Tenho andado atento às múltiplas reflexões que nos últimos tempos têm aparecido sobre dois temas aparentemente inocentes: o tabaco e o futebol. E noto que, tanto os dependentes de um como de outro… fumo, gélidos e implacáveis na análise de questões filosóficas, políticas, sociais, etc… deixam derreter toda a lucidez perante o facto de o seu vício ou o seu clube, ou apenas o futebol, autorizarem toda a parcialidade de olhar, dispensando qualquer esforço de objectividade. Basta ouvir alguns relatos e comentários do futebol que nem admitem a pergunta se o tom de voz, o ritmo narrativo, a vontade indisfarçável de que o resultado esteja do seu (do nosso) lado, tudo autoriza. Muitos comentadores imparciais não aceitam que nesta matéria se não seja parcial… Com a polémica sobre a proibição de fumar em recintos fechados, públicos ou de empresas, as reacções são semelhantes, mas particularmente notórias nos fumadores inveterados que confessam publicamente o seu vício como direito constitucional… etc, etc, considerando fundamentalismo execrável qualquer restrição a este inocente balancear do “bota fumero ” seja na direcção de quem for. Ficaria por aqui, com a complacência de quem não concorda mas compreende uma dependência aparentemente invencível. Também me parece que há pregadores anti-tabagistas cujo tom de sermão irrita mais do que convence… Mas em todos os segmentos da vida isso acontece um pouco. O problema é que há preconceitos novos ou antigos, que se utilizam da mesma forma. Ou seja: (Há) acontecimentos de carácter social, cultural, artístico e mesmo religioso que se analisam com o inebriamento cego do preconceito clubista, que autoriza e até aconselha toda a casta de aleivosias em nome da liberdade – da sua liberdade de dizer, desenhar ou representar. A essa sombra tudo se cria, tudo se perde, nada se transforma. O que os outros recebem como fumo tóxico ou como agressão à sua construção interior de referências, é secundário. Logo que se bolse toda a ingestão de azedumes, frustrações e raivas, fique a grei em paz, que a liberdade, para isto, está disponível, e até dá jeito. Existe a objectividade de visão e análise? Penso que não. (Não vamos entrar pelo labirinto do “pós estruturalismo, hermenêutica, semiótica ou desconstrução”!!). A linguagem é imperfeita, ninguém tem o plano geral e próximo de todos os acontecimentos. Mas a honestidade é acessível. Mesmo a grandes dependentes do tabaco, do clubismo… e congéneres. António Rego