Professor catedrático da Faculdade de Teologia sublinha «nova imagem» que tem sido deixada pelo Papa, admitindo incerteza quanto ao futuro

Porto, 09 mar 2025 (Ecclesia) – O padre Jorge Teixeira da Cunha, professor catedrático da Faculdade de Teologia da UCP, considera que o pontificado de Francisco “relançou a Igreja” e aproximou-a da vida concreta das pessoas.
“O Papa Francisco é alguém que inovou o estilo, que inovou até a forma da Igreja se aproximar da realidade, que inovou a moral, que descomprimiu a moral”, refere o convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
Na próxima quinta-feira assinalam-se 12 anos da eleição do atual Papa, que tem protagonizado um pontificado marcado por encíclicas sociais, pelo esforço de renovação interna da Igreja, particularmente no processo sinodal e a atenção às periferias da sociedade.
“Francisco mostrou-nos a capacidade da Igreja de se tornar significante no mundo da cultura de hoje”, sustenta o padre Jorge Teixeira da Cunha.
Para o teólogo português, o Papa tem sido “um pastor que está na vanguarda da afirmação da capacidade da Igreja de mobilizar, de sintonizar com a vida, de crescer na vida”.
O docente universitário vê no primeiro pontífice da América alguém que trouxe “uma imagem nova, uma descontração nova, uma recusa das representações tradicionais do Vaticano”.
“É um homem do terreno, um homem das pessoas, um homem do concreto, um homem da vida”, acrescenta.
Todo o modo de pensar, o modo de gerir a Igreja de Francisco tem a ver com esse ponto de partida original que é a vida das pessoas, a vida dos seres humanos do século XXI e não propriamente as ideias”.
Francisco está hospitalizado desde 14 de fevereiro, devido a problemas respiratórios que já o vinham limitando há várias semanas.
“A voz dele agora, que está um pouco silenciada por causa da doença, seria importantíssima neste processo que nós estamos a viver”, indica o padre Teixeira da Cunha.
O sacerdote da Diocese do Porto, convida a Igreja a posicionar-se contra discursos belicistas, em crescimento na Europa, sustentando que “a forma de construir a paz é a defesa social não-violenta, isso é a mensagem do Evangelho”.
“Nós não precisamos de rearmamento militar, precisamos de rearmamento moral”, sustenta.
O especialista vê em Francisco alguém capaz de contrariar “a agenda da direita e a agenda da esquerda”, por entender que “ambas são baseadas em descrições da vida que não são autênticas”.
O professor da Universidade Católica Portuguesa sublinha que as opções pastorais da Igreja “têm consequências políticas” e é “importante que as tenham”.
“Nós precisamos de quem seja capaz de inventar o caminho para a vida real e não para a vida artificial ou para a vida representada”, prossegue.
Questionado sobre o papel do Papa no combate aos abusos sexuais, o padre Jorge Teixeira da Cunha considera que Francisco assumiu essa luta “com toda a sua força, com toda a energia, com toda a convicção”.
A entrevista aborda ainda a abertura a “todos, todos, todos”, como o Papa disse na cerimónia de acolhimento na JMJ Lisboa 2023.
“Há um momento em que nós temos de afirmar que o Evangelho é para todos e que todos cabem na Igreja”, precisa o professor catedrático, especialista em Teologia Moral.
“Isso não quer dizer que nós não vamos ter uma reflexão abstrata sobre o bem e o mal”, diz ainda.
O sacerdote da Diocese do Papa entende que a perspetiva sinodal do Papa “teve a ver mais com o reforço espiritual da existência institucional da Igreja e não propriamente com inovação institucional”.
“A sinodalidade é um espírito novo mais do que uma norma nova”, defende.
Quanto ao futuro do pontificado, o padre Teixeira da Cunha assinala que Francisco “está um pouco vencido pela vulnerabilidade, pela velhice” e que a Igreja sabe que vai continuar, após este pontificado, com linhas deixadas nos últimos anos.
“No tempo da globalização, no tempo da inteligência artificial, ele fala-nos da amizade, fala-nos da proximidade do ser humano, da empatia do ser humano com o seu semelhante, isso é uma coisa que fica como nosso património, que não podemos esquecer”, conclui.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
Aos 88 anos de idade, completados no último dia 17 de dezembro, Francisco é o segundo pontífice mais velho a governar a Igreja, nos últimos 700 anos. Desde março de 2013, fez 47 viagens internacionais, tendo visitado 67 países, incluindo Portugal (2017 – centenário das Aparições de Fátima – e 2023 – para a JMJ Lisboa, tendo passado também por Fátima). Dentro da Itália, o Papa fez mais de 30 de visitas a várias localidades, incluindo uma passagem pela ilha de Lampedusa, primeira viagem do pontificado, e cinco deslocações a Assis. Entre os principais documentos do atual pontificado estão as encíclicas ‘Dilexit Nos’ (2024), texto dedicado à devoção ao Coração de Jesus; ‘Fratelli Tutti’ (2020), sobre a fraternidade humana e a amizade social; ‘Laudato si’ (2015), dedicada a questões ecológicas; a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé, 2013), que recolhe reflexões de Bento XVI; as exortações apostólicas ‘Evangelii Gaudium’ (A alegria do Evangelho), texto programático do pontificado, de 2013; ‘Amoris laetitia’, de 2016, dedicada à família; o documento sobre a “Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da convivência comum” assinado pelo Papa Francisco e o grão imã de Al-Azhar, Ahamad al-Tayyi, em Abu Dhabi (2019). A reforma dos organismos centrais de governo da Igreja Católica, levada a cabo com a ajuda de um inédito conselho consultivo de cardeais, dos cinco continentes, foi concretizada através da Constituição Apostólica ‘Praedicate Evangelium’, de 2022, propondo uma Cúria Romana mais atenta à vida da Igreja Católica no mundo e à sociedade, com maior protagonismo para os leigos e leigas. Francisco convocou até hoje cinco assembleias do Sínodo, dedicadas à sinodalidade (2023 e 2024), à Amazónia (2019), aos jovens (2018) e à família (2015 e 2014), além de uma cimeira global sobre o combate e prevenção aos abusos sexuais (2019). No seu pontificado, a Igreja Católica celebrou dois Jubileus – em 2016, num Ano Santo Extraordinário, dedicado à Misericórdia, e o atual Ano Santo ordinário, dedicado à esperança. |