Homilia de D. António Carrilho na solenidade da Assunção de Nossa Senhora

Festa da Senhora do Monte, Padroeira da Cidade e da Diocese Com Maria, enviados a dar testemunho de Cristo No dia em que a Igreja celebra a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, apresentamos hoje também aqui o nosso amor e gratidão à Virgem Santa Maria, Senhora do Monte, nossa padroeira e nossa mãe. Muitos foram os que nestes dias vieram aqui escutar o Evangelho, celebrar os mistérios da nossa fé, unindo na Eucaristia as suas preces às de Nossa Senhora e com ela renovando a sua consagração pessoal a Cristo Sacerdote da Nova Aliança. Acorrem ao Monte peregrinos de todas as idades e muitas famílias que vêm agradecer os dons recebidos, pedir o auxílio, o conforto e a esperança do alto para a vida de todos os dias, sobretudo quando pesa a Cruz, quando vem o sofrimento e a doença, quando falta a alegria e a força para caminhar. No coração de cada um só o Espírito de Deus conhece e melhor entende o louvor, a acção de graças e a súplica que aqui se dirigem a Cristo, através de Sua mãe. Mensagem da Visitação S Lucas, no Evangelho da Visitação que hoje escutámos, mostra-nos como o anúncio do anjo a Maria e a sua resposta inteiramente disponível ao cumprimento da vontade de Deus, estão na origem duma missão que começa a realizar-se com esta visita a sua prima Isabel. O anúncio que lhe foi feito é ao mesmo tempo o sinal de que ela é enviada a proclamar o que recebeu. A Boa Nova provoca o encontro e põe a caminho. S. Lucas diz-nos que Maria vai apressadamente ao encontro da sua prima Isabel. Na verdade, a caridade que traz no seu coração leva-a urgentemente ao encontro de Isabel. Não se trata de mais uma visita, porque nesta viagem Maria é a arca da Nova Aliança. Ela é testemunha, com todo o seu ser, da novidade que Deus realizou nela. A sua missão é a de partilhar a alegria de ter sido escolhida para mãe do Salvador. Com Maria, e na medida em que Jesus Cristo nasce cada dia em nós, somos enviados como Suas testemunhas. Os dons que recebemos também devem ser transmitidos com alegria. Na família, no trabalho e na vida social, na catequese, na vida paroquial e diocesana, a mesma missão fundamental recebida no Baptismo faz de nós arautos da esperança no mundo de hoje. O chamamento de Cristo faz-nos percorrer os caminhos do mundo, como Maria nos caminhos da Judeia, com grande desejo de comunicar Aquele que nos dá vida, nos reúne e nos aproxima, nos torna solidários da humanidade que sofre. Feliz daquela que acreditou “Assim que Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe no seio” (Lc 1,44). Ao encontro das mães responde a exultação dos filhos. Ao sim de Maria corresponde o sim de Isabel e de João Baptista à obra que Deus realizava por intermédio da sua humilde serva. Cheia do Espírito Santo, Isabel é então capaz de interpretar plenamente aquilo que ela sentiu com o grito de alegria do seu filho. Ela não se contenta com o simples reconhecimento de que Maria e o fruto do seu ventre são o objecto duma bênção divina. Ela confessa que a sua prima é a mãe do seu Senhor: “Donde me é dado que venha a ter comigo a Mãe do meu Senhor?” (Lc 1,43). O Deus da Aliança quis assim entrar na história, de um modo único, aceitando fazer-Se um de nós, solicitando e inspirando o sim de Maria e fazendo dela a primeira a viver plenamente no espírito das bem-aventuranças. “Feliz daquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1,45). Isabel junta-se a Maria no mesmo acto de fé e na mesma esperança. Ambas aceitam que a vontade salvadora de Deus se faça nas suas vidas. O Cântico de Maria O Cântico de acção de graças de Maria, o Magnificat, ecoa no íntimo de todos aqueles que esperam o Salvador prometido. As suas palavras fazem-nos pensar no Cântico de Ana, mãe de Samuel, agradecendo no Templo o dom do seu filho na sua velhice. O Cântico de Maria aparece como um vasto memorial, como um mosaico de referências ao Antigo Testamento. Ela começa por referir a sua alegria por ter sido escolhida no meio do seu povo; o motivo do seu louvor não são os seus méritos, mas a confissão da excelsa bondade e das maravilhas que o Altíssimo realizou na humildade da sua serva. Ela assume a história do seu povo e mostra como Deus age libertando e exaltando os pobres e os humildes. Maria é bendita entre todas as gerações porque acolheu no seu seio o Verbo de Deus Pai. Nela reside a sabedoria que Deus dá àqueles que o amam. Ela relembra o que o autor do livro dos Provérbios já afirmava: “o Senhor resiste aos orgulhosos, aos humildes dá a sua graça” (Pr 3, 34). Ela canta a misericórdia de Deus sobre aqueles que O temem, à maneira dos salmos (cf. Sl 103,11). No seu cântico, ela atravessa toda a esperança de Israel como a sabedoria que constrói a sua casa e convida a todos para as núpcias da Nova Aliança. Quem é esta mulher, que está para ser mãe? O livro do Apocalipse, que escutámos na primeira leitura, apresenta-nos uma visão grandiosa e dramática. O templo de Deus abre-se no céu e imediatamente se vê a Arca da Aliança. Mas entretanto um outro sinal, uma mulher, aparece no céu revestida com o sol e com a lua debaixo dos pés. Esta mulher está prestes a ser mãe e o seu filho é ameaçado de morte por um dragão, descrito como o detentor de grande força e poder. Ninguém pode deixar de perguntar: – Quem é esta mulher que está para ser mãe? Enquanto mãe do Messias, Maria faz parte do tempo novo do seu Filho. O sol de que ela está revestida é Aquele que disse: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12). O sofrimento a que ela está sujeita é o da cruz. Intimamente unida à cruz de Jesus, ela gera-O uma vez mais para o mundo, através da firmeza da sua fé e recebendo a missão de ser a mãe de todos os crentes. Esta maternidade estende-se a toda a Igreja e destina-se a mostrar que também a Igreja é mãe. Como Maria dá à luz um Filho que é o Salvador, também a Igreja tem por missão gerar Cristo no meio de nós, dentro de nós. Não lhe são poupadas as dores da maternidade e da luta. Toda a evangelização é uma participação no mistério pascal de Jesus. Mas Deus é o grande vencedor e a certeza da vitória já está adquirida: “Eis agora a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo” (Ap 12,10). Missão de Cristo, missão da Igreja É a realeza de Cristo que S. Paulo prega à Igreja de Corinto e ela consiste essencialmente na sua Ressurreição. O Apóstolo conhece a sua missão, ele mesmo sentiu, no caminho de Damasco, a força da revelação de Cristo ressuscitado. A sua pregação estende a todos os cristãos a Boa Nova de Cristo. Ele ressuscitou como os primeiros frutos da seara, isto é, como primícias daqueles que chama a ressuscitar com Ele. E Nossa Senhora, unida ao Filho, está incluída nos primeiros frutos da seara, como aquela na qual se revela plenamente a esperança da Ressurreição. Neste Ano Paulino, deixai-me sublinhar a importância da missão da Igreja como anúncio da Ressurreição, fonte de toda a esperança. A missão actual de todos os cristãos é a de proclamar bem alto ao mundo, através da palavra e da vida, como dizia o Concílio Vaticano II, que Cristo é a luz dos povos. É a de não se cansar de anunciar o caminho que é Cristo como a esperança da humanidade, enfrentando corajosamente, até experimentar a Cruz na sua própria vida, todos os obstáculos para a paz, as múltiplas formas de violência, de injustiça e de opressão. A missão da Igreja é a de defender o homem e a sua dignidade, os valores humanos essenciais. É a de respeitar a vida humana e promovê-la desde o início até ao fim. A fidelidade ao Evangelho de Cristo é a medida da sua atenção aos anseios, preocupações e problemas do nosso tempo. Dignidade e vocação da mulher No dia 15 de Agosto de 1988, há precisamente 20 anos, tomando como referência a gloriosa Assunção de Nossa Senhora, o Papa João Paulo II dirigia a todos os cristãos uma Carta Apostólica sobre “A Dignidade e a Vocação da Mulher”. Escreve o Papa: “A Igreja deseja dar graças à Santíssima Trindade pelo ‘mistério da mulher’ – por toda a mulher – e por aquilo que constitui a eterna medida da sua dignidade feminina, pelas ‘grandes obras de Deus’ que na história das gerações humanas nela e por meio dela se realizaram. Em última análise, não foi ela e por meio dela que se operou o que há de maior na história do homem sobre a terra: o acontecimento pelo qual Deus mesmo se fez homem?” (‘Mulieris Dignitatem’, nº 31). Neste dia em que celebramos a glorificação de Maria, aquela a quem já se chamou “a maior mulher, a maior mãe e a maior santa”, não podemos esquecer as palavras do Papa Bento XVI, apelando ao “compromisso dos cristãos, para que se convertam por toda a parte em promotores de uma cultura que reconheça à mulher a dignidade que lhe compete, no direito e na realidade da vida cristã”. O Papa alertava, assim, contra a discriminação das mulheres, ainda existente na sociedade actual, defendendo a necessidade de evitar tanto “uma igualdade empobrecedora” como também “uma diferença conflitual” entre o homem e a mulher. Bento XVI não deixou de denunciar a “mentalidade machista” que ainda hoje subsiste, nalguns lugares, ignorando “a novidade do Cristianismo, que reconhece e proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem”. E o Papa acrescenta, concretizando: “Há lugares e culturas, onde a mulher é discriminada ou depreciada pelo simples facto de ser mulher, onde se faz recurso até mesmo a argumentos religiosos e a pressões familiares, sociais e culturais para defender a disparidade dos sexos, onde se consumam actos de violência contra a mulher, tornando-a objecto de maus tratos e de exploração na publicidade e na indústria do consumo e da diversão.” (Bento XVI, Discurso ao Congresso Internacional “Mulher e Homem, a totalidade do Humano”, 14 de Fevereiro de 2008, na comemoração dos 20 anos da Mulieris dignitatem) Interpelações e apelos Instruídos pela Palavra de Deus, há pouco proclamada, faço um apelo às famílias que nos acompanham nesta celebração. Hoje, num clima cultural que por vezes esquece as suas raízes cristãs, a vossa missão é transmitir o dom que vós mesmas recebestes, educando os vossos filhos no autêntico humanismo e na fé, acompanhando-os na catequese e na celebração dos sacramentos, sobretudo na Eucaristia dominical. Aos jovens convido a olhar para Maria-Mãe, Senhora do Monte, como aquela que nos ensina o essencial da experiência da vida: a alegria de ser chamado e amado por Deus, a interioridade e o silêncio da oração, a simplicidade de vida, a sinceridade e a verdade, a generosidade na entrega da vida de uns pelos outros e a gratidão por tudo o que recebemos e somos. Para os emigrantes, que nestes dias vieram a esta igreja e também a todos quantos nos acompanham pela rádio ou pela televisão, invoco a intercessão de Nossa Senhora do Monte: para todos eles e suas famílias, sobretudo aquelas que sentem especialmente o peso da cruz pela instabilidade no trabalho ou mesmo pela inquietação por falta da segurança necessária. Sem esquecer os doentes e todos os que sofrem, pois eles encontram-se especialmente unidos a Cristo e a Maria junto à Cruz. E, por fim, uma prece muito especial para a nossa querida cidade do Funchal, nestes 500 anos da sua fundação: Senhora do Monte, nossa Padroeira, olhai para esta Cidade que é Vossa; abençoai e protegei todas as famílias, as crianças e os jovens, os idosos, os doentes, os pobres e todos quantos mais precisam da Vossa ajuda; que não nos falte a saúde, a paz e a concórdia, o trabalho e a prosperidade, o ânimo, a coragem e a alegria da fé e da esperança para a vida de cada dia. Senhora do Monte, Padroeira da Cidade e da Diocese do Funchal, Rogai por nós! Funchal, 15 de Agosto de 2008 † António Carrilho, Bispo do Funchal

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Agência ECCLESIA

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