Figuras do Anjo revisitadas

De 10 a 12 de Outubro, Congresso Internacional no Santuário de Fátima O Santuário de Fátima celebra este ano o 90.º aniversário das aparições do Anjo aos três Pastorinhos de Aljustrel. De entre as diversas iniciativas que tiveram como referência a figura do Anjo de Fátima, mensageiro da paz e dos desígnios divinos de misericórdia, destaca-se o Congresso Internacional “Figuras do Anjo revisitadas”, que decorrerá no Santuário de 10 a 12 de Outubro. As inscrições para participação continuam abertas e devem ser efectuadas junto de: Secretariado do Congresso “Figuras do Anjo revisitadas” Santuário de Fátima, Apartado 31, 2496-908 Fátima / Portugal 90anos@santuario-fatima.pt /Tel.: 249 539 600 /Fax: 249 539 605 “Há que fazer regressar os anjos à terra” Em breve entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, o Padre Isidro Lamelas, ministro provincial dos Franciscanos e membro da Comissão Científica deste Congresso, fala-nos sobre esta iniciativa que pretende repensar, em registo das ciências humanas, da arte e da teologia, o possível significado actual da referência a figuras angélicas. – Mesmo dentro da Igreja, há leituras diferentes sobre a realidade dos Anjos. Qual a explicação que encontra para estas discordâncias? P. Isidro Lamelas: Esta discordância é antiga. Porém, discordância não significa, pelo menos neste caso, contradição ou indecisão quanto ao que foi sempre um conteúdo de fé para os católicos. Estes, radicando a sua fé na revelação bíblica, nunca duvidaram da existência e acção dos “anjos” na vida terrena dos homens. É verdade, porém, que se a Igreja nunca duvidou da sua existência, a mesma consonância já não se verificou, ao longo dos séculos, quando se tratou de definir a identidade, natureza e função dos anjos. Houve um tempo em que pouco se sabia dos anjos, e os teólogos davam pareceres muito diversificados: S. Agostinho gostava de afirmar que a palavra “anjo” designa uma função, não uma substância: officii, non naturae vocabulum e defende mesmo que “é preferível chamar os homens ‘anjos’”. Com o Pseudo-Dionísio e S. Tomás parece que ficamos a saber todos os detalhes sobre esses seres espirituais que formam a hierarquia celeste. Os múltiplos influxos culturais (Médio Oriente, Roma, Judaísmo, Neoplatonismo) foram, por outro lado, acrescentando os pormenores que faltavam à mentalidade popular que se encarregou de ir configurando os anjos à imagem do imaginário de cada tempo. A partir daqui, o estudo da espécie angélica pode analisar-se sob diferentes perspectivas: em termos históricos, por exemplo, é pacífico que os anjos são muito mais antigos que o cristianismo e parecem ser património comum das civilizações mais antigas. Em termos teológicos, é verdade que não faltam hesitações e mesmo divergências no que concerne à natureza e a organização da complexa hierarquia angélica. Prevaleceu, no entanto, sempre a convicção inquestionável relativamente à existência e acção dos anjos. Por outro lado, a doutrina católica sempre se desenvolveu e continuará a fazê-lo seguindo uma dupla abordagem dos seus conteúdos: dum lado a crença e piedade (que é também sabedoria) popular que tende a ser mais sincrética, do outro lado a teologia “científica”, sempre mais crítica e especulativa. Ambas as abordagens, longe de se excluíram, são importantes, assumidas pela Igreja e coabitam, em diferente dosagem, em cada crente. Daí as diversas leituras sobre o tema dos anjos, sobre os quais continuamos a saber muito pouco, a não ser o essencial: eles existem, porque Deus nunca abandona a humanidade. – Como define a figura dos anjos? Qual o verdadeiro carisma do anjo, o de mensageiro? P. Isidro Lamelas: A nossa humilde e frágil natureza, mesmo depois desse evento radical da vinda de Deus ao mundo na pessoa de Jesus, continua a sentir-se demasiado distante de Deus. Necessitamos, por isso, de mediadores, não porque Deus esteja realmente distante, mas porque não suportamos a sua ausência. Os anjos continuam a ser, sob as mais diversas configurações, os intermediários que Deus envia em cada tempo para estar presente e intervir na nossa história, pessoal e universal. A salvação que Deus é para os homens, comporta, de facto, não apenas uma dimensão egocêntrica, antropocêntrica, nacional ou mesmo geocêntrica. Deus é Senhor de toda a criação, e a sua salvação assume contornos cósmicos. Ora, também a este nível, os anjos assumem, segundo a longa tradição cristã e pré-cristã, um papel fundamental, enquanto emissários e servidores de Deus. Por isso, não há mal nenhum com continuarmos a falar do “meu anjo”, ou do “anjo de Portugal”, pois é exactamente a multiplicidade de circunstâncias que leva Deus a encontrar a mensagem e o mensageiro adequado. Há, porém, uma dimensão da angelologia que não convém menosprezar: a Igreja primitiva viu nos anjos sobretudo o modelo da verdadeira liturgia. Isto é, os anjos não são apenas mensageiros, mas são também os nossos porta-vozes junto de Deus, no louvor e acção de graças e nas preces que dirigimos ao Pai do Céu. Neles vemos já o melhor de nós mesmos ou aquilo que viremos a ser junto de Deus. – O que se lhe oferece dizer sobre a figura do “Anjo da Guarda”, a quem ensinamos as crianças a rezar, mesmo antes de lhes ensinarmos o Pai-nosso ou a Ave-Maria? P. Isidro Lamelas: É comum ouvir-se dizer que “estamos num mundo perigoso”: já não é perigoso atravessar um rio ou uma ponte, mas pode ser muito arriscado entrar num avião ou num comboio. Os terrorismos, as guerras, os vírus… tornaram esta nossa “casa comum” muito insegura e até inóspita. Por outro lado, o crescente esquecimento de Deus leva muitos dos nossos contemporâneos a sentir-se sós ou mesmo “fora da sua casa”. Neste contexto, compreende-se que muitos sintam a necessidade de se voltar para os anjos, ou de recuperar o seu anjo pessoal, como se fosse o pouco que resta da profunda nostalgia de Deus em que hoje vivemos. Porque não aproveitar esta sede da presença do mensageiro divino para catequizar as pessoas, no sentido de responder a esta sua necessidade profunda de se sentirem “bem acompanhadas”? Sabemos também, como os pais se preocupam tanto para que as suas crianças estejam “em boas mãos”. Sabemos também muito bem como, para o crescimento equilibrado da criança, é importante esta sentir-se segura e bem acompanhada. Porque não devolver o “anjo da guarda” às nossas crianças? Mas atenção! Não infantilizemos os “anjos”, mesmo o “anjo da guarda”! Não alimentemos a catequese piegas dos “anjinhos” que convencem mais os pais que os filhos! Houve o tempo em que os anjos não tinham asas, mas andavam calçados: há que fazer regressar os anjos à terra, fazê-los pisar os nossos caminhos. Há que torná-los amigos fiéis e familiares. Tal aprendizagem faz-se, nomeadamente, através de orações simples, nem que seja recuperando as fórmulas antigas devidamente actualizadas. Quais as expectativas que tem em relação a este congresso? P. Isidro Lamelas: Esperamos que o congresso desperte a atenção de muita gente, sobretudo dos cristãos que desejam informar-se e esclarecer a sua fé sobre um assunto tão rico. Além disso, o tema dos anjos está de volta. Longe de serem uma “espécie em vias de extinção”, e embora a alguém menos atento o tema possa parecer mais museológico que actual, os anjos continuam a ser celebrados nas diferentes tradições religiosas e evocados nas múltiplas formas de expressão artística contemporâneas. No contexto português, Fátima e o “Anjo de Portugal” exercem um particular fascínio, mas levantam também alguns problemas e desafios. Ainda bem que a ocorrência 90º aniversário da aparição do Anjo em Fátima nos proporciona uma oportunidade de reflexão séria e plural sobre um assunto tão actual e relevante.

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