Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
Entre milhares de palavras, imagens e gestos que fazem uma década de pontificado, é difícil escolher uma frase que defina Francisco, mas não resisto: “um amor que se estende para além das fronteiras” (‘Fratelli Tutti’). O Papa que veio “quase do fim do mundo” tem como prioridades a renovação da Igreja e a transformação do mundo, dois círculos fundamentais que se cruzam no seu pensamento e que se iluminam reciprocamente.
Uma Igreja de portas abertas é, necessariamente, uma comunidade sem fronteiras, da mesma maneira que um mundo onde todos são irmãos, ‘Fratelli Tutti’, tem de ser marcado pela fraternidade e a amizade social, como alternativa ao individualismo e indiferença.
‘Fratelli Tutti’, a encíclica-síntese do pontificado, alertava para um mundo de “analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis”. Um desafio tremendo, que vai para além das fronteiras católicas e questiona o mais íntimo da humanidade de cada um.
Com a encíclica ‘Laudato Si’, Francisco abriu as fronteiras do seu discurso e colocou a Igreja Católica na liderança do movimento mundial para a defesa do ambiente, congregando à sua volta apoios das mais diversas proveniências.
Se o primeiro Papa sul-americano decidiu enfrentar a “globalização da indiferença” e o “dogma” neoliberal – denunciando uma economia que “mata” -, com a defesa intransigente dos três “t” – terra, teto e trabalho -, internamente lançou uma dinâmica de transformação e debate, com atenção às “periferias” geográficas e existenciais.
Francisco apelou a uma luta “total” e global perante crise dos abusos sexuais, definindo uma política de “tolerância zero”. Este é um tema decisivo para a avaliação do pontificado, sobretudo no que diz respeito à sua aposta no envolvimento dos episcopados locais em processos efetivos de decisão, uma lógica que se estende ao processo sinodal 2021-2024, apesar das resistências e receios de vários responsáveis católicos.
O Papa, que reformou a Cúria Romana e as instituições financeiras do Vaticano, sabe que ainda é longo o caminho até se entender a Igreja como um “hospital de campanha”, deixando para trás lógicas centradas no clericalismo e no “mundanismo” que nunca cessa de criticar. Mas, dez anos depois, é inquestionável que a sua “revolução da ternura” cativou milhões de pessoas e inaugurou caminhos que muitos querem percorrer, na construção de uma nova gramática do cuidado.