A Eucaristia, maior tesouro espiritual da Igreja
“Eu sou o pão vivo descido do Céu, diz o Senhor” (Jo 6,51). Na solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, a Igreja exulta e canta de alegria pelo admirável mistério e dom da Eucaristia. Unidos pela caridade de Cristo, somos convidados a dar graças a Deus, a participar no Banquete da Nova e eterna Aliança e a comungar o Pão da Vida, segundo a Palavra do Senhor Jesus: «Tomai: isto é o meu corpo».
Na quinta-feira santa, a Igreja faz memória da última Ceia, com imensa gratidão e júbilo, num ambiente de profundo recolhimento, no início do Tríduo Pascal. Mais tarde, sob a inspiração do Espírito Santo, a Igreja sentiu a necessidade de uma celebração que fosse, também, testemunho e ato público de fé.
Foi assim que, no século XIII, a festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo foi aprovada oficialmente pelo Papa Urbano IV, no dia 11 de Agosto de 1264, com a bula “Transiturus de hoc Mundo”. Embora, nessa época, não tivesse de imediato grande repercussão no interior da comunidade eclesial, a festa do Corpo de Deus é celebrada, atualmente, com grande solenidade e esplendor, em todo o mundo católico, depois da Páscoa, na quinta-feira seguinte à solenidade da Santíssima Trindade.
A nova Aliança no Sangue de Cristo
Ao fazer ressonância da Palavra que escutámos, somos tomados de assombro e de profunda gratidão pelo inefável amor de Deus. E com o Salmo 115 podemos exclamar: “Como agradecerei ao Senhor, tudo quanto Ele me deu?”.
No texto do Livro do Êxodo, na primeira leitura, assistimos a um momento forte de oração do povo de Deus. Interpelado pela escuta da Palavra, o povo compromete-se a viver em fidelidade: “Faremos tudo o que o Senhor ordenou” (Ex 24,3). Em seguida, Moisés selou a aliança com o sangue das vítimas imoladas e aspergiu a assembleia. Nas civilizações antigas, o sacrifício era o selo de qualquer aliança. Agora, o sangue derramado sobre o altar, foi assim tomado como sinal da maior comunhão com o Senhor e da exigência de fidelidade.
No tempo da Nova Aliança, a oferta sacrificial do Sangue de Cristo substitui definitivamente todos os sacrifícios da Lei antiga, em ordem à purificação do pecado e libertação do mal. Eterno sacerdote do Pai, pelo “Espírito eterno ofereceu- Se a Deus como vítima sem mancha, para purificar a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Heb 9, 13). Com o mistério Pascal inaugura-se uma nova e eterna aliança no Sangue de Cristo.
Memorial da morte e ressurreição do Senhor
Como sabemos, a Eucaristia é memorial do mistério pascal de Jesus, paixão, morte e ressurreição. Na Ceia da despedida, Jesus entregou-Se totalmente a nós por amor e antecipou a sua paixão ao consagrar o pão e o vinho, na ceia pascal, e dar-lhe um sentido novo: «Tomai, isto é o meu corpo […] Este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens”(Mc 14,24). O Papa Bento XVI recorda-nos que, “cada celebração eucarística atualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez da Sua própria vida na cruz por nós e pelo mundo inteiro” (Sacramento da Caridade,88).
O amor de Deus, que em Jesus se revela totalmente a nós, é a chave de leitura e compreensão de toda a história da salvação e do mistério da Encarnacão. No pão e no vinho eucarísticos está a presença real e dinâmica do amor de Jesus, que nos pede continuamente a oferta da nossa própria vida em favor dos outros e nos aponta um caminho de esperança na eternidade.
O Papa Francisco, nas suas catequeses sobre a Missa, diz-nos de uma forma muito bela: “Cada celebração da Eucaristia é um raio daquele Sol sem ocaso que é Jesus ressuscitado. Participar na Missa, em particular aos domingos, significa entrarmos na vitória do Ressuscitado, sermos iluminados pela sua luz, abrasados pelo seu calor. Através da celebração eucarística o Espírito Santo torna-nos participantes da vida divina, que é capaz de transfigurar todo o nosso ser mortal”.
Espiritualidade eucarística
O culto eucarístico não se confina apenas à participação na Eucaristia e na adoração, mas abraça toda a vida do homem e da mulher e penetra todo o tecido social. “A própria Eucaristia projeta uma luz intensa sobre a história humana e sobre o universo” (Bento XVI, SC, 92). Acolher, comungar, celebrar e adorar são momentos essenciais no dinamismo da espiritualidade eucarística. Comprometem toda a vida pessoal, familiar e social, em ordem à construção da paz, da comunhão fraterna, da defesa da criação e da unidade com Cristo.
A Eucaristia é sacramento do amor! Ao comungar o Pão da Vida, recebemos luz e força para caminhar na esperança e na alegria até ao encontro definitivo com o Pai. Não esqueçamos os nossos doentes, carne de Cristo sofredor, nas suas casas ou nos hospitais, os pobres, os que precisam de uma presença amiga ou palavra de conforto, os presos, as famílias com maiores problemas, os idosos, os jovens e as crianças. Cristo a todos atrai e abraça no Seu amor, especialmente os mais frágeis.
Lembro a importância da participação na Eucaristia dominical. Nela entregamos com Cristo ao Pai as alegrias, os sofrimentos e as tribulações da humanidade, para que tudo seja integrado e redimido no Sacrifício Redentor de Cristo.
Ilhas do Santíssimo Sacramento
Portugal acolheu a celebração da solenidade do Corpus Christi no séc. XIII, quando foi introduzida na Bélgica, no reinado de D. Afonso III. Ao longo dos séculos, o povo português conservou uma profunda devoção ao Santíssimo Sacramento do Altar, que se estendeu, durante a expansão marítima, no séc. XV, às novas terras descobertas.
Ao fazermos memória histórica dos 600 anos da descoberta do Porto Santo e da Madeira, comprovamos com alegria a devoção eucarística dos nossos antepassados. Quando os navegadores portugueses aportaram, pela primeira vez, na baía de Machico, dois sacerdotes franciscanos celebraram esse feliz acontecimento, com a celebração da Missa. Foi esta a primeira homenagem ao Santíssimo Sacramento, em solo madeirense.
Com o povoamento da Ilha, a espiritualidade eucarística traduziu-se em manifestos sinais de amor e de louvor para honrar tão admirável Sacramento. Já no séc. XVII, o historiador madeirense Henrique de Noronha afirmava: “A mais solene procissão de todo o ano é a do Santíssimo Sacramento”.
Os lindos e artísticos tapetes de flores, preparados com alegria e, por vezes, com muito sacrifício, reservados ao presidente da celebração, que transporta a sagrada custódia, debaixo do pálio, exprimem muito bem o sentimento religioso e a fé viva do nosso povo. Esta festa do Santíssimo Sacramento ou a Festa do Senhor, depois da grande celebração diocesana, também se realiza, durante o verão, em quase todas as comunidades paroquiais madeirenses. As nossas ilhas da Madeira e Porto Santo são assim conhecidas como Ilhas do Santíssimo Sacramento.
Cristo está vivo no meio de nós
Irmãos, acompanhemos o Senhor, com amor e gratidão. Na Eucaristia está a presença real de Jesus Cristo, Deus vivo e verdadeiro. Jesus volta à nossa cidade, como outrora, nas ruas da Palestina. Ele nos contempla com amor, reza por nós ao Pai, escuta-nos com ternura de amigo e faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Peçamos-lhe, pois, que abençoe as nossas famílias, cure os doentes, console os aflitos e atribulados e a todos inunde de alegria, de fé e de paz.
Senhora do Monte, nossa padroeira, Mãe de Jesus Cristo, Pão vivo descido do Céu, rogai por nós!
Funchal, 31 de Maio de 2018
D. António Carrilho, Bispo do Funchal