 36, 26). Grandes, pesadas, inamovíveis. Para cúmulo de imperfeição, diz-se que estavam vazias.

O vinho é sinal de amor e de alegria (Sl 104, 5); Ecl 10, 19). O Cântico dos Cânticos apresenta-o como símbolo do amor entre o esposo e a esposa, que, por sua vez, simboliza o amor de Deus e do povo (Ct 1, 2; 7, 10; 8, 2). Esdras pede ao povo que celebre a renovação da Aliança com vinhos generosos (Ne 8, 10). O vinho simboliza a totalidade do banquete, banquete de bodas a que tantas vezes se compara o Reino de Deus. Apenas Maria, que sendo do povo judeu já pertencia ao novo Israel, se dá conta que não têm vinho. É necessário que os antigos ritos vazios deem lugar ao novo banquete do Reino.

Maria, situada ainda na Antiga aliança, converte-se em símbolo do novo Israel – a Igreja. Atenta às necessidades dos irmãos, deseja o vinho novo do Reino e, com plena confiança no seu Filho, apela a que todos escutemos a Sua Palavra: “Fazei o que Ele vos disser!”, como um eco da palavra do Pai (Mc 9, 7).

 

«Mulher, eis o teu filho!» Depois disse ao discípulo: «eis a tua Mãe»

É exclusiva do IV Evangelho a palavra que Jesus dirige a Maria e ao discípulo amado (19, 25-27). João tinha referido Maria no início do ministério público de Jesus, nas bodas de Caná, quando lhe disse que ainda não tinha chegado a Sua hora. Ausente em todo o Evangelho, volta a mencioná-la no final, quando chegou a sua hora. O vocativo “mulher”, repetido em ambos textos, estabelece uma mais estreita relação entre os dois episódios. As palavras estabelecem uma relação de maternidade / filiação entre Maria e o discípulo presente, representativo de todo o discipulado presente e futuro. Os sofrimentos de Cristo na cruz são como as dores de parto nos deslumbramentos da Igreja, que é a nova Eva arrancada, em primeiro lugar, da costela de Adão. Maria aparece assim como a mãe da Igreja.

 

Maria, «Estrela da Nova evangelização»

«Na manhã do Pentecostes, Ela presidiu na oração ao iniciar-se a evangelização, sob a ação do Espírito Santo: que seja ela a Estrela da evangelização sempre renovada, que a Igreja, obediente ao mandato do Senhor, deve promover e realizar, sobretudo nestes tempos difíceis mas cheios de esperança» (EN 82).

A sua relação, a sua obediência, a sua humildade e a sua fé firme, inabalável, dá-nos a conhecer o que significa seguir a Jesus – o horizonte da Igreja.

 

Fátima, 23 de agosto de2012

D. António Moiteiro, bispo auxiliar de Braga 

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