Francisco: Cónego português da Basílica de Santa Maria Maior acompanha sepultura do Papa
25 Abril, 2025 17:53
Monsenhor António Saldanha fala em momento histórico e evoca forte ligação de Francisco ao ícone da «Salus Populi Romani»
Foto: Agência ECCLESIA/OC
Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano
Cidade do Vaticano, 25 abr 2025 (Ecclesia) – O sacerdote português António Saldanha, cónego da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, integra o lote de pessoas que vai acompanhar a sepultura do Papa Francisco, este sábado.
“Para mim este é um capítulo da incontornável história”, refere o responsável, que integra o Dicastério para as Causas dos Santos (Santa Sé).
Santa Maria Maior, uma das quatro basílicas papais, em Roma, foi o local escolhido pelo Papa Francisco para a sua sepultura, falando da grande devoção a Nossa Senhora, em particular o ícone da ‘Salus Populi Romani’.
“Como português e como padre, sinto-me particularmente feliz, embora a circunstância a de acompanhar os últimos atos públicos das cerimónias fúnebres do Papa Francisco”, refere à Agência ECCLESIA.
O sacerdote, natura da ilha açoriana do Faial e membro do clero da Diocese de Angra, foi nomeado cónego de Santa Maria Maior em 2024, sendo o primeiro sacerdote português a integrar o ‘Cabido Liberiano’, que data do século XII, cujos cónegos têm a dignidade eclesiástica de protonotários apostólicos.
“Para nós, que somos padres e membros do capítulo de Santa Maria Maior, é uma honra muito particular. O Papa habituou-nos às suas visitas”, reconhece.
Antes de ser Papa, já visitava a Basílica na qualidade de bispo, também na qualidade de sacerdote, de jesuíta, que é uma razão muito particular: como sabemos, a primeira Missa de Santo Inácio de Loiola, depois de ser ordenado padre, foi na noite de Natal de 1538, precisamente na Basílica de Santa Maria Maior”.
Foto: Agência ECCLESIA/OC
O sacerdote português destaca a devoção mariana de Francisco, primeiro Papa da América Latina, que durante o seu pontificado visitou a imagem da ‘Salus Populi Romani’ [salvadora do povo romano, um ícone da Virgem Maria, 126 vezes.
“É natural que um latino seja devoto a Nossa Senhora, por razões históricas, por razões ligadas também à tradição da evangelização naquele contexto. Portanto, penso que é um epílogo muito feliz, de toda uma série de atos, de momentos, porque ele viveu naquela basílica”, entende monsenhor António Saldanha.
O sacerdote português recorda que Francisco se deslocou à Basílica antes e depois de cada viagem internacional, “normalmente no mais absoluto anonimato possível”.
O Papa ia à capela da ‘Salus Populi Romani’, onde passava “longas horas em oração”, e vai ser sepultado próximo dela.
“Ligadas àquela imagem estão as preces, as súplicas, de dezenas de gerações de italianos, em momentos de história muito graves. E normalmente ela deu uma resposta positiva”, assinala o responsável português.
A 15 de março de 2020, após o início do confinamento provocado pela pandemia de Covid-19, o Papa saiu do Vaticano para rezar na Basílica de Santa Maria Maior.
O ícone da Virgem Maria foi levado até ao Vaticano, quando Francisco presidiu a um momento de oração, perante uma Praça de São Pedro vazia, a 27 de março de 2020, com a bênção extraordinária ‘urbi et orbi’.
“Sendo um homem deste tempo, com uma capacidade raríssima de ler e interpretar os sinais dos tempos, a problemática atual, manteve sempre também uma estrutura bastante tradicional, no campo, sobretudo, das devoções”, refere monsenhor António Saldanha.
Era um homem do seu tempo, com grandes rasgos, com grandes intuições, mas alicerçado no grande rio da tradição da Igreja, sobretudo no que diz respeito às grandes devoções, em concreto a de Nossa Senhora. E, por isso, ela não podia faltar num momento tão dramático como foi o da epidemia da Covid, quando Roma, deserta, olhou para o Papa e o viu ajoelhado diante do Cristo crucificado e também com os olhos postos em Nossa Senhora”.
Esta basílica, situada no alto do Monte Esquilino, tem 16 séculos de história e a sua origem é atribuída a um acontecimento milagroso: segundo a tradição, a Virgem Maria indicou e inspirou a construção do edifício, aparecendo em sonhos ao patrício João e ao Papa Libério (séc. IV).
O local foi identificado pelo chamado “milagre da neve”, segundo o qual, no dia 5 de Agosto de 358 nevou em pleno verão no Esquilino, uma das sete colinas de Roma.
“A Basílica Santa Maria Maior é a primeira construção, em absoluto, de uma igreja quando foi dada a liberdade de culto à Igreja Católica. Até então, em Roma, o culto eucarístico, sobretudo, era feito em casas privadas. Depois, com a paz de Constantino, foi dada à Igreja a Basílica de São João de Latrão, mas era uma construção já existente”, recorda monsenhor António Saldanha
O cónego de Santa Maria Maior sublinha que a Basílica “é a primeira expressão, no mundo ocidental, de um edifício de arte cristã, totalmente cristão”, mantendo essa estrutura, tipicamente romana, até hoje.
O Concílio de Éfeso (431) viria a declarar a Virgem como Mãe de Deus e o Papa Sisto III (432-440) mandou reedificar a Basílica, a primeira do Ocidente construída em honra de Maria.
Visita do Papa a Santa Maria Maior, 22.04.2025 Foto: Vatican Media
A Basílica conserva o ícone mariano da ‘Salus Populi Romani’ (Protetora do Povo de Roma): a tradição atribui a imagem a São Lucas, evangelista e patrono dos pintores.
O painel de madeira de cedro (117×79 cm) mostra Nossa Senhora em pé, com o Menino Jesus nos braços.
“De acordo com uma tradição relatada por Cesare Baronio, o ícone da Salus foi carregado por três dias em procissão pelas ruas da cidade, diante do qual o Papa Gregório I (590-604), teria parado em oração para implorar o fim da peste”, refere o site oficial da Basílica.
Em 1837, Gregório XVI rezou junto da imagem pelo final de uma epidemia de cólera.
O ícone, muito venerado pelo Papa Francisco, vai estar este sábado na Praça de São Pedro durante o funeral presidido pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício.
O último Papa sepultado em Santa Maria Maior foi Clemente IX, em 1669, encontrando-se também na Basílica os túmulos de Honório III, Nicolau IV, Pio V, Sisto V, Clemente VIII e Paulo V.
OC
Foto: Lusa/EPA
O Vaticano adiantou que o rito da sepultura, após o funeral em São Pedro, vai ser reservado, pelo que não terá transmissão em direto, ao contrário do que vai acontecer com o percurso do carro funerário pelas ruas de Roma, até Santa Maria Maior, ao longo de um projeto de aproximadamente de seis quilómetros, com duração prevista de meia hora.
À chegada à basílica, o caixão é transportado para a sepultura, enquanto são entoados salmos, em latim, e o presidente da celebração introduz as intercessões.
Após a oração pelo falecido Papa, o caixão de madeira que contém os restos mortais é selado com os selos do cardeal camerlengo da Santa Igreja Romana, da Prefeitura da Casa Pontifícia, do Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice e do Capítulo Liberiano (conjunto dos cónegos da Basílica de Santa Maria Maior).
O corpo é colocado no túmulo e aspergido com água benta, seguindo-se o canto do Regina Coeli, que no tempo litúrgico da Páscoa substitui a recitação do ângelus.
O notário do Capítulo Liberiano lavra o “ato autêntico”, que serve de prova do enterro e lê-o aos presentes.
Em seguida, o documento é assinado pelo cardeal camerlengo, pelo regente da Casa Pontifícia, pelo mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e pelo próprio notário.
O túmulo foi feito em mármore proveniente da Ligúria (Itália), região natal dos avós do Papa, apenas com a inscrição “Franciscus” e a reprodução da sua cruz peitoral, a pedido do próprio.
Francisco vai ser sepultado no nicho do corredor lateral entre a Capela Paulina (Capela da ‘Salus Populi Romani’) e a Capela Sforza da Basílica de Santa Maria Maior, perto do altar de São Francisco.
A participação na cerimónia conta com a presença do cardeal camerlengo, D. Kevin Farrell; do cardeal decano, D. Giovanni Battista Re; do cardeal Roger Michael Mahony (EUA), em representação da ordem dos presbíteros; do cardeal protodiácono, D. Dominique Mamberti; do cardeal Stanislaw Rylko, arcipreste da Basílica Papal de Santa Maria Maior, e do coadjutor, cardeal Rolandas Makrickas, a quem o Papa confiou a execução do túmulo; do secretário de Estado de Francisco, cardeal Pietro Parolin; do cardeal Baldassare Reina, vigário-geral para a Diocese de Roma; do cardeal Konrad Krajewski, esmoler pontifício; do arcebispo Edgar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado; do arcebispo Ilson de Jesus Montanari, vice-camerlengo da Santa Igreja Romana; de monsenhor Leonardo Sapienza, regente da Casa Pontifícia; dos cónegos do Capítulo da Basílica Papal de Santa Maria Maior e dos penitenciários menores; dos secretários particulares do Papa Francisco; e outras pessoas admitidas pelo mestre das celebrações litúrgicas, D. Diego Ravelli.