Histórias do Conclave

A eleição de um Papa obedece a rituais muito simples e precisos, cheios de uma solenidade muito própria pelo gesto e pelo peso das decisões tomadas pelo Conclave. O próximo inicia-se a 18 de Abril, com os Cardeais a tomarem Deus e os Evangelhos como sua testemunha num juramento de “segredo absoluto” sobre todos os procedimentos que ali irão ter lugar. Apenas dois dos Cardeais Eleitores foram criados por Paulo VI e participaram em anteriores Conclaves: o Cardeal alemão Joseph Ratziner e o Cardeal norte-americano William W. Baum. A inexperiência não servirá como entrave ao processo, previsto até ao mínimo pormenor na Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”, assinada por João Paulo II em 1996. Após a ordem “Extra Omnes” (todos fora), dada às pessoas exteriores ao conclave, os Cardeais encontram-se a sós, na Capela Sixtina, com os seus pares. Todos os meios de comunicação com o exterior são proibidos. Nos Conclaves anteriores, os Cardeais ficavam alojados na Capela Sixtina, sem as comodidades necessárias para um acto destes, mas João Paulo II quis melhorar as condições e mandou construir a Casa de Santa Marta. O espaço do Conclave dos Cardeais é assim alargado, pela primeira vez na história, a todo o complexo do Vaticano. Os Cardeais continuam a estar submetidos à interdição de qualquer contacto com o exterior, mas não ficarão encerrados num único local. Desde as primeiras assembleias cristãs romanas aos Cardeais, em 1179, a eleição de um novo Papa aconteceu quase sempre em Roma e, desde 1492, na Capela Sixtina. Nem todos os Conclaves, contudo, tiveram lugar no Vaticano: cinco aconteceram no Quirinal, actual palácio da presidência da República Italiana; 16 decorreram noutras cidades italianas e sete em França, no período de Avinhão. Os Conclaves do século XX tiveram uma duração sempre inferior a cinco dias e 14 votações. A votação acontece com o preenchimento de um boletim rectangular, que apenas traz impressa a menção “Eligo in Summum Pontificem” (elejo como Sumo Pontífice) na parte superior. O boletim é dobrado e é levado ao altar, onde está colocada uma urna, onde os Cardeais pronunciam o juramento: “Invoco como testemunha Cristo Senhor, o qual me há-de julgar, que o meu voto é dado àquele que, segundo Deus, julgo deve ser eleito”. Para que surja um novo Papa requerem-se dois terços dos votos, com votações de manhã e à tarde, que são sempre a dobrar quando não se obtém esse resultado. Se as votações não tiverem êxito, após um período máximo de 9 dias de escrutínios e “pausas de oração e livre colóquio” descrito na Constituição Apostólica, os Cardeais eleitores serão convidados pelo Camerlengo a darem a sua opinião sobre o modo de proceder. O documento de João Paulo II abre a hipótese de a eleição ser feita “ou com a maioria absoluta dos sufrágios ou votando somente os dois nomes que, no escrutínio imediatamente anterior, obtiveram a maior parte dos votos, exigindo-se, também nesta segunda hipótese, somente a maioria absoluta.” Depois de cada sessão, as fichas dos votos e “os escritos de qualquer espécie relacionados com o resultado de cada escrutínio” são queimados com uma mistura de químicos: se o fumo que sai da chaminé da Capela Sistina for negro, significa que não houve acordo entre os Cardeais; se for branco, que foi escolhido o novo Papa. Neste caso, apenas resta ao novo eleito responder a duas questões do Cardeal Decano: ”Acceptasne eletionem de te canonice factam in Summum Pontificem?” (aceitas a tua eleição, canonicamente feita, para Sumo Pontífice?) e ”Quo nomine vis vocari? (Como queres ser chamado?), naquele que é o último acto formal do Conclave. No início do Cristianismo não era assim: o eleito usava o seu nome – Lino, Clemente, Telesfóro, Eleutério, Aniceto, conforme a procedência dos Papas. A partir de 532 a tradição de mudar o nome instalou-se: o eleito chamava-se Mercúrio, nome de uma divindade pagã, e adoptou o nome de um dos apóstolos, passando a chamar-se João II. Este uso consolidou-se e os Papas começaram a escolher nomes de Apóstolos, de mártires ou outros Papas, muitas vezes para invocar algumas das suas características. Nenhum, contudo, voltou a utilizar o nome de Pedro, o primeiro Papa, porque este não foi eleito por outros homens – em 983 o romano Pedro, eleito para o pontificado, mudou o nome para João. Após a escolha do nome, um a um os Cardeais prestam homenagem e apresentam a sua obediência ao novo Papa. O anúncio é feito, em seguida, aos fiéis: “Habemus papam”. Sé Vacante, Igreja em espera O período da Sé Apostólica Vacante, que a Igreja Católica vive desde a morte de João Paulo II até à eleição de um novo Papa, é marcado por uma série de acontecimentos, ritos e actos que têm lugar neste período de tempo. Os mais mediáticos relacionam-se com as exéquias do Papa defunto e o Conclave para a eleição de um novo chefe da Igreja, mas há muito mais a levar em linha de conta durante o “interregno”. Ao longo dos séculos, vários Papas têm colocado por escrito as regras a observar durante a Sé Vacante, procurando responder às exigências particulares de cada momento histórico. O mesmo fez João Paulo II, quando promulgou em 1996 a Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis” (UDG), estabelecendo novas normas sobre a vagatura da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice. Durante o tempo em que estiver vacante a Sé Apostólica, o governo da Igreja está confiado ao Colégio dos Cardeais, mas somente para o despacho dos assuntos ordinários ou inadiáveis e para a preparação daquilo que é necessário para a eleição do novo Papa. Os Cardeais, ao tratarem da vida da Igreja, reúnem-se em Congregação geral (todos os Cardeais) e Congregação particular. A primeira é presidida pelo Cardeal Decano e resolve as questões mais importantes; a segunda é formada pelo Cardeal Camerlengo e por três Cardeais, um de cada uma das ordens, sendo renovados de 3 em 3 dias, tendo como competência os assuntos ordinários. Em síntese, pode-se dizer que a UDG confia as decisões a tomar, sobre a vida da Igreja Católica, ao Colégio de Cardeais, que representam a universalidade da mesma. Os dois momentos fundamentais da Sé Vacante seguem fielmente dois rituais recentemente escritos: a Ordo Exsequiarum Pontificis e a Ordo Rituum Conclavis. Ambos procuram deixar de lado uma perspectiva considerada ritualista e complicada, baseada em gestos pesados e redundantes, apresentando ritos caracterizados por “nobre simplicidade e beleza”, de forma a responder às exigências do tempo actual e ao espírito do II Concílio do Vaticano. O significado espiritual e eclesial destes momentos é, assim, colocado num plano de destaque, como é possível ver nas premissas do Rito do Conclave: “Enquanto se celebra a eleição do sucesso de Pedro, a Igreja está particularmente unida aos sagrados Pastores e, sobretudo, com os Cardeais eleitores, implorando a Deus um novo Sumo Pontífice, como dom da sua bondade e providência”.

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