As festas religiosas e as romarias do Alto Minho enfrentam formas subtis de paganização que se caracterizam por um «roteiro de consumo de festas» marcadas pela «banalização comercial» e «desumanização das comunidades». O alerta foi deixado pelo teólogo monçanense, João Duque, numa intervenção no segundo dia das Jornadas Teotonianas que abordam a questão da «recristianização das festas religiosas». A festa cristã, originalmente marcada pela esperança da superação do sofrimento, à semelhança do operado em Cristo, é sinal da antecipação da «alegria da salvação» e está, hoje, confrontada com o problema da «banalização», da falta de «criatividade» e de «profundidade popular». Na noite em que os participantes na iniciativa se substituíram ao coro que tradicionalmente abre as sessões com um momento musical, dada a ausência do grupo coral convidado por imprevistos, João Duque, mais do que falar das festas pagãs transformadas pelos cristãos, procurou mostrar a «diferença introduzida» e os valores surgidos. Sabiamente, disse o conferencista, a Igreja primordial optou por transformar o mundo «utilizando os hábitos» existentes e orientando- os para o verdadeiro Deus», expurgando-os dos elementos pagãos que se caracterizam por uma «divinização das realidades do nosso mundo». Esta marca característica do paganismo está a fazer o seu regresso à sociedade ocidental sobretudo com a sua «focalização » no dinheiro. Esta divinização pagã é, explicou, «tendencialmente destrutora das relações humanas », porque construída sobre «deuses pessoais ou de grupo com tendências absolutas». O cristianismo, pelo contrário, traz a proposta de um Deus «único» que não entra em concorrência, «porque de outra dimensão» possibilitador da «paz». «A referência de todos ao mesmo Deus é condição da constituição de uma sociedade pacífica», porque cada uma das suas criaturas «não tem pretensões sobre os outros», ou seja, «ninguém é deus de ninguém», nem «é fiel de ninguém». As festas pagãs, cujo «toque » dado pelo cristianismo, as apresenta em honra de um santo ou mesmo de Nossa Senhora, tornam-se «manifestações» até onde pode chegar o ser humano que se orienta para Deus, o seu «verdadeiro fim», disse. A grande maioria das festas cósmicas, onde o «homem aparece como boneco da natureza», foram «cristificadas », ou seja, marcadas pelo verdadeiro Deus e o verdadeiro Homem, que é o Senhor da natureza. Apesar deste trabalho de mudança de mentalidade e rituais operado pelos cristãos, no Alto Minho há um paganismo naturalista e superstição popular que nunca foi erradicado e que muitas vezes leva a atribuir ao santo «características de mágico» com quem é necessário negociar os favores. Nestes tempos, alertou ainda, há deuses que, sendo velhos, voltam a pairar com força, como é o caso do «prazer», do «consumo», do «indivíduo» e do «bem-estar ». Em si nenhum tem problema, a questão está «na sua divinização», advertiu João Duque, alertando para o esbanjamento de dinheiro «em coisas fúteis », como acontece muitas vezes nas romarias, «sem que se invista em situações de verdadeira necessidade» que existem em muitas das comunidades. Para aquele professor da Universidade Católica, estes são alguns dos sinais que urge repensar no contexto de um momento de transformação global da sociedade. Paulo Gomes/Diário do Minho