Festival Terras sem Sombra

O Festival Terras sem Sombra de Música Sacra do Baixo Alentejo conclui em Santiago do Cacém a sua terceira edição, principiada em Novembro de 2006. Esta iniciativa, resultante da articulação dos esforços do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja (DPHA) e da Arte das Musas, tem o apoio do Instituto das Artes (Ministério da Cultura), da Região de Turismo da Planície Dourada e dos municípios da região onde têm decorrido os concertos: Castro Verde, Sines, Almodôvar, Beja, Alvito e, agora, Santiago do Cacém. O local escolhido – a igreja matriz de Santiago Maior – é um sítio repleto de história que oferece excelentes condições acústicas. Recuperado através de uma parceria entre a Diocese, o Estado e a Câmara Municipal, depois de muitos anos com graves problemas de conservação e segurança, é também um exemplo de como um monumento pode contribuir, quando aberto ao público, para revitalizar um centro histórico em luta contra a desertificação. Contando com um público fiel, incluindo muitos espectadores que acompanham a sua itinerância e garantem “casa cheia”, o Festival constitui uma firme aposta não só na projecção da música sacra, desde a Idade Média até à época contemporânea, como no enraizamento de hábitos culturais, algo muito necessário quando se trata de uma região, como o Baixo Alentejo, que tem sido votada a um certo esquecimento. O segredo desta fórmula de sucesso, como vem salientando a crítica da especialidade, assenta na escolha de uma programação interessante para um público alargado, nas condições acústicas proporcionadas pelas igrejas históricas e na aposta numa pedagogia que, sem esquecer uma linha de rumo coerente, faz a ponte entre o património e a música. Isto permite dar nova vida a um conjunto de monumentos que a Diocese tem vindo a recuperar e a valorizar, em articulação com o Estado e as autarquias. É um projecto sempre em crescendo, que conseguiu mobilizar já mais de 5 000 participantes, algo que parecia inverosímil quando se teve que partir do nada. Para o encerramento do Festival, no próximo sábado, foi escolhido um concerto do agrupamento Sete Lágrimas, fundado em 2000 por músicos especializados em música renascentista e barroca que explora em cada programa a ténue fronteira entre a música erudita e as tradições seculares. O consort é dirigido por Filipe Faria e Sérgio Peixoto, elementos efectivos do Coro Gulbenkian desde 1998 e com uma carreira consolidada nos mais prestigiados agrupamentos nacionais. Os seus programas combinam o virtuosismo com delicadas composições de melancolia. Dois tenores, duas flautas de bisel, alaúde e tiorba e viola da gamba são a instrumentação de base dos programas já apresentados em encontros nacionais, como o Festival de São Roque e o Festival dos Capuchos. Desde 2006 que o grupo desenvolve projectos de composição de música original e arranjos de música antiga para o cinema, o teatro e a televisão. Efectuou já a banda sonora original, baseada em música dos séculos XVI a XVIII, de uma série de 13 programas televisivos da SIC. Em cada concerto o projecto cénico é elaborado de acordo com o programa interpretado e com o espaço de apresentação utilizando um cuidadoso recurso à luz, a adereços cénicos ou à projecção vídeo. Sob o sugestivo título de “As Vozes e as Lágrimas Humanas”, o programa do concerto na igreja matriz de Santiago do Cacém percorre um período temporal que se estende dos finais do século XVI ao século XVIII. Nele se cruzam várias tradições e estilos musicais (francês, italiano, germânico) e a expressão ritual de vários credos religiosos (catolicismo, protestantismo), unidos por fios condutores evidentes ou subtis. O tema das lágrimas como expressão da dor, do sofrimento íntimo ou colectivo, da melancolia, da fé ou da intolerância religiosa está implícito em quase todas as épocas no contexto de criação de várias peças musicais ou no seu próprio conteúdo, atingindo uma expressão particularmente rica durante o período barroco. Por outro lado, a voz que canta (mas também chora) é um elemento primordial intrínseco à própria natureza da música, aqui entendida de forma abrangente, estendendo-se à aspiração que conduziu compositores e intérpretes da época barroca a tentarem igualar a eloquência da voz humana na música instrumental. O fim da terceira edição do Festival Terras sem Sombra é assinalado com o lançamento do CD Lachrimae #1, editado pela etiqueta Mu Records.

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