Homilia de D. António Carrilho na celebração do XIX Dia Mundial do Doente

Acompanhar o doente, um desafio para o cristão!

Neste ano de 2011, mais uma vez a Igreja celebra o Dia Mundial do Doente. Não é uma “festa”, mas a demonstração do amor da Igreja pelos que sofrem. Qualquer pessoa doente é um ser fragilizado que, só por isso, merece todo o nosso carinho, preocupação e cuidado, a nossa solidariedade e a nossa oração.

Vem de 1992 esta iniciativa do saudoso Papa João Paulo II, que escolheu para a sua celebração o dia 11 de Fevereiro de cada ano, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes. O Santo Padre Bento XVI deu continuidade a esta tradição do seu predecessor e reforçou o apelo à Igreja, para que valorize este dia dedicado aos doentes.

São importantes e conservam toda a actualidade e força interpeladora as mensagens publicadas nestas ocasiões, algumas das quais é sempre oportuno recordar, na diversidade dos seus temas e objectivos.

A dignidade de cada vida humana

Em 2009, Bento XVI escreveu uma mensagem especialmente dedicada às crianças. Nesse ano, o Papa reafirmou o que a Igreja sempre tem proclamado: “a absoluta e suprema dignidade de cada vida humana, que há que viver em plenitude, mesmo quando é débil e envolvida pelo mistério do sofrimento.”

Um cristão não pode permanecer indiferente ao “silencioso grito de dor” que se eleva das crianças doentes ou abandonadas a si mesmas. Como escreveu o Santo Padre, “há crianças feridas no corpo e na alma em razão dos conflitos e de guerras, e outras vítimas inocentes do ódio de insensatas pessoas adultas.” Esta é uma preocupação constante e terna do Papa, lançada como verdadeiro apelo à atenção e cuidado dos cristãos.

No ano passado (2010), o Papa enviou a toda a Igreja uma nova mensagem: “Que a Igreja esteja ao serviço do amor pelos enfermos e por todos os que sofrem”. A ideia-força esteve centrada em “Dar vida, semeando esperança”. Bento XVI falava do sofrimento humano, relacionando-o com a dimensão salvífica do sofrimento de Jesus. Na tarde de Sexta-feira Santa, pendente da Cruz, olhos vidrados de dor, com a sensação de que o Pai O tinha abandonado, Ele sofreu a tortura do abandono e da fuga dos amigos, que deram lugar aos seus inimigos.

Comunidades mais sensíveis aos doentes

Naquele sangue que escorre da Cruz e, aparentemente, perdido na terra e entre as pedras do Calvário, está a total entrega de Jesus, assumindo a nossa dor e dando sentido ao nosso sofrer.

Na Mensagem para este XIX Dia Mundial da Pessoa Doente, intitulada “Ver o Homem que sofre com contemplação”, Bento XVI pede que as comunidades cristãs e a sociedade civil sejam mais sensíveis aos irmãos e irmãs sofredores.

Já na Carta Encíclica “Spe Salvi”, 38, ele sublinhava que “a grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre!” E acrescentava: “Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido, é uma sociedade cruel”.

“O sofrimento permanece sempre carregado de mistério, difícil de aceitar e suportar”, escreve ainda o Papa na Mensagem deste ano, que ao mesmo tempo aponta uma palavra iluminadora, lembrando a pequena frase da primeira Carta de S. Pedro: “Pelas Suas chagas fostes curados” (1 Pd 2,24).

No rosto dos doentes, o rosto de Cristo

Assim, para iluminar o sofrimento humano, a grande referência é o Mistério Pascal de Jesus. O Filho de Deus sofreu, morreu, mas ressuscitou; por isso, aquelas chagas tornam-se sinal da nossa redenção, do perdão e da reconciliação com o Pai; tornam-se, também, uma prova para a fé dos discípulos.

O anúncio de Jesus de que o Filho do Homem, Ele próprio, deveria sofrer para consumar a Sua obra, foi um escândalo para os discípulos, provocando um verdadeiro drama para a sua fé. Mas, “somente um Deus que nos ama, a ponto de carregar sobre si as nossas feridas e a nossa dor, sobretudo a dor inocente, é digno de fé” (Bento XVI, Mensagem da Páscoa, 2007).

E o Santo Padre termina a sua Mensagem, dirigindo-se às Autoridades, a fim de que invistam cada vez mais energias em estruturas médicas; saúda os Bispos e os sacerdotes, todas as pessoas consagradas, os agentes no campo da saúde, os voluntários e quantos se dedicam, com amor, a cuidar e aliviar as chagas de cada irmão e irmã doente: “nos rostos dos doentes sabei ver, sempre, o Rosto dos rostos: o de Cristo”.

A concluir, Bento XVI exprime o seu afecto a todos e a cada um dos doentes, solidário nos sofrimentos e nas esperanças deles, para que Cristo crucificado e ressuscitado lhes conceda a paz e a cura física e espiritual!

Um grande desafio para os cristãos

Acompanhar a pessoa doente é um desafio para os cristãos! E o lugar ideal para que os cristãos exerçam o seu amor pelos doentes, idosos, solitários, é na Comunidade paroquial. Os hospitais e as clínicas são lugares de passagem. Além disso, é preciso não esquecer que os doentes são membros efectivos da comunidade paroquial.

Não basta visitar as pessoas doentes, mas assisti-las em suas necessidades básicas, como a alimentação, o arrumo da casa ou até a ajuda económica. E apoiá-los, espiritualmente, com a oração e os sacramentos.

A Igreja que somos, através das comunidades paroquiais, deverá apostar, com todas as suas forças, em prestar auxílio aos seus membros doentes e a todos os que sentem a necessidade da partilha do carinho, do bem-estar físico e da consolação de se sentirem amados.

Neste dia, dedicado a Maria, invocada como Nossa Senhora de Lurdes, confiamos-lhe, como Saúde dos enfermos e Consoladora dos aflitos, todos os nossos idosos e doentes. E, como Maria, na hora da nossa cruz, fiquemos de pé, firmes na fé e na esperança que não desilude, e alicerçados na solidez do amor.

Apesar do avanço da ciência e das técnicas evoluídas, o sofrimento físico e psicológico continua a ferir a vida e a desgastar energias de muita gente. Quem acredita no Senhor Jesus tem, sem dúvida, mais facilidade em encontrar o sentido da própria entrega da vida, na dor.

Solidariedade e oração

Como Bispo desta Diocese, embora celebrando o Dia do Doente neste Hospital Dr. Nélio Mendonça, quero saudar todos os doentes da Madeira e Porto Santo, quantos os acolhem e acompanham, aqueles que os transportam aos locais de assistência e aos tratamentos, os voluntários e também os profissionais de saúde que não podem ser, apenas, técnicos competentes, mas humanamente próximos dos que procuram recuperar a saúde ou minimizar o desgaste, que a doença impõe. A todos asseguro a minha solidariedade e oração, a minha Bênção de Pastor Diocesano.

Hospital Dr. Nélio Mendonça – Funchal, 11 de Fevereiro de 2011

D. António Carrilho, Bispo do Funchal

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