Insurgência em Cabo Delgado está longe de ser vencida, diz Bispo de Tete
A situação continua extremamente difícil em Cabo Delgado, onde grupos terroristas, que afirmam pertencer ao Estado Islâmico, têm lançado constantes ataques forçando milhares de pessoas a fugir. “São muitas bocas a alimentar e os recursos são poucos”, diz D. Diamantino Antunes à Fundação AIS. O Bispo de Tete fala também dos casos de martírio de cristãos neste país de África e agradece a ajuda preciosa da AIS à Igreja moçambicana: “Eu próprio sou testemunha disso”, diz.
“A situação dos deslocados em Cabo Delgado é muito precária e difícil. Falta muitas vezes o essencial, os apoios são diminutos e nem sempre constantes às pessoas deslocadas, de modo particular o apoio alimentar e outros bens de primeira necessidade para uma vida digna”, reconhece D. Diamantino Antunes, em entrevista à Fundação AIS. A afirmação do Bispo de Tete reforça o alerta do Conselho Norueguês para os Refugiados, que colocou recentemente Moçambique em terceiro lugar na lista dos 10 países onde se estão a verificar as crises de deslocados mais negligenciadas em todo o mundo. Um alerta que obriga a olhar com atenção para o que se passa neste país africano de língua portuguesa, até porque a crise humanitária – calcula-se que haverá mais de 1 milhão de deslocados em Moçambique – tem várias causas. A crise humanitária é consequência da insurgência terrorista e do medo que provoca na população, mas também de sucessivas calamidades naturais que se têm abatido sobre o território moçambicano, sobretudo no litoral norte. Calamidades que, como também sublinha o prelado, afectam todos os habitantes, “mas de modo particular os que já não têm nada”.
Faltam recursos para deslocados
Os ataques terroristas em Cabo Delgado começaram em Outubro de 2017 e já causaram além do número impressionante de mais de 1 milhão de deslocados, também mais de 5 mil mortos. Nos últimos tempos registaram-se até ataques noutras províncias, nomeadamente em Niassa. D. Diamantino Antunes diz que não tem dados que lhe permitam afirmar que se estará perante uma escalada na violência terrorista, mas sim que “a insurgência continua activa e longe de ser vencida”. Independentemente do avanço ou não no terreno dos terroristas, a constatação do que se passa no plano humanitário é preocupante. E é de tal forma preocupante que Moçambique, diz o Bispo de Tete, precisa mesmo de ajuda internacional para acudir a todas as pessoas em necessidade. Até porque o país revela uma enorme fragilidade a quase todos os níveis. “A situação económica está má, faltam recursos no sector da saúde, da educação e da melhoria das infraestruturas fundamentais, que são importantes para o desenvolvimento económico. Estou a falar de estradas, transportes, acesso à água, etc.. As receitas fiscais são na sua maioria canalizadas para o pagamento de salários do funcionalismo público, que beneficia apenas uma minoria da população. E pouco resta para o investimento na área social e nas infraestruturas. A situação dos milhares de deslocados da guerra em Cabo Delegado é muito difícil, são muitas bocas a alimentar e os recursos à disposição são poucos para tanta necessidade”, diz o prelado.”
Um bispo todo-o-terreno
Tete é também exemplo da ausência de investimentos nas infraestruturas. A diocese é enorme, maior do que Portugal, e não é fácil chegar a todos os lugares, pois as estradas ou são inexistentes ou, muitas vezes, apenas rudimentares. Mas isso não tem impedido D. Diamantino de contactar constantemente com todas as comunidades. Ainda agora, o Bispo esteve no terreno em contacto directo com as populações. “Acabo de regressar de três semanas de visita pastoral à região sul da Diocese, aos distritos de Magoé, Cahora Bassa e Marávia. Para visitar algumas comunidades cristãs, nas zonas mais montanhosas e periféricas, usei, além do carro, outros meios como barco, mota e até o ‘cavalo de São Francisco’, isto é, andando a pé, para poder chegar a todo o lado, pois mesmo de mota não é possível.” Neste momento, a Diocese de Tete tem 42 missões paroquiais e o Bispo procura fazer pelo menos uma visita pastoral a cada uma delas de dois em dois anos.
Histórias de martírio em Moçambique
Além do trabalho diário na sua diocese, D. Diamantino Antunes tem outras preocupações. Ele tem assumido grande responsabilidade pelo andamento de diversos processos relacionados com a perseguição religiosa em Moçambique. Os casos dos catequistas de Guiua, assassinados por ódio à fé, assim como os padres jesuítas João Deus Canteza e Sílvio Alves Moreira, mortos na missão de Angónia, em Chapotera, são disso exemplo. Todos eles, sacerdotes e catequistas, perderam a vida violentamente durante a guerra civil. E o Bispo não tem dúvidas em afirmar que “a igreja católica moçambicana é uma igreja de mártires”, e que há mesmo outros casos, recentes, que permitem confirmar esta certeza. A irmã Maria de Coppi, a religiosa comboniana italiana de 83 anos de idade e que foi assassinada por terroristas na missão de Chipene, na Diocese de Nacala, em Setembro de 2022, é disso exemplo. “Na minha opinião, há espaço e necessidade de promover outras causas de beatificação em Moçambique. Nós precisamos de modelos. Os nossos fiéis precisam de modelos de santidade e de martírio”, explica. “A igreja de Moçambique tem essas testemunhas e não as pode esquecer”, conclui.
“Agradeço e rezo pelos benfeitores da AIS”
Muito do trabalho que está a ser desenvolvido pela Igreja em Moçambique, e também na Diocese de Tete, tem o cunho da solidariedade dos benfeitores da Fundação AIS espalhados pelo mundo. “Eu próprio sou testemunha disso”, assegura D. Diamantino Antunes. “Somos muito devedores e agradecidos. Recebemos ajuda para a formação dos nossos seminaristas e sacerdotes, para a construção de capelas, igrejas, casa para missionários, seminários, aquisição de meios de transporte, aquisição de bíblias e material catequético. Uma ajuda fundamental e preciosa para o crescimento e consolidação da igreja católica e apoio aos mais necessitados. Agradeço e rezo por todos os benfeitores, pelos sacrifícios que fazem e pela generosa ajuda que nos dão através da Fundação da Ajuda à Igreja que Sofre. A todos recordo o que São Paulo diz, há mais alegria no dar do que no receber. Sejam felizes porque fazeis os outros felizes”, afirma ainda o prelado.
Paulo Aido