«Fratelli Tutti»: Terceira encíclica reforçou recusa de «dogma neoliberal» do mercado

Francisco apresentou «sonho de fraternidade e amizade social», valorizando papel das religiões

Foto: Lusa/EPA

Lisboa, 21 abr 2025 (Ecclesia) – O Papa publicou em outubro de 2020 a sua terceira encíclica ‘Fratelli Tutti’ (Todos Irmãos), na qual denuncia o que qualifica como “globalismo” do mercado de capitais, que responsabiliza pelo aumento de desigualdades e injustiças sociais.

“O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as mais vulneráveis e dependentes. Desta forma, a política torna-se cada vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais”, escreve, num texto dedicado à “fraternidade e amizade social”.

O documento apela a uma “globalização dos direitos humanos mais essenciais” e aponta, como exemplos, a necessidade de erradicar a fome ou combater o tráfico de pessoas e “outras formas atuais de escravatura”, que apresenta como “vergonha para a humanidade”.

Falando num mundo sem rumo, o Papa propõe a redescoberta de uma “dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas as barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos”.

A encíclica ‘Fratelli Tutti’ pede que os vários projetos económicos, políticos, sociais e religiosos tenham em mente a “inclusão ou exclusão da pessoa que sofre” como elemento de avaliação.

Francisco defende que é preciso superar o “dogma de fé neoliberal” no mercado, pedindo mudanças de paradigma, no pós-pandemia.

“O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja”, indica o texto.

Num documento que tem como temática central a fraternidade e amizade social, o Papa condena a “especulação financeira”, marcada por uma “ganância do lucro fácil”.

Segundo Francisco, é necessária uma reforma da Organização das Nações Unidas e da “arquitetura económica e financeira internacional”.

‘Fratelli Tutti’ foi assinada, simbolicamente, em Assis, junto ao túmulo de São Francisco – e não junto de São Pedro, no Vaticano, como é tradição – sendo dirigida aos católicos e “todas as pessoas de boa vontade”.

“Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras”, escreveu o Papa.

O documento cita em várias ocasiões a inédita declaração sobre a fraternidade humana que foi assinada em Abu Dhabi (2019) pelo Papa e pelo imã de Al-Azhar, a mais prestigiada instituição do Islão sunita.

Francisco realça o papel das religiões na construção da fraternidade e na rejeição do extremismo.

“As religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue”, sustenta.

Francisco faleceu hoje, na Casa de Santa Marta, onde se encontrava em convalescença desde 23 de março, após um internamento de 38 dias no Hospital Gemelli, devido a problemas respiratórios.

O anúncio foi feito pelo cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell: “Queridos irmãos e irmãs, é com profunda dor que devo anunciar a morte do nosso Santo Padre Francisco. Às 07h35 desta manhã, o Bispo de Roma Francisco regressou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da sua Igreja”.

OC

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