Conferência online assinalou primeiro mês da publicação de documento dedicado à fraternidade e amizade social
Lisboa, 04 nov 2020 (Ecclesia) – O Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, da Conferência Episcopal Portuguesa, dinamizou um debate online com especialistas que refletiram os desafios da encíclica papal ‘Fratelli Tutti’, na teologia, na economia, nas migrações e da justiça, paz, integridade e diálogo inter-religioso.
“A observação da realidade é absolutamente essencial para o método teológico. O facto de o Papa se concentrar na realidade nua e crua, cruéis, às vezes, não invalida nada ao método teológico. Não se pretende que uma encíclica seja académica, mas há elementos muito interessantes, muito fundos, o comentário à própria Parábola do Samaritano não é algo teologicamente e até filosoficamente inocente”, disse João Duque, professor de Teologia na Universidade Católica Portuguesa.
Na sessão online realizada esta terça-feira, pela plataforma zoom, o pró-reitor da UCP sublinhou que “há um pano de fundo” em todo o texto da encíclica que “é teológica e filosoficamente exigente, não ingénuo”.
O Papa Francisco assinou a encíclica ‘Fratelli Tutti’, sobre a fraternidade e a amizade social, a 3 de outubro, em Assis, junto ao túmulo de São Francisco; e o 299.º documento do género na história da Igreja Católica foi publicado no dia seguinte.
João Duque explicou que o conceito de amizade social “trabalha mais a fundo” a questão da “necessidade de mediações sociais de relação inter-humana”, “é uma aplicação à organização social do princípio do próximo”, e qualquer um deve ser objeto do cuidado de cada pessoa mas, depois, é preciso “organizar esse cuidado em grupos de proximidade”.
No setor da economia, o professor universitário Ricardo Zózimo começou por destacar que a teologia prática do Papa observa um fenómeno no mundo que é “em muitos sítios as empresas, a economia, não funciona para todos ou funciona de graus diferentes para cada uma das pessoas”.
“Uma das coisas que tenho andado a trabalhar com as empresas que estão à nossa volta é o que significa ‘quem é o nosso vizinho no contexto organizacional, no contexto das nossas empresas: Como vemos este conceito daqueles que estão a sofrer, que mecanismos têm para ajudar aqueles que sofrem”, explicou o docente de Gestão da Nova School of Business & Economics.
Ricardo Zózimo revela que esperava “mais sobre economia” na Frattelli Tutti que tem “61 menções” a relações económicas mas “o que há é muito forte”, um texto que aponta “um alvo comum mais do que apontar o dedo a alguém em especial”, e assinala que sobre a Parábola do Samaritano o Papa Francisco não explica “como se aplica a empresas”.
No mundo, cada vez mais, as empresas estão a ser pressionadas por várias forças, não só espirituais mas das pessoas que trabalham lá, do alinhamento espiritual entre elas, mas também forças do próprio mercado, que estão a obrigar as empresas a serem mais conscientes do seu impacto social, do seu impacto económico, do seu impacto ambiental”.
Ricardo Zózimo, que faz parte do Grupo português ‘A Economia de Francisco’, salienta que o Papa na nova encíclica “não põe as empresas de lado, apenas diz não se esqueçam que é preciso um coração aberto, construir sem fronteiras e é preciso sobretudo atentar ao bem comum”.
“A ideia do diálogo, como vamos construir uma sociedade que não esteja polarizada, mas esteja em constante diálogo é uma mensagem para as economias e as organizações económicas como as empresas: Como é que cada um de nós faz diálogo com aqueles que estão à nossa volta”, desenvolveu.
Já a diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) afirmou que a encíclica convida a olhar os outros “como pessoas independentemente das diferenças, olhar para aquilo que efetivamente une que é o ser pessoa”.
“Sermos irmãos é uma aprendizagem, e a Pastoral dos Migrantes, apesar de falar dos migrantes como irmãos, tem esta noção: É preciso aprender, é progressivo, e na família também temos esta experiência, é trabalho dos pais ajudarem os filhos a crescer como irmãos que se dão bem, que se respeitam, valorizam”, exemplificou Eugénia Quaresma.
Segundo a responsável, das palavras do Papa Francisco sobre populismo e nacionalismos recebe-se “uma grande energia positiva e força muito grande quando fala das fragilidades.
“E fragilidade da própria Igreja que, às vezes, reage tardiamente e energicamente contra estes nacionalismos e populismos e a própria xenofobia e a escravatura”, acrescentou a diretora da OCPM.
De Roma ligou-se ao debate o padre Tony Neves, coordenador para a Justiça, Paz e Integridade da Criação e Diálogo Inter-religioso dos Missionários Espiritanos, para quem “tudo o que é fruto de fundamentalismo e extremismo vem dar valor a um documento” como a ‘Fratelli Tutti’.
“Acho muito estranho que haja pessoas de todos os quadrantes que aproveitam estas situações que são abomináveis para dizer a culpa é do Papa se não andasse a dizer que estes muçulmanos são boa gente e que tem de dialogar com eles isto não ia acontecer”, afirmou o religioso português.
Para o Missionário Espiritano, documentos como a nova encíclica do Papa “vêm mostrar ao mundo, não só aos católicos, que a fraternidade não só é possível como é absolutamente imprescindível”.
Neste contexto, o padre Tony Neves acrescentou que acontecimentos relacionados com “extremismos e radicalismo só dão força a esta ideia” e frisou que “quanto menos diálogo houver mais extremismos e radicalismos vão aparecer”.
Esta quarta-feira, na audiência geral semanal, o Papa condenou o terrorismo na Europa, após atentados em Nice e Viena, atos “deploráveis” que visam comprometer esforços de diálogo entre religiões.
O debate ‘Fratelli Tutti, 30 dias depois’, moderado pelo chefe de redação da Agência ECCLESIA, Octávio Carmo, foi o primeiro de uma série de conversas online que o Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja Católica em Portugal vai promover sobre diversos temas da atualidade, para continuar o debate iniciado nas Jornadas Nacionais de Comunicação Social 2020.
CB/OC