Fátima é Sempre Nova

Homilia na Peregrinação Aniversária ao Santuário de Fátima 13 de outubro de 2017 — Encerramento das celebrações do Centenário de Fátima

“Fátima é sempre nova para quem repete a subida à Serra d’Aire e procura penetrar, cada vez mais fundo, nos mistérios da mensagem de Nossa Senhora, nas aparições de 1917, aos três Pastorinhos”. Assim afirmou aqui São João Paulo II, de santa memória. Com que emoção ouvimos hoje estas palavras no encerramento do Centenário das Aparições! Compreendeis que para mim é um momento particularmente emocionante presidir a esta Eucaristia. Com o coração cheio de alegria e emoção quero desde já saudar todos os peregrinos presentes, a cada um em particular, com todo o afeto, no amor de Jesus Cristo e de Maria Santíssima; uma saudação para os mais pequenitos, que vi durante a procissão de Entrada: caros amiguitos e amiguitas, o vosso amigo bispo de Fátima envia-vos uma saudação cheia de afeto e carinho e uma bênção especial em nome de Jesus e de Nossa Senhora.

Meus caros irmãos e irmãs,

Aqui voltamos, como todo o peregrino de Fátima, “com o terço na mão, o nome de Maria nos lábios e o canto da misericórdia de Deus no coração”. Que canto é este? Este canto é o Magnificat, cuja beleza a poetisa Sophia de Mello Breyner tão bem exprimiu, ao dizer: “Penso muitas vezes que o Magnificat é talvez o mais belo poema que existe. É um poema que anuncia, que não canta apenas a terra como Homero. Entre dois mundos, na encruzilhada da história, uma mulher levanta-se e diz o poema da salvação”. Que melhor cântico poderíamos nós escolher para este momento? Com o Magnificat, unidos intimamente unidos a Maria, queremos proclamar, cantar e agradecer as pequenas e grandes maravilhas da graça que Deus realizou através da sua visitação aqui a esta terra de Fátima e com a sua mensagem a favor da humanidade, da Igreja e de milhões de peregrinos ao longo destes cem anos.

 

“A minha alma engrandece o Senhor…”

Nas aparições de 13 de maio e junho, Nossa Senhora proporcionou aos três Pastorinhos uma extraordinária experiência mística da intimidade de Deus e do seu amor. A luz que irradiava das suas mãos maternais mergulhou-os, aos três videntes, no oceano imenso da luz de Deus, da beleza do amor de Deus, da sua intimidade e santidade. Ficaram verdadeiramente fascinados, encantados e enamorados de Deus a ponto do pequeno Francisco exclamar: “Gostei muito de ver o anjo. Gostei mais de ver Nossa Senhora. Mas do que gostei mais foi de ver Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos metia no peito. Gosto tanto de Deus!… Oh como é Deus! Isso é que não podemos [não somos capazes, não temos palavras] dizer!”. Oh, gosto tanto de Deus!

Nesta época em que estamos a viver uma certa indiferença religiosa, uma espécie de eclipse, ocultamento cultural de Deus, Maria convida-nos hoje a descobrir o gosto e o encanto de Deus e da sua beleza, a proclamar como Deus é grande. Ela sabe que se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida não é oprimida, mas antes elevada e dilatada: torna-se grande na beleza e grandeza do Amor que salva. É por Deus ser grande que também o ser humano é grande, em toda a sua a sua dignidade.

Meus caros e irmãs,

Esta é a primeira conversão que a mensagem de Fátima pede: abrir o coração a Deus-Amor e confiar-se a Ele com a oração dos Pastorinhos: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos”. Esta é, a meu ver, a grande prioridade para o futuro da fé cristã: tornar Deus presente, próximo e íntimo ao coração humano, Deus amigo dos homens, fonte de humanização, de confiança na bondade e na beleza da vida. Por isso, Fátima é e continuará a ser sempre reflexo da luz e da beleza de Deus.

 

“A sua misericórdia se estende de geração em geração”

No poema do Magnificat, Maria proclama a misericórdia de Deus que se estende de geração em geração. Nas Aparições em Fátima fez ecoar esta mensagem para a humanidade, ameaçada de se afundar no inferno de duas guerras mundiais, com os genocídios de milhões de inocentes, e aqui também vai ressoar para a Igreja esta mensagem, ferozmente perseguida em risco de ser aniquilada por regimes totalitários. “É a dor da mãe que a faz falar; está em jogo a sorte de seus filhos” disse aqui o Papa São João Paulo II. É verdade, quando Maria se move, não é por coisas de somenos importância, está em causa a sorte dos seus filhos.

A página do Apocalipse, que escutamos na primeira leitura, ilumina este aspeto da mensagem. Põe diante de nós o drama da história, sob a figura simbólica da luta entre o dragão aterrador e a mulher frágil e indefesa.

O dragão é a representação impressionante e inquietante de todos os poderes do mal e da violência no mundo. Parece invencível! Mas a figura da “mulher revestida de sol e coroada de doze estrelas”, símbolo da Igreja e de Maria, diz-nos que esses poderes não são invencíveis. Porque a misericórdia de Deus é mais poderosa que a força do mal. Deus não quer deixar o mundo abandonado, mergulhado na tristeza e no luto do abatimento, da solidão e da morte.

Com o símbolo do seu Coração Imaculado, cercado de espinhos, a mãe celeste mostra que sente a dor dos filhos e vem em seu auxílio com o conforto da misericórdia divina. Ao mesmo tempo, esta mensagem vem acompanhada pelo apelo à conversão e à reparação. Nossa Senhora vem buscar colaboradores nos desígnios de misericórdia para não se resignarem à fatalidade do mal. A resignação não é uma virtude cristã, diz o Papa Francisco.

Também hoje nos pergunta como aos Pastorinhos: “Quereis oferecer-vos a Deus” para serdes seus colaboradores na reparação do pecado do mundo?”. Sim, não se pode passar indiferente ao mal, nem tentar iludi-lo olhando para o lado. Há que reparar o que ele estraga, reconstruir o que ele destrói nos corações e nas relações com Deus, com os outros, com a sociedade e entre os povos. Com o escritor Vitorino Nemésio podemos afirmar: “Com Fátima entrou um certo sinal de eterno nos ajustamentos da história”. Em Fátima, a humanidade passou a valer mais.

Meus caros irmãos e irmãs,

Como acontece sempre que somos chamados e advertidos pela mãe, também em Fátima nos sentimos interpelados, de modo sério e vigoroso, pela melhor de todas as mães para acolher as suas advertências e responder aos seus pedidos. Queremos acolher as suas advertências e responder aos seus pedidos?

O Papa Francisco repetiu aqui duas vezes: “Temos Mãe”! Eu permito-me acrescentar: sim, temos mãe de ternura e de misericórdia, solícita e defensora dos pobres, dos que sofrem, dos humildes e humilhados, dos oprimidos, dos sós, dos abandonados e descartados pela cultura da indiferença, de quem diz: que me importa o outro? Cada um que se arranje.

 

Fátima, mensagem de Paz

Fátima confia-nos uma mensagem profética de esperança e não um segredo intimidatório, de medo; uma palavra de bênção e não de maldição; uma promessa consoladora de paz e não de destruição. A própria Senhora se oferece como garantia, quando diz: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará… e será concedido ao mundo um período de paz”. Quer dizer, “No final, o Senhor é mais forte do que o mal e Nossa Senhora é para nós a garantia visível, materna, da bondade de Deus que é sempre a última palavra da história” (Bento XVI). A paz é um tema central da mensagem da Senhora. Ao pedir para se rezar o terço pela paz todos os dias, Nossa Senhora quer desencadear, através da oração, uma mobilização geral do povo católico que leve ao compromisso ativo pela paz no mundo.

Apraz-me terminar com o apelo premente que o Papa Paulo VI, de santa memória, aqui fez há cinquenta anos, dirigido aos homens de todo o mundo. Um apelo tão atual, hoje que persistem as tensões entre as grandes potências, continuam os conflitos configurando uma “terceira guerra mundial em episódios”, alastra o terrorismo e a ameaça nuclear é tão aguda como então.

Ouçamos o que disse aqui Paulo VI:

“Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. (…) Homens, não penseis em projetos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projetos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo; sim, um mundo de homens verdadeiros, o qual é impossível de conseguir se não tem o sol de Deus no seu horizonte.

(…). Vede como o quadro do mundo e dos seus destinos se apresenta aqui imenso e dramático. É o quadro que Nossa Senhora abre aos Nossos olhos, o quadro que contemplamos com os olhos aterrorizados, mas sempre confiantes; o quadro do qual Nos aproximamos sempre seguindo a admoestação que a própria Nossa Senhora nos deu, a admoestação da oração e da penitência; e, por isso, queira Deus que este quadro do mundo nunca mais venha a registar lutas, tragédias e catástrofes, mas sim as conquistas do amor e as vitórias da paz”.

Caros irmãos e irmãs: de Fátima irradiam para todo o mundo os esplendores da Graça e da Misericórdia divinas e as advertências proféticas da Mãe de Deus e dos homens. “Deixemo-nos, pois, guiar pela luz que vem de Fátima. Que o Coração Imaculado de Maria seja sempre o nosso refúgio, a nossa consolação e o caminho que nos conduz a Cristo” (Papa Francisco). E como bons filhos, mesmo trazendo connosco as nossas misérias, elevemo-nos para a Mãe e digamos-lhe: Querida Mãe, dá-nos a tua bênção! Ámen.

D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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