Especialista em Sagrada Escritura reconhece que Papa Francisco «inaugurou» novo relacionamento mas «intenção não é transversal»
Lisboa, 04 fev 2022 (Ecclesia) – O padre João Lourenço, franciscano e especialista em Sagrada Escritura, afirmou hoje que o Papa Francisco inaugurou um novo relacionamento com o mundo islâmico mas explica que a relação tem de ser “quotidiana” mesmo que “discreta e simples”.
“Temos um caminho que não é fácil percorrer, não se faz apenas com boas intenções – apesar de importantes, porque nos ajudam a desbravar o horizonte, mas é preciso depois tê-la presente no quotidiano, que tem de mostrar uma presença discreta e simples, mas empenhada e comprometida nos ambientes onde isto decorre”, referiu à Agência ECCLESIA.
O biblista evidenciou a importância de a relação com o mundo islâmico “não ser um caminho fácil a percorrer” mas necessário.
“A visita do Papa ao Iraque foi uma epopeia. Os cristãos iraquianos marcaram a visita mas houve encontros e espaços muito calorosos que não apenas os espaços cristãos. Isso certamente minimizou os contrastes e tensões. É uma boa forma de olhar e, esperemos, que a Igreja esteja atenta a essa realidade porque, efetivamente, alguns desastres da história resultaram da falta de atenção a esta situação”, sublinhou.
Assinala-se hoje o II Dia Internacional da Fraternidade Humana, iniciativa da ONU que decorre do encontro do Papa Francisco e o grande imã de Al-Azhar, em Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019, data da assinatura do documento sobre a Fraternidade Humana.
O padre João Lourenço recordou a intenção do Papa, bem como de “boa parte do mundo islâmico”, para encontrar processos de colaboração naquilo que o documento diz – «em prol da proximidade, fraternidade, da paz e da harmonia entre os povos»”.
O religioso assumiu, no entanto, que esta não é uma intenção transversal, “de parte a parte” mas assumida pelos líderes que encontram uma “causa comum, uma ponte”.
As religiões têm pouca possibilidade de discutir, dentro de si, a natureza dos seus dogmas, identidades e fundamentos – isso é uma linguagem compreensível. Tentar encontrar pontes a partir daí é muito difícil. Mas é possível encontrar pontes, harmonia, e criar um bem-estar entre os diversos grupos sociais, religiosos, populacionais a partir de projetos comuns que têm esta marca humanista e convivência de bem comum, que visem amenizar as tensões e conflitos que trazem marcas da história e se perpetuam”.
O padre João Lourenço reconheceu “tensões fundamentalistas”, de ambas as partes, “no campo doutrinal entre os cristãos e nas opções sociais entre o mundo islâmico” e elogia a via do encontro, do diálogo para “desarmar o terreno” onde o fundamentalismo acontece, e lembra a tensão em África marcada pela “falta de abertura, partilha e colaboração”.
“Há uma via que me parece útil e produtiva que é desarmar, desminar, o terreno onde essas forças e tendências têm o seu forte. Estes projetos conjuntos podem ser uma via para alcançar esses objetivos”, sublinhou.
Para o padre João Lourenço o caminho de fraternidade que o Papa quer percorrer tem a marca de “oito séculos de história mostram a génese em Francisco de Assis”.
“Desde que Francisco enviou para os lugares santos na Palestina alguns dos seus frades e depois, ele próprio se dirigiu, dois anos depois, em 1219, ao encontro do Sultão para tentar encontrar uma harmonia que permitisse aos franciscanos ter a sua presença, zelar os lugares e acolher as pessoas, houve sempre esta fraternidade e proximidade entre os dois mundos”, assinalou, numa entrevista que é emitida hoje no Programa ECCLESIA (RTP2, 15h00).
PR/LS
Fraternidade Humana: «Ou somos irmãos ou tudo se desmorona» – Francisco (c/vídeo)