Há Escolhas Políticas Imbuídas de Desumanidade

Nos Trinta Anos da Laborem Exercens

Trinta anos depois da publicação da encíclica papal Laborem Exercens, o princípio do direito ao trabalho como garantia da realização humana e espiritual dos homens e das mulheres está muito longe de ser uma realidade. E se entendermos que aqueles princípios devem inspirar as regras e as leis, então temos de concluir que temos à nossa volta graves violações de direitos e da dignidade dos trabalhadores.

Se depois da revolução industrial, com a organização dos trabalhadores em sindicatos e principalmente depois, com a implementação das democracias, houve uma evolução muito significativa na melhoria das condições de trabalho, na regulamentação de horários e salários, no respeito pelas condições físicas e capacidades do trabalhador. No entanto, as duas últimas décadas têm-nos trazido um claro retrocesso, sinal visível daquilo que o poder económico, quando deixado à solta, é capaz de fazer.

O desemprego estruturante, o trabalho precário, os horários desregulados e rotativos, os bancos de horas, os baixos salários, os contratos mensais e sem vínculo à empresa onde se prestam serviços são, entre muitas outras, realidades que marcam o tempo atual com profundas consequências na vida pessoal e familiar dos trabalhadores.

Se considerarmos que todo este retrocesso tem a ver com escolhas políticas neoliberais e economicistas, tão imbuídas de desumanidade, ficamos ao menos animados com a veemência com que a igreja nesta encíclica “Sobre o Trabalho Humano” condena essas opções e impele os cristãos e todos os homens de boa vontade a assumirem a causa dos trabalhadores, “como prova da sua fidelidade a Cristo, para assim serem verdadeiramente a «Igreja dos pobres» ”. E logo a seguir dizer que os pobres aparecem sob variados aspetos, “mas em muitos casos, como resultado da violação da dignidade do trabalho humano; e isso, quer porque as possibilidades do trabalho humano são limitadas – e surge a chaga do desemprego – quer porque são depreciados o valor do mesmo trabalho e os direitos que dele derivem, especialmente o direito ao justo salário e à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família”. (L.E., nº 08)

O ponto acima referido é demasiado importante, tendo em conta o momento em que vivemos e que muitos já consideram de profundo retrocesso civilizacional. Hoje é sobretudo o poder económico-financeiro e da especulação que dita as regras, sem respeito pelas democracias e pelos governos legítimos, impondo, umas atrás de outras, revisões da legislação laboral, mas sempre, apenas, para retirar aos trabalhadores direitos que na sua grande maioria alcançaram em concertações sociais. Toda esta regressão acontece diante da chaga massiva do desemprego e o aumento dos níveis de pobreza nos países democráticos e desenvolvidos.

Estes novos pobres, já chamados de mártires do século XXI, são também acusados de preguiçosos e até de oportunistas, quando beneficiários de apoios que o Estado tem o dever de garantir. Porque, também para a Doutrina Social da Igreja, a pobreza não pode ser combatida com medidas meramente assistencialistas. Mesmo quando são necessárias respostas imediatas, a solução passa sempre por combater as causas da pobreza. “A obrigação de conceder fundos em favor dos desempregados…indispensáveis para a sua subsistência e das suas famílias, é um dever que deriva do princípio fundamental da ordem moral…do princípio do uso comum dos bens ou, para exprimir o mesmo de maneira ainda mais simples, do direito à vida e à subsistência”. (L. E., nº 18)

Por isso, o grande desafio de hoje para os cristãos e para todas as mulheres e homens é o de defenderem um desenvolvimento onde prevaleça a pessoa sobre a economia e o dinheiro.

Na comemoração dos trinta anos da encíclica Laborem Exercens é, pois, um imperativo apelar à participação nas organizações sindicais, onde os trabalhadores cristãos são chamados a exercer aí a sua responsabilidade cívica, através de um testemunho pessoal e solidário. “A experiência histórica ensina que as organizações sindicais são elementos indispensáveis da vida social, especialmente nas modernas sociedades industrializadas”. (L. E., nº 20).

O Ensino Social da Igreja orienta a ação da LOC/MTC. Por isso é para nós primordial defender o direito ao trabalho e afirmar que este terá de ser fonte de humanização da pessoa e da sociedade, acreditando no protagonismo e na força transformadora de cada homem e mulher, em compromisso solidário e persistente, como actores principais de mudança.

Fátima Cunha Almeida, coordenadora nacional da LOC/MTC

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