«A bênção de Deus e o dom da Paz»
1.“Que o Senhor te abençoe e te proteja…que o Senhor dirija para ti o Seu olhar e te conceda a paz” (Num 6, 24-26). Esta é uma bênção própria da liturgia judaica, ainda hoje usada, que os sacerdotes pronunciavam sobre o povo eleito nas festas religiosas.
Esta palavra de bênção dita outrora ao povo de Deus, hoje aqui renovada e redita, abre-nos as portas do novo ano.
Cumpre-nos ser, ao longo do ano que agora começa, bênção de Deus, bênção de paz e de esperança. A missão da Igreja é esta também: ser bênção de Deus para a humanidade.
A herança recebida do ano que ontem terminou perturba e inquieta. São muitas as pessoas, famílias, empresas, instituições e povos a viver situações difíceis de pobreza, de desemprego, de limitações de direitos, de ameaças de conflitos e de restrições de liberdade. As forças humanas e as leis das nações por si só não bastam para dar resposta a estes problemas e para oferecer solução a estes dramas. Voltamo-nos, por isso, para Deus, Príncipe da paz e fonte da nossa esperança. Fazemo-lo pela mediação materna de Santa Maria, Mãe de Deus. “Quando chegou a plenitude dos tempos, diz-nos S. Paulo na carta aos Gálatas, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma Mulher, para resgatar os que estavam sujeitos à lei e nos tornar seus filhos adoptivos” (Gál 4., 4-5).
A humanidade carece hoje, como nesse tempo, de ser iluminada pelo rosto de Deus e de ser abençoada no seu «nome». Essa é a bênção necessária, irrevogável e definitiva que a Encarnação do Verbo e a vinda do Filho de Deus nos trazem em cada Natal, como luz que brilhará para sempre e nunca mais se apagará.
2.O novo ano inicia-se, para os cristãos, sob o sinal de uma Mulher, sob o sinal de uma Mãe. Santa Maria, Mãe de Deus abre-nos as portas do tempo novo como só as Mães sabem fazer ao abrirem as portas da casa para os seus filhos, para que a casa comum de toda a família seja casa de fraternidade, de amor, de perdão e de paz. Casa de mesa única para todos os filhos: onde o pão se reparte por igual entre irmãos, a alegria se partilha por inteiro e a paz se constrói na justiça e na caridade para todos.
À Mãe do Filho de Deus, confiamos este desejo profundo, que sai do coração de todos nós, de sermos abençoados e felizes e de vivermos em paz todo o novo ano. Mas sabemos que a paz só é possível se formos capazes de dar ao mundo razões de esperança. A esperança é hoje, também, novo nome da paz.
Como pode viver em paz um mundo que teme pelo seu futuro? Como podem sentir a paz ao seu alcance povos sob ameaça de conflitos estéreis e intermináveis, famílias sem pão nem trabalho, pessoas sem casa nem lar, idosos sem aconchego nem carinho, escolas privadas, questionadas na sua missão e ameaçadas no seu futuro, e uma sociedade em contínua fragilização ética e em ruptura cultural com os seus valores, a sua matriz e a sua história?
Aprendamos a ultrapassar o medo. Saibamos resistir ao desalento. A opção pela esperança é o caminho obrigatório da Igreja, chamada a servir pela caridade na verdade o mundo de hoje, que vive uma hora social difícil e um contexto económico complexo.
3.A Igreja deve ser para cada um de nós, escola da esperança, ao ensinar-nos o caminho da liberdade responsável e da corresponsabilidade solidária na construção do bem de todos. Seremos profetas da paz quando descobrirmos que a paz, segundo a linguagem bíblica, é a síntese de todos os bens.
Entremos no novo ano ao som harmonioso deste anúncio bíblico da paz. A paz que desejamos para a humanidade não se pode nem deve separar da glória de Deus: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Deus ama”, proclamavam os anjos, em Belém, ao anunciarem aos pastores o nascimento de Jesus (Luc. 2, 14 ).
Só é possível construir a paz e refundar a esperança, trazendo-as de novo e de volta ao coração da humanidade se dermos as mãos, que libertem da pobreza, da injustiça e da dor os irmãos que sofrem, e se abrirmos na fé e na oração o nosso coração a Deus.
4.Na mensagem para o Dia mundial da Paz, que desde 1968, por vontade expressa do Santo Padre Paulo VI se celebra no primeiro dia de cada ano, o Santo Padre Bento XVI convida-nos a fazer do direito à liberdade religiosa um caminho para a Paz. Há povos onde o direito a professar livremente a sua religião ainda não é respeitado e há sangue de mártires que continua a ser derramado, por motivos exclusivamente de fé, como aconteceu ainda hoje, na cidade de Alexandria, no Egipto.
Radicada na dignidade da pessoa humana, a liberdade religiosa é património da família inteira da humanidade e de todos os povos da terra, e torna-se uma extraordinária força de liberdade e de civilização. Somos, por isso, convidados a vencer todas a tentações de fundamentalismos radicais ou de hostilidades agressivas que ponham em risco, em formas extremas, o diálogo entre as instituições civis e religiosas e que minem a vida solidamente edificada na verdade, na caridade e no respeito das pessoas e dos povos.
Lembra-nos o Santo Padre que “a paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projecto a realizar, nunca totalmente cumprido. Uma sociedade reconciliada com Deus está mais perto da paz. Convido, continua o Santo Padre, todos aqueles que desejam tornar-se obreiros da paz, e sobretudo os jovens, a prestarem ouvidos à própria voz interior, para encontrar em Deus a referência estável para a conquista da liberdade autêntica, a força inesgotável para orientar o mundo com um espírito novo… São precisas armas novas, armas que não matem. São precisas armas morais, que dão força e prestígio ao direito e à justiça. A liberdade religiosa é uma dessas armas, com uma missão histórica e profética… Ela consente alimentar a esperança.” (Mensagem de Bento XVI para o Dia mundial da Paz de 2011).
5. A Igreja de Aveiro deseja e procura ser, seguindo o nosso Plano Diocesano de Pastoral, uma Igreja renovada na caridade, servidora dos mais pobres, educadora da fé e Igreja orante, lugar de esperança para o mundo. Assim, seremos também obreiros da construção da paz.
O Evangelho encoraja-nos a ir mais longe. Mais longe na atenção às pessoas e mais longe nas respostas solidárias às famílias, empresas e instituições em dificuldade.
Recebi, hoje, pela manhã, como saudação de Ano Novo de um sacerdote da nossa diocese esta mensagem: “A esperança emerge da verdade, da fé, da paz, do amor e da justiça, como bênção dos Céus que pedimos para todos e para cada um”.
Esta é, também, a oração que dirijo a Deus e coloco no coração de Santa Maria, Mãe de Deus, que nesta Catedral celebramos sob a invocação de Nossa Senhora da Glória.
Esta é, igualmente, a súplica que confio a Santa Joana Princesa, nossa Padroeira, com o desejo sincero de abençoado e feliz Ano Novo, para todos!
Sé de Aveiro, 1 de Janeiro de 2011
+António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro