Antigo provincial dos Jesuítas em Portugal, teólogo e diretor da revista Brotéria, diz que Igreja ficou «melhor» com a liderança de Jorge Mario Bergoglio

Lisboa, 27 abr 2025 (Ecclesia) – O padre José Frazão Correia, antigo provincial dos Jesuítas em Portugal, teólogo e diretor da revista Brotéria, acredita que os processos abertos no pontificado de Francisco vão ter “continuidade” com o próximo Papa.
“Estou de acordo que muitos processos não tenham, talvez, chegado ainda tão longe como poderiam chegar. Mas são processos, eu acho que eles foram abertos e necessariamente terão continuidade”, refere o convidado da entrevista conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
O religioso considera que a Igreja ficou “melhor” com o pontificado de Francisco, eleito a 13 de março de 2013 e falecido no último dia 21 de abril, admitindo que há áreas em que faltam dar passos em frente.
“São campos onde, inevitavelmente, o caminho terá de ser feito, terá de dar mais passos, sob pena de a Igreja ficar sem capacidade de uma palavra significativa no espaço público”, adverte.
O padre José Frazão Correia considera que o primeiro Papa jesuíta da história deixa a “grande marca de alguém que verdadeiramente assumiu o legado do Concílio Vaticano II”, o grande encontro eclesial dos anos 60 do século XX, e que essa marca “não fica encerrada” com o fim do pontificado.
O diretor da Brotéria fala ainda da posição de “abertura, de grande contacto com o mundo” de Francisco, o qual se apresentou “sem o aparato barroco ou medieval que ainda cobre muita forma eclesial.
“Esse contacto vivo com a realidade, com as pessoas concretas, com as dinâmicas culturais e sociais concretas e políticas, está no coração da experiência cristã”, acrescenta.
Para o religioso, as dinâmicas lançadas nos últimos devem levar a uma “mudança institucional”, num processo que implica “dinâmica cultural, uma dinâmica social, para além de ser uma dinâmica evangélica.
O último pontificado, sublinha, apresentou “um pensamento sobre o fenómeno cristão, onde a relação com a realidade, com os sentimentos, as emoções, as dinâmicas políticas, as dinâmicas sociais, a realidade da pobreza, da ecologia, entram como categorias”.
“A caridade, a misericórdia, para o Papa Francisco foi o elemento estruturante da relação com a realidade”, insiste, precisando que “um ponto prévio à ideia que se possa ter e de juízo moral é o contacto com as pessoas”.
O Evangelho tem um alcance universal enquanto é capaz de tocar a realidade muito para além das fronteiras que são aquelas do espaço eclesial e daqueles que professam explicitamente a fé cristã”.
O entrevistado admite que “gostaria muito que não se perdesse” a dinâmica sinodal, sustentando que “este longo processo que vem do Vaticano II precisa de ser continuado para que desague em alterações, em mudanças institucionais”
Quanto ao futuro Conclave, o teólogo português realça o “desejo de alargar” o Colégio Cardinalício “dando voz a Igrejas e a comunidades que, à partida, não teriam grande voz”, em “coerência com esse desejo de a Igreja de se pensar a partir do fora e do periférico, e seguramente que essas vozes terão alguma coisa a acrescentar”.
“Cada vez mais a Igreja se compreende como uma Igreja plural e isso torna difícil o exercício da autoridade, mas ao mesmo tempo também abre possibilidades”, observa.
O padre Frazão Correia recorda a mudança promovida pelo falecido Papa na forma como a Igreja se relaciona com “zonas de exclusão, de marginalidade, de periferias”, considerando que “são o coração do Evangelho, em última instância”.
“Durante o tempo em que o Papa Francisco esteve hospitalizado, senti faltar uma voz nos debates internacionais”, prossegue.
Ter alguém que dá voz verdadeiramente a essas pessoas, comunidades, regiões geográficas. é um bem para a comunidade internacional inestimável. Espero que não seja apenas a voz do Papa, mas seja uma pluralidade de vozes que se refazem ao Evangelho”.
Durante 12 anos de pontificado, observa o entrevistado, Francisco “colocou-se verdadeiramente ao serviço da missão da Igreja e do mundo, deixando de lado aquilo que muitas vezes parece tão essencial, quase o anedótico, o etnográfico, para pôr no centro o Evangelho.
“Quis apontar muito pouco para si mesmo e mais para aquilo que é essencial, que é o Evangelho e o modo como o Evangelho se relaciona com a realidade”, conclui.
O Papa Francisco, que faleceu na última segunda-feira, aos 88 anos de idade, foi sepultado este sábado na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, conforme desejo expresso em testamento, depois da Missa exequial na Praça de São Pedro.
Segundo as autoridades italianas, 250 mil pessoas estiveram na zona do Vaticano e outras 150 mil acompanharam o percurso do cortejo fúnebre pelas ruas da capital italiana.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)