Isabel Figueiredo, Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais
Somos testemunhas de um tempo estranho. Assistimos à destruição de cidades, em tudo semelhante à recriada nos filmes que descrevem guerras passadas; assistimos a êxodos que nos falam de passados longínquos, narrados em línguas mortas ou mundos fantásticos; escutamos o choro das crianças, das mães, dos idosos, dos procurados nos escombros e levados aos ombros; descobrimos pessoas que que enfrentam novas guerras, emudecidos pela constatação de que, afinal, tudo se repete.
Somos testemunhas de um tempo estranho que aparenta parecer normal. Bem sabemos que nunca aconteceu uma paz universal e que as pequenas e as grandes guerras são constantes, desconhecidas e escondidas. Mas aquilo a que assistimos neste início do século 21, é algo que não podemos ignorar ou desvalorizar; algo de que não podemos desviar o olhar, procurar novelas do faz de conta ou o futebol que anestesia. Ou pior ainda, perante uma realidade que não muda, começamos a encontrar razões, culpas, histórias que justifiquem esta incapacidade inata de conseguir vencer o mal. Ao mesmo tempo, o luxo e a banalidade desfilam nos telemóveis, a abundância do consumo escandaliza a pobreza, a arrogância do poder verga a fragilidade.
Quantos de nós ainda paramos a pensar nos soldados ucranianos a sobreviver em trincheiras, dia após dia? Ou nas mães dos soldados russos que morrem todos os dias? Ou nos hospitais em Gaza, sem camas, sem nada, senão gente que cuida, que opera, que trata? Ou na destruição massiva da vida, em cidades que não se reconhecem em mapas recentes, nas fotografias de família, das escolas, das gentes? Quantos de nós ainda temos coragem de ver as imagens destas guerras, não únicas, mas tão próximas? De nos emocionarmos com este sofrimento?
Aprendemos com a história, que é sempre necessária a coragem de muitos, a clarividência de outros e a determinação de alguns, para alterar o rumo que leva tantos, por caminhos não pensados, nem desejados. Conhecemos nomes de homens e mulheres que foram capazes de resistir, de travar o mal, de lutar pelo bem. Conhecemos nomes de hoje. Que resistem, lutam e morrem pelas suas terras, pela liberdade, pela Fé. Que descobrem outros caminhos, que não desistem de salvar, de curar, de reconstruir, de fazer novas todas as coisas.
Estamos na Quaresma, um tempo da descoberta do que somos e queremos. E ninguém pode adivinhar como será a Páscoa naqueles escombros, daquelas guerras. Mas nesta incerteza do futuro, nesta estranheza do tempo que vivemos, podemos e devemos rezar, rezar todos os dias, sem desanimar, nem perder a esperança. Rezar pela Paz. Quando rezamos, não há distâncias, nem muros, nem ruínas; não há vencedores, nem vencidos, nem pobres, nem ricos. Somos tudo em todos, porque unidos por Deus. Rezar pela Paz é um imperativo, neste tempo estranho em que vivemos.
Isabel Figueiredo