Francisco: Nota biográfica que acompanha sepultura sublinha «testemunho admirável de humanidade» e luta contra abusos (c/fotos e vídeo)

«Rogito» apresenta percurso de Jorge Mario Bergoglio, desde Buenos Aires, com principais decisões do pontificado

Cidade do Vaticano, 05 jan 2022 (Ecclesia) – O Vaticano publicou hoje o texto do “rogito”, elegia em latim, que foi colocada esta noite no féretro de Francisco, sobre os principais atos da vida do falecido Papa, destacando a sua “humanidade” e a luta contra os abusos na Igreja.

“Francisco deixou a todos um testemunho admirável de humanidade, de vida santa e de paternidade universal”, refere o texto.

A nota sublinha ainda que o falecido Papa “tornou mais severa a legislação relativa aos crimes cometidos por representantes do clero contra menores ou pessoas vulneráveis”, em particular com o decreto ‘Vos estis lux mundi’, de 2019.

Depois que a Basílica de São Pedro encerrou portas aos peregrinos e visitantes que se despediram do Papa, o caixão foi fechado num rito privado.

O mestre das Celebrações Litúrgicas, monsenhor Diego Ravelli, leu o ‘rogito’ e, em seguida, estendeu o véu de seda branca sobre o rosto do defunto, aspergido com água benta.

Junto ao corpo de Francisco foi colocado um saco com as moedas e medalhas cunhadas durante o pontificado e o tubo com o “rogito”, depois de selado com o selo do Departamento das Celebrações Litúrgicas.

O documento é, oficialmente, a “Escritura para o piedoso trânsito de Sua Santidade Francisco”.

“Connosco, peregrino da esperança, guia e companheiro de caminho rumo ao grande objetivo para o qual somos chamados, o Céu, no dia 21 de abril do Ano Santo de 2025, às 7h35 da manhã, enquanto a luz da Páscoa iluminava o segundo dia da Oitava, Segunda-feira do Anjo, o amado Pastor da Igreja, Francisco, passou deste mundo para o Pai. Toda a comunidade cristã, especialmente os pobres, louvava a Deus pelo dom do seu serviço prestado com coragem e fidelidade ao Evangelho e à mística Esposa de Cristo”, pode ler-se.

O registo de Francisco, 266.º Papa, sublinha que “a sua memória permanece no coração da Igreja e de toda a humanidade”.

Ao sublinhar o seu percurso na Argentina, o texto refere que, como arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio “foi um pastor simples e muito amado na sua Arquidiocese, que percorria de um lado a outro, mesmo no metro e nos autocarros”.

“Morava num apartamento e preparava o seu jantar sozinho, porque se sentia uma pessoa comum”, acrescenta.

O documento evoca o Conclave de 2013, em que foi eleito Papa após a renúncia de Bento XVI “e tomou o nome de Francisco, porque, seguindo o exemplo do santo de Assis, queria ter no coração, antes de tudo, os mais pobres do mundo”, citando as suas primeiras palavras, em que pede a bênção do povo.

Sempre atento aos últimos e aos marginalizados da sociedade, Francisco, recém-eleito, escolheu morar na ‘Domus Sanctae Marthae’, porque não podia prescindir do contacto com as pessoas, e desde a primeira Quinta-feira Santa quis celebrar a Missa ‘in Cena Domini fora’ do Vaticano, indo sempre às prisões, aos centros de acolhimento para deficientes ou toxicodependentes”.

A nota oficial realça que o falecido Papa recomendou aos sacerdotes que “estivessem sempre prontos a administrar o sacramento da misericórdia, que tivessem a coragem de sair das sacristias para ir em busca da ovelha perdida e que mantivessem as portas da igreja abertas para acolher todos aqueles que desejavam encontrar o rosto de Deus Pai”.

“Exerceu o ministério petrino com incansável dedicação ao diálogo com os muçulmanos e com os representantes de outras religiões, convocando-os por vezes para encontros de oração e assinando declarações conjuntas em favor da concórdia entre os membros de diferentes credos, como o Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado em 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, com o líder sunita al-Tayyeb”, acrescenta a nota biográfica.

O texto recorda a instituição dos Dias Mundiais dos Pobres, dos Avós e das Crianças, sinal do “seu amor pelos últimos”, bem como a criação do Domingo da Palavra de Deus.

O Vaticano recorda que, em dez consistório, Francisco criou 163 cardeais, dos quais 133 eleitores e 30 não eleitores, provenientes de 73 nações, 23 das quais nunca tinham tido um cardeal.

“Mais do que qualquer um dos seus antecessores, ampliou o Colégio Cardinalício”, refere o documento, evocando ainda as cinco Assembleias do Sínodo dos Bispos, três ordinárias, dedicadas à família, aos jovens e à sinodalidade, uma extraordinária novamente sobre a família e uma especial para a Região Pan-Amazónica.

O Papa é lembrado pela sua voz “em defesa dos inocentes” e pela intervenção na pandemia de Covid-19, com referência à noite de 27 de março de 2020, quando “quis rezar sozinho na Praça de São Pedro, cujo colunata simbolicamente abraçava Roma e o mundo, pela humanidade amedrontada e ferida pela doença desconhecida”.

O ‘rogito’ evoca os últimos anos do pontificado, “marcados por numerosos apelos à paz, contra a III Guerra Mundial aos bocados, em curso em vários países, especialmente na Ucrânia, mas também na Palestina, Israel, Líbano e Mianmar”.

A nota destaca os internamentos no Hospital Gemelli, de Roma, em particular a última, de 38 dias, devido a uma pneumonia bilateral.

“De regresso ao Vaticano, passou as últimas semanas da sua vida na Casa Santa Marta, dedicando-se até ao fim e com a mesma paixão ao seu ministério petrino, embora ainda não totalmente recuperado”, indica o texto, que recorda a última aparição na varanda da Basílica de São Pedro, no Domingo de Páscoa, para conceder a bênção ‘Urbi et Orbi’.

O magistério doutrinário do Papa Francisco foi muito rico. Testemunha de um estilo sóbrio e humilde, baseado na abertura à missão, na coragem apostólica e na misericórdia, atento a evitar o perigo da autorreferencialidade e da mundanidade espiritual na Igreja, o pontífice propôs o seu programa apostólico na exortação Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013)”.

O registo elenca os principais documentos do pontificado, em especial as quatro encíclicas: ‘Lumen fidei’ (29 de junho de 2013), que aborda o tema da fé em Deus; ‘Laudato si’ (24 de maio de 2015), que aborda o problema da ecologia e a responsabilidade da humanidade na crise climática; ‘Fratelli tutti’ (3 de outubro de 2020), sobre a fraternidade humana e a amizade social; ‘Dilexit nos’ (24 de outubro de 2024), sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Outro ponto em destaque é a reforma da Cúria Romana, com a constituição Apostólica ‘Praedicate Evangelium’ (19 de março de 2022).

O rito do encerramento do caixão decorreu às 20h00 (menos uma em Lisboa), no Altar da Confissão da Basílica de São Pedro, presidido pelo cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell.

Durante a noite, o Capítulo de São Pedro “assegurará uma presença de oração e vigília junto ao corpo do pontífice, até aos preparativos da Santa Missa da manhã seguinte”, informa o Vaticano, acrescentando que estavam presentes “alguns familiares” de Francisco.

OC

Jorge Mario Bergoglio, eleito Papa em 13 de março de 2013, nasceu em Buenos Aires em 17 de dezembro de 1936, filho de emigrantes piemonteses: o seu pai, Mario, era contabilista, funcionário dos caminhos de ferro, enquanto a sua mãe, Regina Sivori, cuidava da casa e da educação dos cinco filhos. Formado como técnico químico, escolheu o caminho do sacerdócio, entrando inicialmente no seminário diocesano e, em 11 de março de 1958, passando para o noviciado da Companhia de Jesus. Fez os estudos humanísticos no Chile e, de volta à Argentina em 1963, formou-se em filosofia no colégio São José, em San Miguel. Foi professor de literatura e psicologia nos colégios da Imaculada de Santa Fé e do Salvador, em Buenos Aires. Recebeu a ordenação sacerdotal em 13 de dezembro de 1969 pelo arcebispo Ramón José Castellano, e em 22 de abril de 1973 emitiu a profissão perpétua nos jesuítas. Depois de ter sido mestre de noviços em Villa Barilari, em San Miguel, professor na faculdade de teologia, consultor da província da Companhia de Jesus e reitor do Colégio, em 31 de julho de 1973 foi nomeado provincial dos jesuítas da Argentina. Depois de 1986, passou alguns anos na Alemanha para concluir a tese de doutorado e, ao regressar à Argentina, o cardeal Antonio Quarracino quis que fosse seu colaborador próximo. Em 20 de maio de 1992, João Paulo II nomeou-o bispo titular de Auca e auxiliar de Buenos Aires. Escolheu como lema episcopal ‘Miserando atque eligendo’ e inseriu no brasão o cristograma IHS, símbolo da Companhia de Jesus. Em 3 de junho de 1997, foi promovido arcebispo coadjutor de Buenos Aires e, com a morte do cardeal Quarracino, sucedeu-o, em 28 de fevereiro de 1998, como arcebispo, primaz da Argentina, ordinário para os fiéis de rito oriental residentes no país e grão-chanceler da Universidade Católica. João Paulo II criou-o cardeal no Consistório de 21 de fevereiro de 2001, com o título de São Roberto Belarmino. No mês de outubro seguinte, foi relator geral adjunto da décima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

Escritura para o piedoso trânsito de Sua Santidade Francisco

 

Francisco: 250 mil pessoas prestaram homenagem na Basílica de São Pedro (c/fotos)

 

 

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