Nova encíclica apresenta fraternidade e respeito pelos direitos humanos como alternativa à «ilusão global» de desenvolvimento
Cidade do Vaticano, 04 out 2020 (Ecclesia) – O Papa publicou hoje a sua nova encíclica ‘Fratelli Tutti’ (Todos Irmãos), traçando um cenário de “sombras” para denunciar o que qualifica como “globalismo” do mercado de capitais, que responsabiliza pelo aumento de desigualdades e injustiças sociais.
“O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as mais vulneráveis e dependentes. Desta forma, a política torna-se cada vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais”, escreve Francisco, num texto dedicado à “fraternidade e amizade social”.
O documento, primeiro do género em cinco anos, apela a uma “globalização dos direitos humanos mais essenciais” e aponta, como exemplos, a necessidade de erradicar a fome ou combater o tráfico de pessoas e “outras formas atuais de escravatura”, que apresenta como “vergonha para a humanidade”.
Falando num mundo sem rumo, o Papa propõe a redescoberta de uma “dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas as barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos”.
“Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens, desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e deixará muitos à mercê da náusea e do vazio”, alerta.
Francisco alerta para a tenção de “ignorar a existência e os direitos”, defendendo na sua encíclica a “amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos”.
“A fraternidade não é resultado apenas de situações onde se respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática duma certa equidade”, precisa, numa reflexão sobre a ligação destes conceitos à liberdade e igualdade.
Para o Papa, o mundo “massificado” não resolve as questões da solidão, mas “privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência”.
Muitas vezes hoje, enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou ideológicas, deixamos que irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede, sem um teto ou sem acesso a serviços de saúde”.
A encíclica ‘Fratelli Tutti’ propõe que os vários projetos económicos, políticos, sociais e religiosos tenham em mente a “inclusão ou exclusão da pessoa que sofre” como elemento de avaliação.
“É necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres”, observa Francisco.
A encíclica é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão ‘Fratelli Tutti ‘ (todos irmãos) remete para os escritos de São Francisco de Assis, o religioso que inspirou o pontífice argentino na escolha do seu nome.
‘Fratelli Tutti’ foi assinada, simbolicamente, este sábado, em Assis, junto ao túmulo de São Francisco – e não “junto de São Pedro”, no Vaticano, como é tradição – sendo dirigida aos católicos e “todas as pessoas de boa vontade”.
“Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras”, escreve o Papa.
Francisco alerta para o esvaziamento de ideias como “democracia, liberdade, justiça, unidade?”
O documento cita em várias ocasiões a inédita declaração sobre a fraternidade humana que foi assinada em Abu Dhabi (2019) pelo Papa e pelo imã de Al-Azhar, a mais prestigiada instituição do Islão sunita.
Comprometamo-nos a viver e ensinar o valor do respeito, o amor capaz de aceitar as várias diferenças, a prioridade da dignidade de todo o ser humano sobre quaisquer ideias, sentimentos, atividades e até pecados que possa ter”.
‘Fratelli Tutti’ tem oito capítulos, com 287 parágrafos, duas orações conclusivas e 288 notas.
As duas anteriores encíclicas do atual pontificado foram a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé), de 2013, que recolhe reflexões de Bento XVI, Papa emérito; e a ‘Laudato Si’, de 2015, sobre a ecologia integral.
O antecessor de Francisco publicou três encíclicas, no seu pontificado (2005-2013); antes de Bento XVI, João Paulo II assinou 14 encíclicas em 26 anos e meio como Papa.
OC
O Papa sublinha a necessidade de assumir “valores permanentes” e rejeita o relativismo, que se impõe “sob o véu duma presumível tolerância”.
“Se devemos, em qualquer situação, respeitar a dignidade dos outros, isto significa que esta não é uma invenção nem uma suposição nossa, mas que existe realmente neles um valor superior às coisas materiais e independente das circunstâncias e exige um tratamento distinto”, precisa. |
Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Papa Francisco sobre a fraternidade e a amizade social