Fiéis Defuntos: A morte dita por um padre, uma psicóloga e um agente funerário

Pandemia colocou em evidência questões ligadas ao fim da vida

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Alhos Vedros, 01 nov 2020 (Ecclesia) – O padre Nuno Pacheco, pároco de Alhos Vedros (Diocese de Setúbal) afirmou que a pandemia deu outro protagonismo à morte, desafiando o sacerdote a maior presença na vida das pessoas.

“Sempre acompanhei ao cemitério os meus paroquianos que faleceram. Tenho duas paróquias, e houve tempos durante o confinamento, em que fiz cinco funerais por dia, nunca os deixei sós”, relata à Agência ECCLESIA.

A reportagem decorreu no antigo cemitério de Alhos Vedros, ao lado da igreja paroquial, juntando um padre, uma psicóloga e um agente funerário, pessoas para quem a morte é uma realidade do quotidiano e um desafio à sua sensibilidade e envolvimento com o próximo.

Carina Carrilho, psicóloga, colabora regularmente com o padre Nuno e com a Paróquia de Alhos Vedros.

Em entrevista, sublinha que os tempos tecnológicos e urbanos levaram a uma certa erosão dos afetos e do sentido do outro: “Hoje, estamos muito próximos do telemóvel e mais afastados das pessoas, isto vai debilitar o grau de empatia que temos com o outro”.

Para esta psicóloga, as novas realidades de vida levaram a um afastamento da morte.

“Nos meios rurais e há umas décadas, as pessoas conviviam mais com a morte dos familiares que terminavam a vida em casa, juntos dos seus”, assinala Carina Carrilho.

A entrevistada considera que “o papel dos psicólogos é acompanhar as pessoas nestes momentos, mas também ajudá-las a regressar a uma realidade de que se tinham afastado”.

Francisco Oliveira sempre trabalhou na construção civil, mas a crise no setor levou-o a mudar de ramo e a trabalhar numa funerária.

“No início foi difícil, mas depois habituamo-nos e hoje consigo olhar para esta realidade de outra forma”, explica à Agência ECCLESIA.

Esta nova profissão ensinou-o a dar outro valor à vida: “Nascemos, crescemos, somos criados com amor, outros sem ele, mas o importante é aproveitar a vida e ultrapassar o que nos aflige tantas vezes porque este tempo é limitado e temos que o aproveitar”.

O luto é, para o padre Nuno Pacheco, um itinerário importante que ninguém deve descurar.

“O luto é aquele tempo que nos permite aprender a viver uma nova realidade sem aqueles que nós amamos” precisa o sacerdote, para quem, as “despedidas à pressa” a que a regras sanitárias obrigam, vão trazer problemas mais tarde.

O pároco evoca as vítimas de Covid-19, doentes que partem para o hospital sem se despedir de ninguém; mesmo após a morte, o encontro com os familiares é à porta do cemitério, numa urna fechada, sem possibilidade de tocar nem ver.

Partir assim de forma apressada e sem ninguém à nossa volta, é uma realidade terrível que deixará marcas na vida dos familiares”.

O religioso dehoniano em serviço pastoral nas paróquias de Alhos Vedros e Santo André no Barreiro, reconhece a importância da “esperança e da fé do sacerdote”, considerando que elas são fundamentadas na “experiência do sepulcro vazio”.

A Paróquia de Alhos Vedros vai abrir um centro de apoio ao luto com o apoio de um sacerdote, uma psicóloga e um médico psiquiatra.

A entrevista integra a próxima emissão do programa 70×7, este domingo, pelas 17h30, na RTP2.

CB/OC

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) divulgou uma nota sobre a comemoração dos Fiéis Defuntos (2 de novembro), pedindo às autoridades que evitem o encerramento de cemitérios, em dias “intensamente sentidos pela piedade dos fiéis católicos”.

O Conselho de Ministros aprovou um decreto que declarou o dia 2 de novembro como dia de luto nacional, em Portugal, “como forma de prestar homenagem a todos os falecidos, em especial às vítimas da pandemia”.

O Governo anunciou ainda a proibição de circulação entre concelhos de 30 de outubro até 3 de novembro.

A CEP vai celebrar uma Eucaristia de sufrágio pelas vítimas da pandemia em Portugal, no dia 14 de novembro, às 11h00, na Basílica da Santíssima Trindade do Santuário de Fátima.

A ‘comemoração de todos os fiéis defuntos’ remonta ao final do primeiro milénio: foi o Abade de Cluny, Santo Odilão, quem no ano 998 determinou que em todos os mosteiros da sua Ordem se fizesse nesta data a evocação de todos os defuntos “desde o princípio até ao fim do mundo”.

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