“Em que linha devemos avançar para que a mulher seja mais valorizada dentro da Igreja?” – Foi uma das interpelações deixadas por D. Albino Cleto, Bispo de Coimbra, aos participantes, no encerramento das Jornadas de Teologia do Instituto Superior de Estudos Teológicos de Coimbra (ISET). Subordinadas ao tema “A mulher e a Igreja, perspectivas para o século XXI”, as jornadas do ISET decorreram nos dias 23 e 24 de Março, no auditório da delegação do Instituto Português da Juventude de Coimbra. D. Albino reconheceu que o tema debatido ao longo de dois dias “agita opiniões e provoca críticas”. Para o Bispo de Coimbra “já estaríamos a dar passos mais significativos relativamente ao papel da mulher no seio da Igreja se o ecumenismo estivesse mais avançado”. O desafio lançado à mulher, hoje, não significa atribuir mais poder, mas sim, atribuir-lhe mais valor, reconheceu o prelado da diocese. D. Albino pretende que as mulheres sejam “o rosto de Deus” no século XXI, um rosto de ternura, de mudança e de esperança. No dia em que o Bispo de Coimbra comemorava seis anos à frente dos desígnios desta sua diocese, afirmou que entender a Igreja no feminino, requer em primeiro lugar uma mudança de mentalidades e uma nova linguagem adequada aos nossos tempos. O director do ISET, Padre Doutor António Jesus Ramos, considerou, por sua vez, que já se nota uma diferença de mentalidades” mas referiu que “estas coisas não se fazem de um momento para o outro, nem por decreto”. Para o responsável destas jornadas, esta iniciativa deu um “contributo importante para que o assunto seja visto de um modo diferente” para “que sejam dados passos seguros”, mas, “sem pressas”. “Chegou a hora da mulher” D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesas (CEP), um dos conferencistas destas jornadas, corrobora da mesma opinião de D. Albino Cleto. A sua reflexão sobre “Mulher na Igreja: Tempos novos para mentalidades novas”, “requer abertura de horizontes aos sinais dos tempos”. Para este especialista em História da Igreja “os contributos originais do masculino e do feminino, nas suas diferenças, ajudam a ampliar a missão evangelizadora da Igreja, sem a reduzir aos sacramentos”. Segundo D. Carlos Azevedo, “um certo ensino da Igreja ainda reduz a mulher à esposa amante e mãe sacrificada”. “Uma parcial teologia do serviço contribui para manter muitas mulheres cristãs em estado de inferioridade, com ausência de reconhecimento das suas capacidades”, lamentou. Nesse sentido, o Bispo Auxiliar de Lisboa considera que “a reflexão teológica feita no feminino favorecerá visões, possibilidades e estratégias alternativas, de que a Igreja anda tão necessitada”. “Não basta apreciar o génio da mulher na vida social e eclesial. Essa hora já chegou. É pouco aprofundar o sentido da dignidade da mulher e do homem criados à imagem e semelhança de Deus (…). A mulher participa activamente na Igreja não só no silêncio e de modo invisível, mas com papel relevante como construtoras de teologia”, disse. D. Carlos Azevedo considera que “a mulher tem a capacidade inata privilegiada para fazer que a Igreja seja visivelmente o espaço de vida, quente, receptivo, de portas acolhedoras”. Falando de um “profetismo feminino da mãe Igreja”, o prelado apontou para a necessidade de se passar “a uma civilização da ternura”. “Começa a ser hora para olharmos nos olhos de cada fiel homem e mulher para nos descobrirmos e criarmos comunhão sem domínio. Olharmo-nos em silêncio, com transparência e esperança, conscientes das igualdades e das diferenças, para, na riqueza de homens e mulheres, servirmos a cultura da vida, o diálogo inter-religioso, o serviço da caridade contra a pobreza, a defesa da ecologia”, apontou. Quanto às críticas muitas vezes dirigidas contra a Igreja, por causa da subalternização das mulheres, D. Carlos Azevedo indicou que “a Igreja, sendo Mistério, criada por desígnio divino no mistério trinitário, não reduz a sua missão a critérios e decisão política como um sistema democrático. Se se perde a sua mística, perde-se o mistério e o sentido”. Por isso, observou, “quando a Igreja desatende a sua missão feminina, o que é grave não é o estar em desacordo com a moda dos tempos, mas antes o ser infiel à sua verdade interior”. A vida consagrada é uma vocação (ainda) com futuro A Irmã Laurinda Faria, Hospitaleira do Sagrado Coração de Jesus abordou o tema: a mulher consagrada no século XXI. Partilhou a sua experiência de consagrada, como um carisma especial de serviço e hospitalidade, especialmente em prol das pessoas com sofrimento psíquico. Para a Irmã Laurinda Faria, o tema da “mulher e da mulher consagrada na Igreja é uma questão em aberto que exige de nós atenção, cuidado e compromisso no caminho que falta percorrer”. Para esta irmã hospitaleira, a vocação consagrada não está em risco como muitos apregoam. Segundo esta conferencista, “se a vocação à maternidade é uma vocação com futuro, assim também será com a vida consagrada”, disse. “O governo de um país pode liberalizar a prática do aborto, mas nunca será capaz de destruir a vocação à maternidade”, ironizou. Para a Irmã Laurinda, “a mulher consagrada terá certamente dificuldades na vivência da sua consagração, mas será sempre um sinal de que um mundo novo e diferente é possível, será uma testemunha do divino ao alcance da mão, será uma prova do amor de Deus pelas suas criaturas”, defendeu. E, para justifica essa sua posição, a Irmã Laurinda Faria apresentou números que contrariariam o “certificado de óbito” que se ameaça eminente nalgumas Congregações. Actualmente as mulheres consagradas são mais de um milhão no mundo, número três vezes maior que o dos homens. Em Portugal, a vida consagrada ganha visibilidade através de 99 institutos religiosos femininos, com cerca de cinco mil membros (os masculinos são 38, com cerca de 1400 consagrados). Destes 99 institutos femininos, 62 têm menos de 25 membros; 15 estão entre 25 e 50; três institutos entre 50 e 100; Doze entre 100 e 200 membros; 7 congregações têm mais de 200 membros. Existem ainda 16 institutos seculares femininos, com cerca de 650 filiados. Reconhece que muitas congregações passam por momentos difíceis, como a falta de vocações que se faz sentir na Igreja, mas têm que se adaptarem aos tempos novos. A Irmã Laurinda Faria também defendeu que a “mulher está mais bem preparada para o ministério da ternura, do acolhimento, da hospitalidade, da liturgia da caridade” que no seu entender, são verdadeiros actos o sacerdócio de Cristo. “Da visão medieval aos novos tempos” A Doutora Filomena Andrade, do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (UCP), foi a segunda conferencista das Jornadas de Teologia de 2007 e, numa exposição que se debruçou sobre a “mulher na História da Igreja”, assinalou os momentos mais marcantes da evolução do papel feminino na sociedade e na Igreja, reflectindo não apenas no que esta instituição pensa da mulher, mas também no que esta última realiza nela, “enquanto membro de ‘pleno direito’, construtora, ao lado do homem do reino anunciado por Cristo”. Dando a conhecer as mudanças na visão do lugar feminino no mundo e na sociedade e a forma como foram sendo acompanhadas essas transformações, na prática, pelo clero e pela hierarquia eclesiástica, a especialista referiu, por exemplo, os grupos particulares de mulheres da época medieval e da época moderna, como as viúvas ou as comunidades religiosas, que foram afirmando, mesmo que de forma lenta, “um papel espiritual e caritativo importante”, ainda que marcado por uma cultura de exclusão e de excepção, que associava a mulher à fraqueza, ao pecado, à inibição intelectual e à incapacidade de participar, por isso, na vida pública. Nas palavras da Dra. Filomena Andrade, “excluídas da cena política oficial, as mulheres católicas encontram na beneficência o seu terreno de actuação”. A evolução mental, a mudança do papel da família e da importância que lhe era conferida, os ganhos constantes da mulher no que respeita à valorização da sua intelectualidade e racionalidade vão criando condições para que ela vá ganhando espaços novos e mais activos “na vivência social e transmissão da fé às novas gerações”. Como conclusão, a conferencista enunciou dois ensinamentos deixados pela história: os processos de evolução são, muitas vezes, concebidos “não por quem tem um poder formal, mas por quem gere o poder informal”; a Igreja vive “em íntima relação com a sociedade, no seu todo, por vezes anunciando as suas rupturas, outras colmatando-as e ajudando a ultrapassá-las, mas sempre em íntima conexão com ela”. “A mulher nova na Sagrada Escritura” Sempre perspectivando o século XXI, o Dr. José Carlos Carvalho, da Universidade Católica do Porto, oscilando, como explicado pelo próprio, “entre um ponto de vista mais de teologia e outro mais na perspectiva histórico-cultural”, apresentou, na conferência proferida nas Jornadas de Teologia, uma visão do feminino bíblico de Deus. Pensando a “mulher nova” na Sagrada Escritura, o especialista foi mostrando como, na própria revelação bíblica e ao longo da tradição teológica, se foi “plasmando a imagem do feminino” e como Deus foi revelando o Seu ser nas mulheres do Seu povo, constituídas quer como “mediações da revelação quer como teólogas que pensam o Deus”, que é ao mesmo tempo paternidade e maternidade: Deus que é Pai também faz permanentemente “ressurgir a vida”, apresentando reacções maternas face ao povo pecador que o abandona de tempos a tempos. Revelado também por mulheres e a mulheres, Deus reconstrói uma relação de aliança e, na experiência concreta destes rostos femininos da história de Israel, é possível renovar a imagem divina e a teologia. Jesus Cristo, que estabelece um diálogo permanente com o mundo e com a cultura do seu tempo, retoma o princípio fundador da criação e filtra as sucessivas interpretações e releituras da Palavra. De acordo com este princípio fundador, o homem e mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus. S. Paulo lembra depois aos cristãos que “Cristo é tudo em todos”. Em conclusão, o Dr. José Carlos Carvalho, explicou que a radicalidade trazida por Jesus e depois reforçada por Paulo são os dados da revelação bíblica que devem ser assumidos. Segundo o conferencista, é importante entender que, com a fé cristã, foram coexistindo elementos culturais que foram denegrindo a condição da mulher, não só na sociedade mas também “no seio da própria revelação”. “Mulher, Família e Sociedade”: uma articulação ainda difícil A deputada na Assembleia da República, como independente do PS, Doutora Maria do Rosário Carneiro, falou, nas Jornadas de Teologia, da relação entre “Mulher, Família e Sociedade, no início de um novo milénio”, afirmando que esta articulação constitui um dos grandes desafios para o século XXI. A emergência de uma cultura de defesa dos direitos humanos, a clarificação do que é fundamental na dignidade da pessoa e a afirmação do valor da liberdade trouxeram à mulher “novos espaços que lhe eram devidos na esfera pública”. Esta igualdade entre géneros, fundada nas diferenças, é, na opinião da também professora na Universidade Católica, “um pressuposto preconizado por Cristo que tardou 2000 anos a concretizar-se”, mas que, uma vez conquistado e assumido, se torna irrevogável. Com a reposição da mulher na esfera pública, também ao homem se exige que aceite um novo lugar no mundo que é dos dois. Na opinião da deputada, a sociedade não tem ainda modelos que clarifiquem as novas formas de estar da mulher. A descida da taxa de natalidade, o aumento do número de divórcios e a quebra no número de casamentos estão relacionados com esta “incapacidade social para absorver a noção de igualdade. As mulheres pedem para si uma vida profissional e um lugar no espaço público, sem terem que arcar, sozinhas, com a responsabilidade acrescida de gerir a família e o lar. A organização antiquada da sociedade e as políticas estatais partem, muitas vezes, do pressuposto de que “é a mulher que deve organizar-se para conciliar a vida pública e privada”. Para Maria do Rosário Carneiro, a Igreja acompanha a sociedade e tem, por isso, as mesmas dificuldades que ela. Dado o seu carácter “reflexivo e lento”, a Igreja deve, sobretudo, ser prudente para que “a mulher não fique sozinha”. “Deus é uma palavra difícil” Em forma de testemunho e de relato de experiências pessoais, a jornalista Laurinda Alves falou, aos participantes nas Jornadas de Teologia, da Mulher e da Igreja, apresentando-as como um “binómio (difícil) na Comunicação Social”. Afirmando que “Deus é uma palavra difícil de usar nos jornais e na televisão, porque não está na moda”, explicou também que falar de religião é complicado num mundo cheio de referências ditas jornalísticas que quase determinam ser errado falar de Deus. Dando a conhecer um percurso espiritual e profissional, a antiga directora da revista XIS, disse, no entanto, que a coerência de vida, de gestos e de discursos, pode ser um meio para se aprender a assumir Deus, inclusive, enquanto jornalista. Criticando um mundo em que só as más notícias são notícia, afirmou estar convicta da importância de ser diferente, de trabalhar “em contra corrente”, dando a conhecer lados humanos e mostrando a Igreja como, de facto, é. Laurinda Alves disse ainda acreditar que “a Igreja católica tem dificuldade na comunicação”, sendo importante que pense “no Deus de que quer falar e de que forma” para chegar às pessoas da melhor forma.