D. Jorge Ortiga, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, aborda em entrevista à Agência ECCLESIA os vários desafios que a Igreja Católica e a sociedade portuguesa enfrentam neste momento de crise e projeta a necessidade de um maior compromisso social dos cristãos.
Agência ECCLESIA (AE) – Aproxima-se o próximo encontro nacional da Pastoral Social que tem como tema «Testemunhar a caridade no Ano da Fé». Os cristãos estão sensibilizados para este mandato?
D. Jorge Ortiga (JO) – A vida humana é sempre caracterizada por algo de incompleto e imperfeito. Sem dúvida nenhuma que os últimos anos da história da Igreja têm sido preenchidos por uma preocupação muito grande em articular as diversas dimensões da pastoral. Particularmente, na vertente da evangelização, liturgia e caridade. Três aspetos diferentes da mesma missão da igreja. Alguns cristãos têm sido capazes de ultrapassar aquela barreira de considerar a fé como um simples ato de culto. Alguns formam-se de modo mais consciente para assumirem os seus compromissos de responsabilidade na vivência da caridade e do amor. No entanto e infelizmente nem todos atingiram esta consciência de que a fé provoca também um compromisso social.
AE – Falta essa dimensão social da fé?
JO – É necessário que os cristãos assumam essa dimensão. Para alguns é redescobrir e para outros intensificar.
AE – Para que a caridade seja a fé em ação…
JO – Sem dúvida alguma. Desde os primeiros tempos e já S. Tiago dizia: “A fé sem obras é morta”. Muitos interpretaram estas obras como a vivência – quase farisaica – do culto. Mas, as obras significam este compromisso com a transformação da sociedade e a vivência concreta do amor fraterno.
AE – Depois do tempo de veraneio esperam-se momentos de angústia?
JO – A situação é grave. Creio que ninguém ignora os momentos atuais. No entanto, o que se pode imaginar em relação ao futuro será uma vida pautada por maiores dificuldades e mais problemas.
AE – A classe dos professores é uma delas…
JO – Um dos dramas do nosso país é o desemprego. A realidade do desemprego está a acontecer no primeiro emprego e em variadíssimas áreas. E a classe dos professores tem sido muito atingida, apesar de serem apenas um setor no meio de tantos outros da sociedade portuguesa. A chaga do desemprego é notória e esta situação torna a vida difícil.
AE – Sem esquecer o trabalho sazonal.
JO – Todos os índices de desemprego foram menores nesta quadra de verão. Mas sabemos que muitos têm trabalho sazonal e que os próximos tempos serão mais difíceis.
AE – A Igreja tem sido um porto de abrigo para muitas famílias?
JO – Ela tem sido, sem dúvida alguma, esse porto de abrigo para imensas pessoas através das mais variadas instituições. No entanto, acrescento que a solicitude e carinho dos cristãos têm sido uma excelente ajuda. É importante verificar como alguns cristãos exprimem a sua fé através da caridade. Muitos respondem de forma silenciosa às necessidades das pessoas.
As instituições têm sido fundamentais, mas o testemunho individual e familiar é também muito importante. Não pode de maneira nenhuma ser desconsiderado, mas ser estimulado.
AE – O papel das Cáritas diocesanas e paroquiais tem sido primordial na ajuda aos mais necessitados.
JO – A atividade das Cáritas e de outros movimentos (conferências vicentinas e centros paroquiais sociais) é um realizar constante da caridade. É a fantasia da caridade colocada em exercício. Os esquemas que estávamos habituados e a fonte de receitas para responder a determinados problemas não são suficientes. Estas instituições não têm cruzado os braços. Não se têm resignado. Elas têm procurado encontrar outros modos e outras maneiras para viverem a caridade.
AE – Com a chaga dos incêndios, o chamado «diabo negro, as fontes de receita de muitas famílias desapareceram.
JO – Os incêndios são outro flagelo da sociedade portuguesa.
AE – Um problema social…
JO – É um grave problema social. Acrescento, na lógica da fé, que é uma interpelação, na medida em que os crentes professam uma fé centrada na Sagrada Escritura. Deus é criador e entrega o mundo ao ser humano, não para o destruir mas para o dominar no bom sentido. Para que ele seja fonte de bem-estar para todos. Uma das tarefas que a igreja, nos tempos que correm, terá de assumir é o levar para a sua pregação, ensino e evangelização estes problemas concretos. É necessário que os seres humanos respeitem a natureza. Lutem para que ela seja preservada. Seja aquele jardim – na expressão bíblica – que todos nós necessitamos.
AE – Apesar dos alertas constantes, o número de hectares consumidos pelo fogo aumentam.
JO – Estamos numa mudança cultural. A cultura atual é dominada pelo egoísmo. Talvez seja por isso que estas coisas acontecem e repetem. Este tipo de cultura tem de ser substituída por um outro paradigma: responsabilidade pelos outros. Cada um devia sentir-se responsável pela natureza. Pode-se exigir orientações políticas, mais apoio aos bombeiros e outro conjunto de instrumentos que são absolutamente necessários – os nossos políticos não podem furtar-se disso -, mas é fundamental tocar no coração das pessoas. É primordial criar uma paixão pela natureza como dom de Deus.
AE – Deve-se suscitar uma cultura ecológica
JO – Não tenho dúvidas nenhumas. O Papa Bento XVI apelou diversas vezes para a ecologia humana. É preciso imprimir estes valores na sociedade portuguesa.
AE – O Papa Francisco está a preparar uma encíclica sobre a pobreza. No documento, esses valores devem estar sublinhados.
JO – Dizem que está a preparar a preparar essa encíclica, mas estou plenamente convencido que o Papa irá falar da pobreza como um estilo de vida. Numa sociedade de consumo existe muito esbanjamento de bens que a própria natureza nos proporciona. Por outro lado, há a realidade da pobreza que deve ser combatida por todos os meios através de uma aposta numa sociedade mais justa, fraterna e igual.
LFS