Homilia de D. António Marto no último dia de 2009

Maravilha, Gratidão e Louvor pela Graça de Deus

É uma grande alegria estar aqui juntamente convosco para concluir o ano 2009 e iniciar o novo ano diante do Senhor. Com esta alegria saúdo, afectuosamente, a todos e a cada um em particular.

Deixemo-nos inspirar pela Palavra de Deus que suscita em nós os sentimentos mais simples e mais profundos perante o dom do tempo que o Senhor nos concedeu e concede viver.

Fixemo-nos na figura de Maria cuja Maternidade divina hoje celebramos. S. Lucas apresenta-no-la assim: “Maria guardava todas estes acontecimentos, meditando-os em seu coração”.  Maria recolhe-se em meditação, procurando perceber o significado do mistério que a envolveu: o ter dado à luz o Filho de Deus feito carne humana no seu seio. Assim, concentra-se toda no dom com que Deus, no seu amor gratuito, a agraciou.

Uma maravilha que se torna gratidão – uma gratidão cantada. Como não pensar no Magnificat de Maria, na sua alegre acção de graças? Sim, naquela acção de graças em casa de Isabel e naquela ainda mais intensa e vibrante no seu coração, na gruta de Belém? A maravilha converte-se em louvor a Deus. Até os pastores foram contagiados, como diz S. Lucas: “Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado”.

 

Acção de graças no final do ano

Eis, pois, qual deve ser o nosso sentimento dominante no final deste ano: a maravilha, a gratidão e o louvor a Deus pelos seus dons de salvação e de graça, postos pelo seu amor em cada um dos dias do ano que está prestes a terminar.

Quais os dons que nos levam a estar gratos e a louvar o Senhor? Espontaneamente pensamos em tantas experiências de bondade, de serenidade, de alegria;  em momentos particulares de encontro com Deus e de partilha com os irmãos; e ainda em experiências de cansaço, de fadiga e de provação em que sentimos a companhia, a mão amiga e a força do Senhor.

Todavia, a interrogação “Quais os dons que devem ser motivo de reconhecimento e louvor ao Senhor?”, chama-nos também a referi-los à nossa família, aos nossos amigos e às pessoas que nos estão particularmente próximas, aos nossos grupos e movimentos, às nossas comunidades, à nossa paróquia, aos diversos ambientes da nossa vida social, à Igreja diocesana e universal, a toda a família humana.

 

A gratidão e o louvor da nossa Igreja

Com esta Eucaristia e com o canto do Te Deum queremos fazer memória de todos os dons do Senhor e cantar-Lhe, todos juntos, o nosso reconhecimento, de modo particular por algumas experiências mais marcantes vividas pela Igreja, que evoco sumariamente.

1. Começo por evocar o Ano Sacerdotal como um verdadeiro ano de graça para levar as comunidades cristãs a redescobrirem e estimarem o dom do sacerdócio ministerial e da sua beleza para a Igreja e para o mundo; um ano de oração intensa pelo florescimento das vocações sacerdotais e pela santificação dos sacerdotes para que sejam verdadeiros pastores segundo o coração de Cristo, testemunhas da ternura e da misericórdia de Deus como o Santo Cura d’Ars: “Um bom pastor, segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus pode dar a uma paróquia  e um dos mais preciosos dons da misericórdia divina”.

2. Uma outra graça para a Igreja universal foi a encíclica social do Santo Padre, “O Amor na Verdade”, sobre o desenvolvimento integral da pessoa humana e dos povos na era da globalização. De um modo geral, eu diria que ela pretende colocar a fraternidade e a ética no coração da globalização e dar uma alma social à economia de mercado. “A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos” –adverte, como quem nos diz: sem fraternidade, sem solidariedade e sobriedade não há futuro.

3. Nesta linha, desejaria ressaltar toda a acção social da Igreja em Portugal em favor das vítimas da crise económica e social e que teve expressão emblemática no Fórum nacional “Reinventar a solidariedade”, por ocasião da celebração do Cinquentenário do monumento a Cristo Rei. O rosto de uma Igreja solidária tem sido o melhor testemunho da realeza do amor social de Cristo e do sacerdócio comum de todos os fiéis no serviço aos mais necessitados, como tão belamente diz S. João Crisóstomo: “Pensa que te tornas sacerdote de Cristo dando, com a tua própria mão, não carne mas pão; não sangue, mas um copo de água”.

Este testemunho torna-se num apelo aos governantes a olhar a crise e enfrentá-la a partir das vítimas da própria crise (os desempregados, os novos pobres, os marginalizados) e não a partir dos poderosos do mundo.

4. Ao nível da nossa querida diocese de Leiria-Fátima são motivo de louvor e reconhecimento as várias iniciativas em ordem realizar o percurso pastoral traçado para este ano na Carta Pastoral “Ir ao coração da Igreja. Comunhão e corresponsabilidade na comunidade cristã”. Trata-se de descobrir a beleza do mistério de comunhão divina e humana que constitui o coração da Igreja e de todos se sentirem seus membros vivos, participantes e corresponsáveis. Só na Igreja podemos experimentar aquela nova comunhão de graça que vai para alem dos critérios puramente humanos de simpatia ou conveniência e nos faz irmãos na mesma fé e no mesmo amor em Cristo. Cultivemos um amor apaixonado pela Igreja: é a nossa mãe, é a nossa casa espiritual, é o ambiente em que a fé no Senhor Jesus pode crescer e dar os seus frutos.

5. Por fim, em relação à vida do nosso Santuário quero evocar, antes de mais,  o momento comovente da comemoração dos vinte e cinco anos da Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria pelo Papa João Paulo II, a Consagração de Portugal ao Coração de Jesus por ocasião da visita das relíquias de Santa Margarida Maria Alacoque e o Centenário do nascimento da Beata Jacinta Marto, exemplo de como uma criança é capaz de ter o verdadeiro sentido da Igreja, de a amar e de se sacrificar por ela e, particularmente, pelo Santo Padre.

Por isso, quero acrescentar, como motivos de acção de graças, o anúncio da próxima visita do Papa Bento XVI como peregrino de Fátima e a proclamação das virtudes heróicas dos Papas Pio XII e João Paulo II, como primeiro passo para a sua beatificação. Estes três Pontífices são também “Papas de Fátima”. Na Mensagem de Nossa Senhora receberam a força para o testemunho de uma Igreja que não tem medo do futuro, através daquela destemida expressão de João Paulo II que ainda hoje ressoa aos nossos ouvidos: “Não tenhais medo”!

 

A “carícia” de Deus, bênção para o novo ano

No início do Ano Novo, a liturgia da Palavra convida-nos a começar o nosso caminho e a prossegui-lo, dia após dia, com a bênção do Senhor: “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça resplandecer sobre ti o seu rosto e te seja favorável”.

Estas palavras são como uma “carícia” que Deus reserva para todos e cada um de nós. Sim, uma carícia de Deus que testemunha o seu amor terno, a sua proximidade de Pai e Amigo, o seu tomar-nos pela mão e acompanhar-nos, passo a passo, na vida, a sua resposta solícita às nossas invocações, o seu conforto nas dificuldades, a sua consolação nos momentos de provação e de solidão, a sua misericórdia sem limites para com as nossas infidelidades… Uma carícia que tem uma força extraordinária de nos impulsionar a viver o novo ano na fé, na esperança e na caridade, no amor verdadeiro.

À bênção do Senhor pertencem ainda estas palavras: “O Senhor volte para ti o seu olhar e te conceda a paz”. Também este “voltar o olhar” – que só pode ser olhar de amor – é expressão da carícia de Deus. Só dela nos pode chegar o grande dom da paz.

Sim, ó Senhor, não nos deixes órfãos do Teu amor, da Tua ternura: dá-nos a paz! Nós Ta pedimos para todos os povos do mundo, para as nossas aldeias e cidades, para as nossas famílias, para cada um de nós. Dá-nos a paz por intercessão de Maria, nossa Mãe e Rainha da paz!

Feliz Ano, cheio de paz, para todos vós e para todos os que vos são queridos!

Fátima, 31 de Dezembro de 2009

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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