O reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, assumiu a responsabilidade de coordenar a visita do Papa Francisco à Cova da Iria, pelo Centenário das Aparições. Um trabalho que procura valorizar a dimensão festiva de um acontecimento único que não se esgota em 2017.
Agência ECCLESIA (AE) – Podemos dizer que Fátima está a postos para receber o Papa Francisco?
Pe. Carlos Cabecinhas (CC) – Sem dúvida, Fátima está a postos. Aliás, esta era a expectativa que tínhamos há muito tempo, embora o anúncio oficial da visita fosse há menos tempo, pelo que os preparativos para acolher o Papa e os peregrinos que vêm para estar com o Papa, dando a graças a Deus pelos 100 anos de Fátima, há muito que esses preparativos se vinham a fazer. Podemos dizer que estamos na reta final de preparação, a ultimar tudo para que seja um momento particularmente festivo aqui, no Santuário de Fátima.
AE – Já admitiu que este recinto poderá ser pequeno…
CC – O recinto do Santuário tem limites, como qualquer espaço físico, e os limites são estes: são os limites físicos. A nossa expectativa é que, de facto, a afluência de peregrinos possa tornar insuficiente o espaço do recinto de oração. Não é uma situação dramática, pelo contrário, e aquilo que será a nossa preocupação é proporcionar, mesmo aos peregrinos que não vão poder aceder ao recinto, boas condições para acompanhar as celebrações e também boas oportunidades para poder, se possível, ver o Papa de perto.
AE – Por esses dias os peregrinos vão ter algumas ferramentas especiais, até interativas, para os ajudar na mobilidade dentro de Fátima?
CC – Estamos a articular toda a nossa ação com as autoridades para facilitar e permitir que todo o peregrino que venha a Fátima possa descobrir a melhor forma de chegar ao Santuário com o mínimo de constrangimentos possível. Por outro lado, da nossa parte, estamos a estudar a possibilidade de estender alguns meios que facilitem a participação, concretamente com a colocação de ecrãs gigantes e a difusão sonora de tudo o que acontece no recinto de oração, para que quem não consiga aceder ao espaço possa sentir-se envolvido no conjunto celebrativo e festivo deste dia tão importante.
AE – O programa do Papa não inclui encontros com ‘periferias’…
CC – O anúncio que foi feito pelo Vaticano para caraterizar esta visita do Papa era muito claro, dizendo: o Papa vem como peregrino, para rezar com os peregrinos. Isto significa que não estão previstas, efetivamente, audiências ou encontros particulares com nenhum grupo. Isso não implica uma menor atenção do Papa às periferias que ele tanto ama e a quem tanta atenção tem dedicado. Significa que, numa visita que será necessariamente muito curta, não há possibilidade de inserir outros elementos nesse programa.
AE – Desde Paulo VI que os Papas têm vindo a Fátima, tornou-se frequente a sua presença neste Santuário. Fátima impôs-se aos Papas?
CC – Não tenho dúvidas de que a Mensagem de Fátima teve esse condão de tocar também a Igreja na pessoa do Santo Padre. Esta é uma mensagem com dimensão universal e, nesse aspeto, foi atingindo progressivamente toda a Igreja e foi atingindo também a cabeça visível da Igreja, o seu sinal visível de unidade, que é o Santo Padre. Nós vimos no Cinquentenário das Aparições essa peregrinação do Papa Paulo VI; tivemos depois no Papa João Paulo o grande Papa de Fátima, aquele que se sentiu pessoalmente ligado à Mensagem de Fátima e, por isso, se fez peregrino três vezes a este Santuário; tivemos a presença do Papa Bento XVI no 10.º aniversário da beatificação dos Pastorinhos; e temos agora o Papa Francisco no Centenário das Aparições.
Tudo isto é sinal, por um lado, do impacto universal da mensagem; por outro lado, mostra quanto a Mensagem de Fátima mantém ainda hoje, 100 anos depois, toda a sua atualidade e capacidade de intervir naquilo que é a vida da Igreja e do mundo.
AE – O Papa Francisco contagiou muita gente fora da Igreja. Esta vinda a Fátima poderá ser a ponte para que o Santuário chegue de forma mais efetiva a esta gente?
CC – A presença do Papa Francisco, em concreto, pode ajudar também pessoas que habitualmente não olhavam para a Fátima a olhar agora com uma nova perspetiva para a Mensagem, para o Santuário de Fátima. Devo dizer também que os dados que temos apontam que Fátima tem sido motivo de interesse para muitas outras pessoas, para além da Igreja Católica. Estou a pensar noutras confissões cristãs, noutras religiões, que embora de forma residual, do ponto de vista quantitativo, não deixavam de visitar Fátima e marcavam presença.
Há também todo um público, que eu diria menos vinculado ao fenómeno religioso, que nos últimos tempos tem procurado Fátima, sobretudo pela via cultural. Penso que a vinda do Papa pode potenciar essa aproximação entre Fátima e essas franjas menos sensíveis à temática da Mensagem deste lugar.
AE – Foi difícil assegurar do Papa este compromisso de vir a Fátima?
CC – Eu creio que as reticências do Papa tiveram a ver, sobretudo, com a consciência da sua frágil condição. O Sumo Pontífice, como sabemos, embora vá acumulando juventude, tem também todas as dificuldades próprias de alguém que sente o peso dos anos. Parece-me que a grande dificuldade do Papa nesta confirmação da presença ou não tinha a ver precisamente com o não saber as suas condições efetivas de saúde e disponibilidade física para se poder fazer presente.
A nível mais particular, mais privado, o Papa desde o início manifestou a boa vontade e a disponibilidade para estar presente, se tivesse vida e saúde. Aliás, recordo que a primeira confirmação foi dada pelo próprio ao bispo desta diocese, D. António Marto, dizendo-lhe: “Se Deus me der vida e saúde, estarei em Fátima a 13 de maio de 2017”.
AE – A decisão de vir apenas a Fátima, como o Papa referiu, não deixa Portugal, o país, fora da visita?
CC – Diria que de forma alguma Portugal fica fora da visita. A viagem é uma visita à Igreja portuguesa, centrada em Fátima por ocasião do Centenário das Aparições. Creio que aqui temos de alargar os nossos horizontes e perceber que esta é uma opção do pontificado, o Papa Francisco não tem visitados outros países europeus, outras capitais, tem dado uma particular atenção às periferias e, em relação à Europa, tem feito sempre visitas muito cirúrgicas, orientadas para um ou outro lugar.
Fátima… eu diria Portugal e Fátima não são exceção, no sentido de que o Papa vem, vem estar com a Igreja portuguesa, vem com a Igreja portuguesa celebrar o Centenário das Aparições, mas quis vir apenas a Fátima e não propriamente alargar a sua visita pastoral, na continuidade daquilo que tem sido a sua opção deste pontificado.
O Papa Francisco traz sempre novidade, até pelos seus discursos, pelos desafios que nos deixa.
AE – Não teme que o facto de aterrar em Monte Real traga à memória tensões do passado?
CC – Não, não creio que, do ponto de vista político, haja neste momento qualquer perigo de reavivar esse tipo de tensões do passado, as tensões que estiveram presentes quando o Papa Paulo VI veio, para o Cinquentenário das Aparições. Parece-me que é necessário sublinhar, pelo contrário, que da parte do Estado português, da parte da Presidência, em primeiro lugar – porque o convite foi dirigido também, depois dos bispos portugueses, pelo presidente da República -, do Governo português temos tido sempre toda a possibilidade de colaboração para preparar da melhor forma esta visita.
AE – É importante a Canonização dos Pastorinhos neste ano de Centenário? Qual seria a data preferível?
CC – Eu diria que, qualquer que seja a data – 13 de maio, 13 de outubro, 13 de agosto – qualquer que seja a data, tratando-se da Canonização dos Pastorinhos é muito bem-vinda, por um motivo simples: esta canonização é muito significativa para Fátima, para os devotos de Fátima, para o próprio Santuário. Para nós seria particularmente significativo se a canonização ficasse ligada à celebração do Centenário, mas não depende disso.
AE – Como avalia a especulação económica associada aos valores das dormidas, por ocasião da vinda do Papa, ou a exploração de produtos que se associam ao nome do Centenário?
CC – O Santuário olha com alguma surpresa para aquilo que são os desvios e os abusos. Estas ocasiões proporcionam sempre alguma tentativa de aproveitamento e para nós isso é particularmente doloroso, porque nos parece indevido que haja algum tipo de aproveitamento comercial de uma ocasião como esta, do Centenário, da vinda do Papa.
Também me parece, por outro lado, que o destaque dado a situações excecionais de abuso pode ajudar a generalizar – e esse é um lamento que vou ouvindo – e a criar a ideia de que todos fazem assim, o que não corresponde à verdade.
Vemos com pena que algumas pessoas façam aproveitamento indevido destas ocasiões, mas temos o conforto de achar e de ter a perceção de que há muita gente que não procurar aproveitar estas ocasiões para explorar seja quem for, procura de facto, da forma mais legítimas possível, assegurar aquilo que são os serviços aos peregrinos que vêm.
Há sempre alguma inflação nos preços, tratando-se destes momentos especiais, e o comentário que o Santuário tem a fazer é que, em relação aos preços que praticamos, este ano decidimos não fazer qualquer atualização nos preços de alojamento e nos preços das lojas, como um sinal. O que queremos é que os peregrinos venham e se sintam bem aqui em Fátima.
AE – Que recomendação se pode dar aos peregrinos para que não se exponham a estas situações abusivas?
CC – A grande recomendação a dar é que venham a Fátima, sem medo de serem explorados, porque não haverá propriamente uma estrutura de exploração sistemática dos peregrinos. Que estejam atentos ao que lhes é proposto, com a prudência necessária para perceber o que é justo, o que é razoável, e o que ultrapassa o razoável…
AE – Fátima mudou ao longo destes 100 anos?
CC – Eu diria que, em 100 anos, Fátima como lugar mudou muito. Houve uma evolução, o próprio Santuário cresceu, foi criando a sua estrutura, também física, para acolher peregrinos, e ouço com muita frequência esse testemunho, de quem há muito tempo vem a Fátima, dizendo que agora é muito diferente.
AE – Dizem isso em tom descontente?
CC – Não, não, não, dizem isso como uma constatação, uma constatação feliz de quem percebe que o Santuário se foi adequando à necessidade de acolher os peregrinos e de os acolher da melhor forma.
Já a Mensagem não mudou. Mas é verdade que, a esse nível, foi mudando o nosso aprofundamento e o nosso conhecimento. Se a Mensagem mantém toda a sua atualidade, mantém-se também todo o desafio de percebermos a aprofundarmos o seu conteúdo. Também aqui as coisas têm mudado, no sentido de que não paramos este esforço de conhecer mais, melhor, de procurar aprofundar as consequências desta mensagem.
AE – Há vontade de explorar campos novos, novas áreas de incidência onde se pode encontrar relacionamento com a Mensagem de Fátima?
CC – Essa tem sido sempre uma vontade que nos tem acompanhado, isto é, refletir sobre a Mensagem de Fátima, sobretudo ir percebendo que esta mensagem é importante, significativa para nós, hoje. Isto implica sempre descobrir novas dimensões, novos desafios da própria mensagem, por exemplo o convite a uma espiritualidade em Igreja. Eu creio que esse é, no momento atual, um dos desafios também ao próprio Santuário de Fátima, no sentido de percebermos que a Mensagem de Fátima tem em si um conjunto de elementos de uma espiritualidade que nos desafia para a nossa vivência cristã hoje.
AE – Fátima tem sublinhado mais uma dimensão intelectual?
CC – Nós nunca abandonamos a dimensão da Fátima popular, no sentido que o peregrino é o grande protagonista de Fátima. Por isso, essa dimensão popular esteve sempre presente e tem acompanhado o Santuário, acompanha-nos hoje nas nossas preocupações. Nós procuramos ir ao encontro desse peregrino que vem.
A verdade é, também, que procuramos ir sempre mais além. Percebemos, por exemplo, que a nível intelectual, a nível cultural, há ainda uma certa resistência a Fátima. Por isso, temos trabalhado essa dimensão, temos procurado que a nossa reflexão, que a nossa oferta, procure também atingir outras dimensões que habitualmente não estão contempladas. Nesse sentido, temos procurado alargar o nosso horizonte, que Fátima tenha também essa dimensão, essa vertente cultural que era menos valorizado.
AE – A dimensão estética tem sido importante…
CC – A dimensão estética tem sido uma área preferencial de atuação. Por um lado, porque há toda a importância iconográfica, todo o simbolismo ligado ao que nós bebemos e sentimos, do ponto de vista estético. Por outro lado, essa dimensão da arte é significativa quer na dimensão de Fátima quer na dimensão mais cultural de que agora falávamos.
AE – Há que potenciar também um espaço como os Valinhos?
CC – Esse é um espaço que esteve sempre presente, que o Santuário tem procurado valorizar e que pouco a pouco vai sendo descoberto. Já são muitos os peregrinos que procuram fazer o caminho dos peregrinos, o percurso da Via-Sacra, que procuram os Valinhos, que visitam Aljustrel. Eles mesmo vão descobrindo essa outra dimensão.
Da nossa parte, como Santuário, a preocupação tem sido não apenas criar boas condições físicas mas também, tanto quanto possível, divulgar esses espaços como espaços complementares, de contacto com a natureza, como espaços de silêncio, para uma outra experiência de Fátima.
AE – Que desafios se colocam para o pós-centenário?
CC – A nossa grande preocupação em relação ao pós-centenário, ou melhor, ao pós-2017, é continuarmos esta dinâmica que iniciamos nestes 7 anos de preparação e vivência do Centenário das Aparições. Quer isto dizer que pretendemos valorizar o facto do Centenário – por isso é que tenho dificuldades em falar num pós-centenário.
A partir daqui, nós vamos estar a festejar o centenário de uma série de outros acontecimentos, vamos estar ainda em ambiente festivo de centenário. Pretendemos, antes de mais, prolongar a festa, prolongar esta dinâmica de vivência festiva do Centenário das Aparições. Neste sentido, queremos aproveitar o dinamismo destes anos, prolongando algumas das suas ações, mas também fazendo novas propostas, que ainda estão a ser trabalhadas, para que a vinda a Fátima tenha sempre aspeto de novidade, tenha sempre algo novo a oferecer.
Entrevista conduzida por Henrique Matos