Percurso do dramaturgo inglês, responsável pelos guiões de «Um Homem para a eternidade» e «A Missão», mostra a luta sobre a consciência pessoal
Lisboa, 06 mar 2021 (Ecclesia) – Mendo Castro Henriques, professor de Filosofia política da Universidade Católica Portuguesa (UCP), encontra em Robert Bolt, dramaturgo inglês, a inquietação sobre a pergunta ‘por quem estamos verdadeiramente apaixonados?’ e a “quem respondemos, em última instância?”.
“Através dos guiões que conhecemos nos filmes como «A Missão», «Dr Jivago» e «Um Homem para a eternidade», confrontamo-nos connosco próprios mas a pergunta seguinte é mas a quem respondemos, com quem é que falamos, testemunhamos para quem, qual é o tu que fala dentro de nós, por quem estamos verdadeiramente apaixonados”, resume o docente a partir da biografia de Robert Bolt, protagonista da mais recente conversa ‘Gente de Pouca fé?’.
No escritor inglês, ressalta Mendo Castro Henriques, “há um apelo transcendente que vai além do individualismo, do consumismo, do conformismo da pessoa consigo própria e que leva a pessoa a atos heroicos às vezes, outras a ficar aquém, pela sua natural condição humana”, acrescenta.
Em Robert Bolt há um “fundo misterioso da procura de um outro que está por trás da obra” do escritor inglês, oriundo de uma família com tradições calvinistas, que passou pelo partido comunista inglês e lutou na Segunda Guerra Mundial.
Os escritos, primeiro para o teatro e depois para o cinema, mostram uma luta entre a consciência pessoal e o dever de responder a “Alguém”, que Robert Bolt “nunca perdeu de vista”.
“Bolt nunca perdeu de vista que estamos enamorados por um ser que nos ultrapassa. Ele acredita num algo mas nunca lhe chama o ser divino, que traduz o drama e a sua inquietação. Bolt, nesse sentido, continua vivo e podemos continuar a dialogar com ele”, sublinha.
Quando o inglês começa a escrever guiões para o cinema a sua pergunta ganha alcance, porque encontra na Sétima arte o encontro de “várias artes”.
O cinema é a “arte suprema”, a conjugação de “várias artes”, indica o docente, e quando aliada à música, num dos casos com a obra de Ennio Morricone que compôs “partituras extraordinárias”, e concretamente para o filme «A Missão», escrito por Bolt, ajudam a recordar a “aspiração de que a consciência individual é muito forte”, mas vive em luta.
“Bolt escreve numa altura em que o individualismo é crescente, de consumismo, de satisfação pessoal. O que Bolt nos quer comunicar nos guiões, é que o individuo tem as suas paixões e ideais, mas questiona se ele se pode satisfazer a si próprio. Ele achava que não. Temos de responder aos outros e ao grande Outro”, sustenta.
Sobre o filme ‘A Missão’, de 1986, que se centra na luta pela manutenção das missões jesuítas na América Latina e coloca, nas personagens principais a ambiguidade na luta pelos valores, Mendo Castro Henriques dá conta da atualidade do filme.
“Falamos de um filme de há 30 anos mas cujas realidades se continuam a colocar, trazidas também pela «Querida Amazónia» do papa Francisco, sobre a ameaça das populações que a exploração injusta provoca. Qual é o destino das populações que são avassaladas por uma tecnologia e uma sociedade que se pretende superior e quer destruir outros modos de vida”, questiona.
O idealismo e dos meios para a concretização de uma “sociedade perfeita”, a procura da redenção, os meios para responder à violência são temas perseguidos por Robert Bolt que, “através do talento que desenvolveu com a escrita”, chegam à atualidade e aos questionamentos quotidianos, entre crentes e não crentes.
“Se lermos as grandes criticas dos filmes dos anos 60, 70 e 80, surgem estes filmes cujos guiões têm o dedo deste dramaturgo inglês, que têm as características de não podermos dizer se tem muita ou pouca fé – é um mistério – mas tem a fé suficiente para fazer a diferença em filmes que nos fazem querer aspirar por um mundo melhor”, resume.
‘Gente de pouca fé?’ é um espaço que a Agência ECCLESIA mantém a cada domingo com Mendo Castro Henriques, que pretende, ao longo da Quaresma, destacar percursos e testemunhos de contemporâneos que “se movem num espaço entre a fé e a falta dela”.
LS