«Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor». Estas palavras com as quais o mensageiro celeste comunica aos pastores a novidade por todos esperada são as mesmas que hoje nos convidam a viver em profundidade a solenidade do nascimento de Jesus de Nazaré.
Abramos o nosso ser, o nosso coração e a nossa inteligências ao acontecimento que hoje nos é proposto referindo-se a Jesus, o Filho de Deus que nasce na nossa humanidade.
Se este anúncio tomou os pastores de surpresa e causou pânico em todos os que escutavam a voz celeste, também nos tempos actuais, o mesmo anuncio se depara com um povo que, dadas as suas preocupações imediatas, não está preparado para sintonizar com o esplendor e a profundidade do que é revelado.
Na verdade, o nascimento de Jesus de Nazaré, não deve ser concebido tão só como dirigido à Igreja ou á comunidade cristã. A celebração deste acontecimento terá de se estender a todos os povos. De facto, deve revestir-se de alegria para todo o povo, isto é, para todos os povos.
Perante tal anúncio, como definimos os nossos medos? Mais ainda, quais são os temores que levam a humanidade de hoje, tal como a contemporânea de Jesus, a sentir receio em se deixar cativar pela salvação que nos é oferecida pelo nascimento do Filho de Deus?
Reconhecemos, então, que a dificuldade não se coloca no acontecimento em si que, sendo marcante para a história e visível aos olhos humanos, exige, todavia, um percurso pessoal e determinadas condições para nos contagiar com o seu esplendor.
Diz o mensageiro celeste: «encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». De facto, perante um mundo da opulência, da riqueza, do domínio, da força e do egoísmo, deixar-se cativar pela simplicidade de uma criança, deixar-se envolver pela pobreza de um estábulo e deixar-se contagiar pela humildade de uma família que não oferecem senão o amor infinito de Deus presente neste recém-nascido, exige novos critérios, novos valores e novas prioridades para a vida pessoal e comunitária.
Perante o mundo fascinado pelo poder das armas, da riqueza, do culto do egoísmo e mergulhado no prazer imediato, eis-nos perante a proposta redentora que nos vem da fragilidade de uma criança que se nos descrita como o Filho de Deus que, uma vez, encarnado na nossa humanidade nos salva e nos liberta.
Atentos aos Sinais dos Tempos que nos são oferecidos pela cultura actual e pela sociedade imersa em tantas injustiças e desigualdades, que provocam tanta pobreza e marginalidade, um novo mundo urge edificar e não poderá ser de outro modo senão em comunhão com o ser desta criança que nos é anunciada nesta noite.
S. Paulo comunica a Tito, tal como escutámos na segunda leitura, que «se manifestou a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens». Sim, estamos perante o manancial de graça que se revela para que a humanidade seja uma única família, para que a partir da redenção operada por Jesus de Nazaré, nos reconheçamos como irmãos.
Refere o Papa Francisco que «buscar a Deus com coração sincero, desde que não o ofusquemos com os nossos interesses ideológicos ou instrumentais, ajuda a reconhecer-nos como companheiros de estrada, verdadeiramente irmãos» (FT, 274). Aliás, «julgamos que, quando se pretende, em nome duma ideologia, expulsar Deus da sociedade, acaba-se adorando ídolos, e bem depressa o próprio homem se sente perdido, a sua dignidade é espezinhada, os seus direitos violados» (FT, 274).
Por isso, S. Paulo insiste em afirmar que a Graça manifestada «nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade».
Na verdade, este é o tempo de graça que não podemos ignorar ou desperdiçar. No meio de tanta manipulação dos acontecimentos em proveito de ideologias que subterraneamente vão minando a dignidade humana, no afastamento de Deus referenciado pela cultura actual, na perda de sonhos que elevem a pessoa para um futuro digno da humanidade no seu todo e pela insensibilidade pelo humanismo que não pode edificar-se sem a comunhão com Deus, eis o grande anuncio que nos quer despertar para junto de Jesus que nasce do presépio nos decidirmos por edificar uma comunidade humana que á luz do Evangelho, Boa Noticia, nos oriente na Esperança.
Como afirma o Papa Francisco, «queremos ser uma Igreja que serve, que sai de casa, que sai dos seus templos, que sai das suas sacristias, para acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade (…) para lançar pontes, abater muros, semear reconciliação» (FT. 276).
Aliás, «não podemos esconder que, se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados-enviados» (FT. 277).
Realmente, «se a música do Evangelho cessar de repercutir nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade de todo o homem e mulher» (FT. 277).
Esta é a melodia que, nesta noite, ecoa entre nós e nos desperta para respondermos ao desafio que já no tempo da promessa estava anunciado pelo profeta Isaías ao dizer que «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar».
São grandes as trevas que atravessam a vida pessoal, social e cultural do tempo em que vivemos. As incertezas, a mentira, o materialismo reinante, adensam as trevas na convivência social.
A imoralidade, o desrespeito pela dignidade pessoal, enquanto filha de Deus, a perda do sentido profundo da vida humana e o desamparo da razão humana perante a falta de referência ao amor divino, faz-nos sentir numa sociedade de desespero e de morte.
Eis, portanto, a necessidade de projectar luz que nos vem do presépio para iluminar o nosso mundo e oferecer-lhe as fontes da esperança e da alegria.
Esta é uma noite que nos desperta para a missão evangelizadora. Tal como os pastores, somos convidados a junto de Jesus que nasce proclamarmos as maravilhas de Deus.
Termino, expressando os meus votos de santo e feliz natal para todos os diocesanos, os que estão no nosso território e os que estão na diáspora, às famílias, às crianças, jovens e idosos, mas sobretudo aos mais pobres e marginalizados, aos que estão presos e aos doentes e a viver na solidão.
Imploro de Nossa Senhora, Mãe de Jesus e nossa Mãe, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio, de S. Paulo VI e de S. João Paulo II que abençoem todos os diocesanos de Viana do Castelo.
+João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo