Caríssimos irmãos e irmãs!
Regressamos hoje aos momentos fundantes da nossa vocação de cristãos e de sacerdotes, quando o Senhor nos encontrou entregues a nós mesmos, perdidos nos desertos da vida, e lançou sobre nós o seu olhar de misericórdia, nos chamou pelo nome e fez de nós filhos e amigos. Longe de nós a veleidade de pensar que o que somos se deve à nossa iniciativa, às nossas qualidades ou à nossa capacidade de descobrir Deus, de o amar e de o servir. Tudo o que somos enquanto filhos chamados e enviados se deve a uma iniciativa que não nasceu de nós e a uma vocação que nos foi dada.
Quando meditamos seriamente neste mistério que nos envolve, sentimo-nos maravilhados com a bondade de Deus, fazemos da nossa vida um hino de infinitas graças e renovamos cá dentro a decisão de fidelidade a um amor e a um serviço que nos ultrapassam infinitamente. Parafraseando o Salmo 8 podemos repetir de novo: “Que é o homem para que vos lembreis dele, o filho do homem para dele vos ocupardes…” e ainda, “quem sou eu para que olheis para mim com misericórdia divina, para fazerdes de mim instrumento da vossa bondade junto dos meus irmãos?”
Caríssimos irmãos, neste solene momento de memorial e de compromisso de fidelidade, deixemos ecoar de novo nos nossos ouvidos a profecia de Isaías reassumida pelo Evangelho segundo Lucas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres”. Ao ler estas palavras do Profeta na sinagoga de Nazaré, Jesus revela qual a missão que o Pai lhe confiou: anunciar a boa nova. Depois continua revelando qual o seu conteúdo e método: proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor. Como conteúdo, a salvação de todos os que não têm a salvação nas suas próprias mãos, os pobres; como método, o envio e consequente saída ao seu encontro, onde quer que estejam.
A unção de Jesus como Messias já antes prefigurada na unção de profetas, sacerdotes e reis, faz repousar sobre Ele o Espírito Santo em ordem à missão. Trata-se de uma presença que não é um simples benefício pessoal, nem sequer um enriquecimento individual, mesmo que constitua o maior dom que Deus concede aos seus escolhidos. Jesus fez do anúncio do Evangelho da Salvação de Deus o critério mobilizador de toda a sua vida e ação junto dos homens.
Essa presença do Espírito é portadora do dinamismo da missão que leva Jesus a pôr-se a caminho e que há de levar a sua Igreja a pôr-se num constante dinamismo de saída. Quando no Credo professamos a nossa fé na Igreja Apostólica, não estamos simplesmente a fazer referência aos Doze Apóstolos enquanto alicerces da construção do Povo de Deus, mas estamos também a proclamar o modo de ser da mesma Igreja, ungida pelo Espírito Santo e enviada em missão até aos confins da terra. Sermos Igreja Apostólica é, por um lado, uma realidade fundante da condição de eclesialidade e, por outro, uma atitude que nos é pedida: a disponibilidade para anunciar a boa nova por meio do dinamismo da saída ao encontro de todos os que Deus quer salvar.
A fidelidade ao Evangelho exige sempre à Igreja esta conversão à sua condição apostólica, ao dinamismo da missão, à atitude de saída. São ainda muitas as resistências: ao longo dos tempos, enquanto Igreja de cristandade, habituámo-nos a apresentar-nos como um reduto da verdade, como uma fortaleza de virtudes, como uma morada que todos procuram, como uma instituição a todos os títulos credível. Deparamo-nos frequentemente com uma Igreja débil, sem real influência na sociedade, guardiã de templos transformados em museus, reduzida a pequenos grupos de cristãos que se sentem diante de uma missão sobre-humana, pecadora e com uma credibilidade pouco reconhecida.
Estamos, caríssimos irmãos, no tempo do Espírito que nos levará a regressar ao Evangelho, no tempo da Igreja, Corpo de Cristo e mistério de comunhão, que se tornará serva de Deus e da humanidade, centrada no anúncio da Boa Nova da Salvação pela via da saída ao encontro dos pobres, dos cativos, dos cegos, dos oprimidos referidos na Escritura, ou seja, da humanidade ferida e a clamar urgentemente por consolação.
Na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, o Papa Francisco deixou-nos esse clamor em ordem à mudança de atitude da Igreja que somos, tantas vezes citado e que, em grande parte, ainda não conseguimos acolher: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação” (27).
O critério de ação da Igreja será também a evangelização, pois é por ela que levaremos ao amor a Cristo e à comunidade Cristã. A organização, as regras e a própria lei serão sempre meios e caminhos para levar o Evangelho ao coração e à vida da humanidade que anseia por Cristo, mesmo sem o saber.
Nesta celebração festiva em que confrontamos a nossa vida com a luz da unção sacramental e com o dom do Espírito que repousa sobre nós, convido-vos, caríssimos irmãos sacerdotes, a redefinirmos o nosso modo de ser, de estar e de agir a partir do dinamismo missionário do Evangelho. Havemos de fazer do anúncio do Evangelho da Salvação o critério de toda a nossa vida e ação de padres, de pastores e de cristãos.
A nossa conversão a Deus e ao Evangelho há de implicar sempre a disponibilidade para acolher os caminhos propostos pela Igreja, na certeza de que são os caminhos adequados para a realização da sua missão em cada tempo e em cada situação da história. Por sua vez, a renovação das promessas sacerdotais e a manifestação do nosso desejo de fidelidade ao dom que recebemos, deve implicar também a disponibilidade para viver o chamamento e a missão de anunciar a Boa Nova com novo ardor, novos métodos e novas expressões, como nos pediu S. João Paulo II.
Irmãos caríssimos, enquanto discípulos-missionários, mais do que nunca, havemos de ir ao encontro da humanidade com palavras de fé e de esperança, e com um coração rico de misericórdia, como o coração de Deus revelado em Jesus. Por essa razão, a Profecia de Isaías especifica o conteúdo e o método do anúncio missionário por meio de dois grupos de verbos: anunciar e proclamar, para se referir à pregação da Palavra; curar e consolar, para reclamar a força da proximidade e do amor.
“Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar» (…). E que o mundo do nosso tempo (…) possa receber a Boa Nova dos lábios (…) de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo” (A Alegria do Evangelho, 10).
Em nome da Igreja Diocesana de Coimbra, que o Senhor me chamou a servir, agradeço aos presbíteros, aos diáconos e a tantos membros leigos do Povo de Deus os muitos sinais de dinamismo renovador e de coragem para percorrer novos caminhos de evangelização, já em curso.
Reconheço que muitas comunidades já tomaram consciência de que não basta uma pastoral de preservação e que há muito a fazer em ordem a um maior enraizamento espiritual, a uma celebração da liturgia mais profunda, a uma catequese que leve ao encontro com Cristo e com a sua Igreja.
Dado que somos Igreja Comunhão, que nos ajudemos uns aos outros, sobretudo quando faltar o ânimo ou a capacidade de vislumbrar os caminhos a percorrer. Que os mais fortes animem os mais fracos; que as comunidades mais ricas em meios humanos e dons espirituais ajudem as mais pobres; que todas as estruturas da Diocese, dos arciprestados, das unidades pastorais, dos secretariados, dos movimentos e grupos se interroguem seriamente acerca dos seus objetivos, do seu programa, da sua metodologia e num desejo de conversão pastoral, se reorganizem e se reorientem para a missão.
Que o óleo do Crisma com o qual fomos ungidos para a missão no batismo, na confirmação e na ordenação sacerdotal, e que nos configurou com Cristo profeta, sacerdote e rei, nos inebrie com a sua graça a fim de experimentarmos em todos os momentos a “suave e reconfortante alegria de evangelizar” (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 80).
Acompanhe-nos a Virgem Santa Maria, portadora de Jesus, o Evangelho de Deus, há dois mil anos como mulher e agora como Igreja, mas sempre como Mãe.
Coimbra, 29 de abril de 2018
Virgílio do Nascimento Antunes, Bispo de Coimbra