Fiéis Defuntos: Fundamental é «escutar», diz padre João Pedro Cardoso, conselheiro do luto

Sacerdote da Diocese de Viseu refere que «palavra de suporte» pode ser «o silêncio de quem escuta»

Foto: Agência ECCLESIA/CB

Viseu, 31 out 2020 (Ecclesia) – O padre João Pedro Cardoso, pároco e capelão hospitalar na Diocese de Viseu, é conselheiro do luto e afirma que na morte “ter dois ouvidos para escutar é fundamental” e quando não há palavras a dizer, basta permanecer “em silêncio”.

“A palavra de suporte, muitas das vezes, é o silêncio de quem escuta, escutar estas pessoas, deixa-las falar, deixar as suas lágrimas sair não apenas para mostrar a dor mas também para sarar a ferida que está no coração”, refere o pároco de Canas de Santa Maria, de Lobão da Beira e de Tonda e capelão do Hospital de S. Teotónio de Viseu.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, no contexto da ‘comemoração de todos os fiéis defuntos’, o dia de finados (2 de novembro), o padre João Pedro Cardoso assinala que “é muito importante” permanecer “em silêncio” junto da pessoa enlutada, para que esta saiba que tem ali alguém com que pode contar.

“A pessoa que sofre tem direito a mostrar o seu sofrimento, a pessoa que está triste tem direito a mostrar a sua tristeza, a pessoas que perdeu algo ou alguém que ama ou gostava tem direito a mostrar tudo isto”, desenvolveu o conselheiro do luto.

Segundo o especialista, o luto, “marcado sobretudo pela perda de algo ou de alguém”, “é um tempo que é preciso ser vivido” para que se passe “da perda à realidade das suaves memórias que as pessoas trazem ou que as coisas perdidas os trazem”, um tempo que “poderá demorar mais ou menos” e “é feito com alguma serenidade e, por vezes, momentos conturbados da própria história, da própria vida da pessoa”.

O padre João Pedro Cardoso, pároco de Canas de Santa Maria, de Lobão da Beira e de Tonda e capelão no Hospital de S. Teotónio de Viseu, refere que a pandemia da Covid-19 levou a “uma maior conturbação, uma maior perturbação das pessoas, uma confusão, uma desorganização emocional muito profunda” por causa da “ausência dos velórios”, das pessoas despedirem-se “dos próprios familiares”, e da “ausência de cerimónias religiosas”.

Foto: Agência ECCLESIA/CB

Aurora Soares, da Paroquia de Tonda, está a viver o luto pelo pai que faleceu a 7 de maio e revela que vai “buscar forças, muitas vezes” nas conversas com o padre João Pedro Cardoso, na participação na Eucaristia e na família, “que tem sido um grande pilar”.

“Atualmente existem horas boas e horas más. Ir à Missa e ouvir a palavra de Deus ajuda a atenuar a dor da perda e da separação que tive com o meu pai”, declarou à Agência ECCLESIA.

“Para iniciar o nosso luto é a partir do momento em que enterramos o nosso ente querido, aí começamos o outro trabalho, desde que recebemos a notícia que ele morre até à notícia do enterro andamos um pouco anestesiados”, acrescentou paroquiana, referindo que no cemitério conseguiu despedir-se “com serenidade”.

As cerimónias estão a ser feitas ainda apenas nos cemitérios, em breves celebrações religiosas mas na minha ação pastoral procuro sempre para além do aspeto religioso dar às pessoas a tal palavra, o tal momento de silêncio, a tal necessidade que as pessoas precisam para sentir aquela paz da perda mas ao mesmo tempo sintam a necessidade de fazer ali mesmo o seu próprio luto”.

O padre João Pedro Cardoso salienta que “mais do que a ausência das palavras, foi a ausência da presença” a mais sentida e destaca que “a presença de esperança dá mais força e apazigua a dor no coração das pessoas”.

“Penso que a esperança de hoje se vai buscar à força do coração, de facto, o luto magoa, o luto fere, o luto faz com que a pessoa se sinta destruída, se sinta ferida, mas há ou deve haver um conjunto de redes de suporte que vão ajudando as pessoas”, refere.

Aurora Soares acrescenta que, para viver o luto, também se refugiou nas pessoas que estiveram ao seu lado, nomeadamente, “a família mais chegada” que “tem um peso importante” e conta que, “nestas horas”, o mais importante “não é o que se diz, não são as palavras” mas “os gestos”.

“E era isso que não podíamos ter, às vezes um abraço vale muito mais do que as palavras, nestes momentos de dor não há palavras que se digam e esse carinho e esse abraço que acho que era o mais importante fomos privados”, lamentou.

O tema do luto vai estar em destaque este domingo, no programa ECCLESIA pelas 06h00, na Antena 1 da rádio pública, e no programa 70×7, pelas 17h35, na RTP 2.

CB/OC

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) divulgou uma nota sobre a comemoração dos Fiéis Defuntos (2 de novembro), pedindo às autoridades que evitem o encerramento de cemitérios, em dias “intensamente sentidos pela piedade dos fiéis católicos”.

O Conselho de Ministros aprovou um decreto que declarou o dia 2 de novembro como dia de luto nacional, em Portugal, “como forma de prestar homenagem a todos os falecidos, em especial às vítimas da pandemia”.

O Governo anunciou ainda a proibição de circulação entre concelhos de 30 de outubro até 3 de novembro.

A CEP vai celebrar uma Eucaristia de sufrágio pelas vítimas da pandemia em Portugal, no dia 14 de novembro, às 11h00, na Basílica da Santíssima Trindade do Santuário de Fátima.

A ‘comemoração de todos os fiéis defuntos’ remonta ao final do primeiro milénio: foi o Abade de Cluny, Santo Odilão, quem no ano 998 determinou que em todos os mosteiros da sua Ordem se fizesse nesta data a evocação de todos os defuntos “desde o princípio até ao fim do mundo”.

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