Greve geral, um direito… Ou também um dever?

Padre ConstantinoAlves (ex-padre operário e dirigente sindical dos Metalúrgicos do Sul)

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Recordo com emoção a Greve Geral de 12 de fevereiro de 1982! (Há quem diga que foi a primeira em Portugal e outros que afirmam que não foi “geral” porque nessa a UGT não participou).

Havia imensas razões para esse gesto de luta “último”: o escândalo e flagelo dos salários em atraso, o desmoronar de grandes setores da economia, metalomecânica, siderurgia, construção e reparação naval, indústria química, têxteis, setor automóvel… e de concentrações industriais e humanas.

Muitos dos direitos fundamentais conquistados pelo 25 de Abril e pela luta dos trabalhadores e suas organizações corriam graves perigos. Estávamos no tempo do governo chamado “Bloco Central”.

Milhares e milhares de trabalhadores pelo país inteiro (Setúbal foi um dos expoentes) eram fustigados e sofriam o terrível drama da fome e do desemprego.

Esse dia memorável foi preparado com centenas ou milhares de plenários, com um entusiasmo e criatividade impressionantes. O país, praticamente, parou!

Hoje estamos confrontados com novos e graves problemas e desafios, agravados muitos deles com  a publicação do Anteprojeto de Reforma das Leis do Trabalho (chamado “Pacote Laboral”, ou “contrarreforma laboral”).

O governo como que pela “calada da noite”, em início do período das férias, lança fortíssimo ataque à dignidade de quem vive do seu trabalho e ao atual Código do Trabalho e demais leis laborais com a alteração de mais de 100 medidas a pretexto de responderem a novas realidades do trabalho e promoverem o desenvolvimento da economia. (Não sendo possível neste curto texto enunciar e descrever cada uma das medidas limito-me a uma análise genérica).

Mas os efeitos serão na realidade outros: agravamento das desigualdades sociais e injustiças na repartição dos rendimentos do trabalho, fragilização dos trabalhadores nas relações laborais e precarização de suas vidas, pelo enfraquecimento da contratação coletiva e promoção da individuação, precarização de tempos e horários de trabalho e restrições ao exercício da liberdade sindical. Consequências graves irão recair na conciliação do trabalho e da vida em família, do tempo para o lazer, cultura e ação cívica.

… Em suma, o amento da exploração dois trabalhadores, o aumento dos desequilíbrios sociais, o ruir do edifício da “concertação e diálogo social” e do seu enquadramento e proteção jurídica, um caminho para o “silenciamento”, descrédito e o esboroar da democracia.

 (“Não podemos ignorar” que tudo isto também é “alavancado pelo crescimento dos populismos e das forças de cariz autoritário e de extrema direita, ancorados no neoliberalismo.

Perante isto, esgotada a negociação necessária e adequada para que o governo retire este “seu” Código laboral que caminhos restam?

Ficar indiferente e à espera que o leão nos devore depois de nos estilhaçar? Baixar a cabeça, submissos ao fatalismo?

A greve é um direito humano e constitucional, o recurso mais poderoso e, por vezes, último para os trabalhadores.

Sendo um direito ele deve ser utilizado quando necessário e por decisão dos trabalhadores, respeitados os “serviços mínimos e essenciais” e será um dever quando a dignidade da pessoa humana esteja a ser violentamente obstaculizada e atacada, e, perante isso, nenhum ser humano que abrace os direitos humanos mais fundamentais pode ficar indiferente ou passivo.

Desde já podemos considerá-la, também uma vitória pelo valor da unidade atual e futura dos trabalhadores através da convergência das duas Centrais Sindicais, CGTP-IN e UGT.

Constituirá, igualmente, um gigantesco passo de unidade e convergência na ação que fará  “desarmadilhar” desconfianças e muros que existam e um processo pedagógico de busca daquilo que nos possa unir, respeitando e valorizando legítimas diversidades de pensamento, análise e ação.

Greve Geral?

Sejam seus frutos um encaminhamento para um Portugal onde a dignidade da pessoa humana, a atenção aos mais pobres, reformados e excluídos, a correção das desigualdades e injustiças, a solidariedade, a habitação, o trabalho digno para todos, homens, mulheres e jovens, a saúde a educação sejam “o pão nosso cada dia” que nos façam dizer: vale a pena ser livre e viver!

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