Opinião do historiador António Matias Coelho
Lisboa, 31 out 2014 (Ecclesia) – O historiador António Matias Coelho defende que os cemitérios, mais do que espaços “para lidar com a morte”, constituem um acervo fundamental “para perceber a sociedade" onde estão inseridos.
“Não há nenhuma vantagem em que a morte seja um tabu, como tem sido”, sustenta o investigador, em entrevista à Agência ECCLESIA.
Segundo aquele responsável, “muito frequentemente os cemitérios reproduzem, mesmo em termos de organização do espaço, de hierarquias sociais, de gostos, o mundo de onde vêm, o mundo dos vivos que os produzem”.
Nesta perspetiva, mais cultural, António Matias Coelho aponta o cemitério da Chamusca, em Santarém, como “um dos mais interessantes do mundo”, por vários motivos.
Em primeiro lugar, “porque reproduz de uma forma muito clara, óbvia, a organização do espaço da vila, com um conjunto de jazigos que pertencem às famílias mais ricas, que vivem na vila na rua direita, na rua principal, e que aqui estão também na rua principal do cemitério”.
Nas “alas laterais”, estão sepultadas as pessoas que “correspondem sensivelmente à classe média” enquanto na “parte posterior, atrás da capela” ficam os "covais comuns, dos mais pobres, que correspondem às pessoas que tradicionalmente viviam na parte mais distante do centro da vila”, complementa o historiador.
Por outro lado, a memória dessas pessoas, aquilo que foram e fizeram, está patente “em tudo” o que compõe o cemitério, “na arte, no gosto, na colocação nas campas não apenas do nome e da fotografia mas das ferramentas de trabalho”.
Esta atitude perante a morte, que ainda hoje se mantém, teve origem no século XIX com o advento do “liberalismo” e da ideia do “individualismo, principio tipicamente burguês que triunfou com as revoluções liberais”.
Isto além de outras razões, relacionadas com “preocupações sanitárias”, por exemplo.
“Da mesma forma que vingou a ideia de um homem um forte, vingou a ideia um homem uma campa; depois a de um homem e um epitáfio, um homem e um nome e, um pouco mais tarde, a ideia de um homem e uma fotografia”, explica o antigo membro do setor da Cultura da Câmara Municipal da Chamusca.
Antes, “há 200 anos e daí para trás, antes das revoluções liberais, os sentimentos em torno da morte não eram os mesmos, a começar pelo facto das pessoas serem sepultadas no próprio sítio onde tinham vivido, no espaço dos vivos”.
“E os vivos, cada vez que iam à missa, pelo menos uma vez por semana ao domingo, passavam junto dos mortos, ou seja mortos e vivos comungavam o mesmo espaço, no centro da povoação”, frisa o historiador.
Para António Matias Coelho, o cemitério atual é um “livro aberto, uma espécie de espelho da sociedade”.
Daí que defenda que “nenhuma visita a uma povoação fica sempre completa se não contemplar uma visita ao seu cemitério”.
A entrevista com o historiador poderá ser acompanhada este domingo, Dia de Fiéis Defuntos, durante a emissão do programa 70×7, a partir das 11h18 na RTP2.
SN/JCP