Fé e Ciência

Padre Vítor Pereira, Diocese de Vila Real 

As grandes questões da vida sempre nos inquietaram e apaixonaram. De onde viemos, quem somos, para onde vamos, qual a origem e o fim da vida. Temos vindo a ensaiar várias respostas ao longo dos tempos, mas o mistério permanece. Respostas cabais e concludentes ainda não existem, tanto do lado do pensamento científico, como do lado da reflexão crente. Jesus Cristo enviou o Espírito santo para conduzir os crentes à verdade plena, que ainda ninguém tem. Temos de continuar a viver com as nossas incertezas e interrogações, sendo todos peregrinos da verdade.  Donde veio o mundo e a vida?

O Livro “Deus, Ciência, as Provas: o alvorecer de uma nova revolução”, da autoria de Michel Yves Bolloré e Olivier Bonnassiese, tem feito algum furor. Tornou-se um best-seller em França e já é dos mais lidos em Itália. Estes dois franceses apaixonados por ciência dedicaram três anos a compilar as descobertas e teorias da ciência nos últimos séculos, sobretudo nos últimos anos, para chegarem a uma conclusão: o estado atual da ciência não refuta a existência de Deus. Pelo contrário: pode provar que Ele é real. Existem provas claras da existência de Deus.

Os autores apresentam dois argumentos cosmológicos, em apoio da sua tese: a evidência de que o universo está em expansão e que teve início por volta de 13,8 bilhões de anos atrás. Se os tempos tiveram um início, isso deve-se a um criador. É difícil de sustentar que resultou do caos ou do acaso, como é que do nada pode surgir alguma coisa? O segundo argumento exposto salienta o facto de as leis reguladoras do universo estarem predispostas a produzir as condições para o aparecimento da vida. A vida na terra acontece porque uma série de circunstâncias precisas se conjugam. Ou seja, o universo está feito para que a vida possa existir e está de tal maneira tudo feito com harmonia e precisão, que nos leva a pressupor a existência de uma inteligência suprema ou um criador. Seria possível que o acaso tivesse feito uma harmonia tão bem ajustada?

Alguns dirão que nada disto é novo e que estas questões permanecem em aberto. Ainda dão muito pano para mangas. Outros dirão que há ali matéria para refutação e contestação científica. O que mais uma vez este livro vem lembrar é que é importante que fé e ciência procurem dialogar em busca da verdade e alimentem um debate humilde e franco, sem integrismos e fanatismos de parte a parte. Não são incompatíveis uma com a outra, como até o atestam os muitos cientistas católicos, alguns com grande contributo para o conhecimento científico (por exemplo, o pai da genética moderna e da teoria do Big Bang). Desde a Modernidade, fé e ciência entraram em conflito e em grande confrontação, e temos todo um historial de hostilidade, incompreensão e mal-entendidos. O positivismo, o racionalismo e o materialismo impuseram-se nos últimos séculos e tornaram-se intelectualmente dominantes nos ambientes sociais e nas escolas de pensamento, depreciando os postulados e as crenças da fé. Na verdade, ambas têm muito a ganhar quando se aproximam e dialogam, partindo de uma base humilde: ninguém sabe a verdade toda e há várias formas de chegar à verdade. Até se costuma dizer que pela fé chegamos a quem criou o mundo, pela ciência chegamos ao como se criou e evoluiu o mundo. Deus não é demonstrável e verificável pelo método científico, mas isso não quer dizer que Deus não exista e que a inteligência não capte a existência de Deus.

Na verdade, depois de tantas mortes que já lhe foram decretadas, Deus subsiste para lá de todos os devaneios da intelectualidade humana. Talvez aqui se aplique o que Mark Twain retribuiu à notícia sobre a sua morte, quando ele estava vivo: «São notícias manifestamente exageradas». Proclamar que o fim de Deus ou da sua necessidade estavam próximos, fim que já foi anunciado várias vezes, foi manifestamente exagerado. Duvido que a nossa necessidade de Deus seja substituída pela tecnologia e que o mero horizontalismo intercomunicativo, por muito sofisticado que seja, nos preencha definitivamente como seres humanos, como muitos hoje febrilmente sustentam. Há uma dimensão vertical, para a relação com Deus, que é fundamental e central na nossa existência humana. O polémico e tonitruante filósofo Friedrich Nietzsche terá dito que “com a mesma pressa com que alguém te pede um cigarro, também te pergunta por Deus”.

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