Guia para o Ano Paulino

Um olhar sobre o Apóstolo orientado por D. Anacleto Oliveira, responsável pelo itinerário catequético proposto pela CEP para o Ano Paulino Bento XVI proclamou um “Ano Paulino”, para celebrar os 2000 anos do nascimento de São Paulo, com início na Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, a 29 de Junho de 2008, e a terminar um ano depois. A Agência ECCLESIA foi ao encontro de D. Anacleto Oliveira, Bispo Auxiliar de Lisboa e responsável pelo itinerário catequético, proposto pela CEP, tendo Paulo como guia, que além do conhecimento mais profundo do Apóstolo, procura fazer percorrer, durante 52 semanas, as principais etapas do caminho cristão. Agência ECCLESIA (AE) – Com o Ano Paulino à porta, conseguimos descrever quem foi o Apóstolo Paulo? D. Anacleto Oliveira (AO) – Em duas palavras, é muito difícil definir quem foi este personagem. No entanto, podemos dizer que, de todos os apóstolos, foi aquele que mais contribuiu para a fundação e expansão da Igreja e do cristianismo. AE – Um apóstolo fulcral que deixou uma Teologia difícil e com alguma novidade? AO – A maior novidade reside na atribuição – contribuição – para que a figura de Jesus Cristo ganhasse a dimensão universal que já estava inerente à sua própria figura. Paulo deu um contributo fundamental para que o cristianismo – sem perder as suas raízes judaicas – fosse espalhado a todos. AE – Paulo foi o apóstolo do querigma (anúncio) ou do aprofundamento da mensagem? AO – Das duas coisas… é impensável uma sem a outra. O querigma era comum a todos, mas o que é característico dele – situa logo na sua vocação – é o anúncio do Evangelho aos pagãos. Vem expresso claramente na «Carta aos Gálatas», quando escreve a sua vocação e diz que foi eleito para anunciar o Evangelho aos gentios. AE – Tudo começou na estrada de Damasco… Um local simbólico? AO – Os «Actos dos Apóstolos» exploram essa dimensão. Este livro do Novo Testamento descreve o cristianismo como uma expansão e usa muito o símbolo do caminho. Já o Evangelho de S. Lucas relata Jesus a caminho de Jerusalém… E depois a expansão do cristianismo à sua dimensão universal. A ida para Damasco caracteriza a caminhada de Paulo. Daí para a frente foi uma caminhada incansável. Um Apóstolo diferente AE – Sendo o cristianismo um caminho, Paulo foi um principais desbravadores desse caminho. AO – S. Paulo, mais do que dar um sentido a esse caminho (isso é comum a outros escritos no Novo Testamento), realizou isso que estava inerente à dimensão de Cristo como caminho. O próprio Evangelho de S. João desenvolveu-se nessa perspectiva: o cristianismo de S. João começa na Palestina e expande-se… Aliás, pensa-se que há uma relação muito próxima entre as comunidades joaninas e as comunidades iniciais (os «Actos dos Apóstolos» chamam-lhe de helenistas). AE – No entanto, Paulo foi um apóstolo diferente porque não caminhou com o Mestre. AO – O grande momento da sua vida não foi o acompanhar Jesus durante a sua vida pública, mas a aparição de Cristo Ressuscitado. Neste aspecto há uma base comum entre os outros apóstolos e S. Paulo. Ele teve adversários durante toda a sua vida e alguns quiseram negar-lhe a sua condição apostólica. Ele defende-a com base na aparição de Cristo Ressuscitado. E diz com frequência que não fica nada atrás dos outros. Com uma certa ironia, chega a dizer que trabalhou mais que os outros. AE – Como biblista, acha que ele trabalhou mais que os outros? AO – É muito difícil porque não temos dados históricos sobre os outros. O Novo Testamento, neste aspecto, deixa-nos um vazio. Não se pode comparar… Mas, no Novo Testamento, ele aparece a fazer mais do que os outros. Historicamente, não o podemos afirmar. AE – É o apóstolo da luz? AO – Ele utiliza muito a simbologia da luz. S. Lucas explora isso muito na descrição que faz da aparição de Cristo Ressuscitado. O próprio S. Paulo – concretamente na II Carta aos Coríntios – apresenta a sua conversão e vocação com a imagem da luz. AE – Sem esquecer o lado guerreiro. Na iconografia aparece muitas vezes com uma espada. AO – Isso são aspectos iconográficos, mas ele foi um homem de combate. Durante toda a sua vida, ele combateu contra tudo e contra todos. Até combateu contra os cristãos. O resto da sua vida apostólica foi um combate contínuo contra as contrariedades (sobretudo dos judeus e pagãos). Mesmo dentro do cristianismo teve muitos adversários, inclusivamente figuras de proa. S. Tiago foi declaradamente uma figura adversária de S. Paulo. Desse conflito entre eles fez-se luz… S. Pedro também teve problemas com S. Paulo e chegaram a cortar relações. Não existia coincidência, mais no modo de agir do que, propriamente, no modo de pensar. S. Paulo passou a vida inteira a combater. E acabou por ser vítima desse combate, morreu por causa disso. Paulo e Pedro AE – Pedro não secundarizou a figura de Paulo? AO – Ao longo da história do cristianismo, de certo modo sim. Depois da morte dos apóstolos houve, de facto, um movimento dentro da igreja no sentido de unir as duas figuras. No final do século I aparecem as duas figuras juntas. S. Clemente Romano faz uma referência clara aos dois juntos, aos dois no próprio martírio. Foram duas figuras fundamentais na base do cristianismo. No entanto, inicialmente, o leque era mais alargado. Pensa-se que havia pelo menos quatro correntes na visão do cristianismo. De certo modo, Pedro e Paulo encabeçavam as duas correntes centrais. Estas impuseram-se e as correntes mais laterais acabaram por desaparecer. Com o desenvolvimento do cristianismo, muitas delas deram em heresia. AE – Que fase da vida de S. Paulo o marcou mais? AO – Foram todas. Não podemos estudar numa fase isolada. A minha tese de doutoramento foi ao âmago de S. Paulo. Tratou da noção de apostolado em S. Paulo sobre uma dupla nomenclatura: a diaconia da justiça e noutro lado a diaconia da reconciliação. Aí, ele expõe a sua conversão e a sua vocação. Durante o meu estudo debrucei-me mais nas cartas Protopaulinas. Após a conclusão do doutoramento comecei a debruçar-me mais nas Deuteropaulinas. AE – Então é um bispo mais Paulino e menos Petrino? AO – Não. A figura de S. Pedro é muito simpática. Quando havia desacordo entre eles, S. Paulo trata-o de forma violenta, quase ofensiva. No entanto, Paulo também apresenta Pedro como uma figura de referência. Um ano com São Paulo AE – Passados dois mil anos, Paulo está novamente no centro das atenções e surge o livro «Um Ano a Caminhar com S. Paulo» da autoria de D. Anacleto de Oliveira. Como podemos caminhar com S. Paulo? AO – O livro apresenta uma série de encontros com Paulo. Estes encontros poderão fazer-se em grupo ou individualmente. O objectivo é ajudar as pessoas a dialogarem com S. Paulo. Em cada um destes encontros há sempre uma palavra de Paulo. O resto gira à volta deste texto e foca os problemas que ele tratou nas suas cartas. AE – Nos tempos que correm é fácil ou difícil dialogar com a Teologia Paulina? AO – Estou convencido que é fácil. Pelo menos, no livro, procuro facilitar os contéudos de Paulo. As cartas de S. Paulo são extremamente densas e são difíceis de compreender. Nota-se que o pensamento de Paulo sofreu uma evolução o que torna a compreensão mais difícil. Aliás, a própria II Carta de S. Pedro – pensa-se que foi o último escrito do Novo Testamento – diz que as Cartas de S. Paulo são difíceis de entender. Na altura, já davam azo a interpretações diversas e, nalguns casos, opostas. AE – Quando fala das Cartas refere-se às Protopaulinas ou Deuteropaulinas? AO – Das duas …. (Risos) Todas elas têm as suas dificuldades. Mesmo as cartas Deuteropaulinas (discutíveis) também são densas. Algumas delas, até se duvida se são cartas. Muitos afirmam que a Carta aos Efésios é uma mensagem, homilia ou sermão. AE – As viagens Apostólicas também tiveram influência nos seus escritos. Ele ali bebeu outras culturas? AO – Sim. Nas cartas Protopaulinas (indiscutíveis) não há uma diferença tão grande. Há um estilo comum e uma maneira semelhante de tratar os problemas. A diferença maior está entre as Protopaulinas e Deuteropaulinas. Há visões diferentes da Igreja. Ao falar do Baptismo, na Carta aos Romanos, Paulo fala da Ressurreição como um dado futuro. Na Carta aos Colossenses e na Carta aos Efésios, diz que os cristãos no Baptismo já ressuscitaram. AE – Este «caminhar com S. Paulo» é gradual? AO – Não. São 52 encontros mais um. O último não vem numerado… São 52 porque são 52 semanas. A estrutura geral do livro, tal como os encontros, está relacionado com a vida cristã. Começa com uma série de encontros que designo como autobiográficos (16 encontros onde S. Paulo nos fala de si próprio) AE – Os «Actos dos Apóstolos» falam mais dele do que Paulo dele próprio? AO – Os «Actos dos Apóstolos» apresentam, mais dos que as cartas, os dados externos da sua própria vida. O cerne e o centro da sua vida estão mais nas cartas. Não nos podemos esquecer que as suas cartas são escritos de circunstância. Ele não escreveu a pensar nos leitores de hoje. AE – No entanto, passados dois mil anos, o conteúdo das cartas ainda é actual? AO – Perfeitamente. No livro pretendo fazer essa ponte. Elas continuam a ser a base da catequese. O livro tem mais quatro partes que procuram acompanhar os cristãos nos diversos componentes da sua vida. AE – O livro não anda ao ritmo do Ano Litúrgico? AO – Não é possível fazer isso. Dá a liberdade às pessoas de começarem quando quiserem e por onde quiserem. AE – As temáticas estão descontinuadas? AO – Há temas que têm continuidade. Quando ele fala da sua actividade missionária e da Igreja como imagem do Corpo de Cristo, as temáticas têm continuidade. AE – É uma guia que ajuda a compreender a Teologia Paulina? AO – O livro é uma tentativa de tornar presente para o mundo de hoje a mensagem que S. Paulo escreveu há vinte séculos. Tem muitos dados informativos, mas também muitas interpelações aos cristãos de hoje. Nas catequeses ou encontros aparecem muitas perguntas…. AE – E faz também sugestões de leitura… Nota-se que indica muitos salmos. É intencional? AO – É. Os salmos são muito ricos: de louvor, de esperança e prece. AE – O autor deste livro é um apaixonado pela Teologia Paulina? AO – Muito. Tudo começou por causa de uma falha na minha Formação Teológica, em Portugal. Não tive esta cadeira. Senti a necessidade de compensar esta lacuna e, em Roma, tive oportunidade de aprofundar a Teologia Paulina. Quando fiz a tese de doutoramento – entre os diversos temas sugeridos – apareciam dois ou três de S. Paulo. Não tive dúvidas e agarrei um deles. Foram dez anos de estudo sobre S. Paulo. Sei que estou marcado por ele. Felizmente. Um homem polémico AE – Nota-se que Paulo foi uma figura polémica. AO – Criou polémica toda a vida. Como era extremamente inteligente e com formação académica tinha uma grande visão. Via ao longe. Via aquilo que os outros não viam. Esbarrava com aqueles que não tinham essa visão, mas queria a unidade da igreja. Ele entrava em conflito quando lhe tocavam naquilo que para ele era sagrado: o Evangelho e a figura de Cristo. AE – Era também multifacetado no agir. Trata problemas iguais de forma diferente? AO – Sim. O conflito entre ele e S. Pedro em Antioquia – a questão das refeições em comum entre cristãos vindos do paganismo e cristão vindos do judaísmo – é exemplo disso. Dá respostas diferentes. AE – Quando se fala da «Nova Evangelização» e do novo ardor missionário era fundamental que os cristãos olhassem para a figura de Paulo? AO – Não há dúvida. O tempo de hoje e o tempo do cristianismo nascente tem muitas coisas em comum. A visão de Paulo e os métodos de evangelização que ele usou – sobretudo o ardor missionário – tem uma actualidade tremenda. AE – Não serão estas celebrações jubilares apenas balões de oxigénio? AO – Não. Os anos jubilares são marcas e deixam marcas. Este ano jubilar tem como objectivo despertar os cristãos para uma fonte e energias de nova evangelização. AE – Um ano que desperte também ao cristãos a lerem mais a bíblia. AO – Ainda há muita gente que não tem a leitura da Bíblia como um elemento constituinte da sua vida cristã.

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