Falhanço do Estado na regulação da imigração favorece acção das redes criminosas

Director da OCPM pede aposta na imigração legal e na integração O Director da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), Pe. Rui Pedro, considera que o sistema de quotas implementado pelo Governo para regular a imigrações é um falhanço que “favorece a acção das redes criminosas”, mais rápidas a responder aos anseios dos imigrantes do que o próprio Estado. “O imigrante, quando se vai candidatar a um consulado para uma vaga cá em Portugal, não pode esperar seis meses por uma resposta. Os canais de imigração legal são insuficientes e demasiado lentos”, lamenta em declarações à Agência ECCLESIA. Esta é a reacção do responsável ao pequeno número de imigrantes legais, oriundos de países de fora da União Europeia que vieram trabalhar para Portugal no último ano – 164. Os dados foram revelados pelo Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, Pe. António Vaz Pinto, ao PortugalDiário. O Governo anterior aprovara o 3º Relatório de Oportunidades, em vigor desde 12 de Março de 2004, que apontava uma necessidade de 20000 imigrantes para o biénio em curso. Na perspectiva de dar respostas aos quase 14000 cidadãos estrangeiros que já se encontravam no país, mas na condição de desempregados, as quotas foram reduzidas para apenas 6500 novos imigrantes – posteriormente aumentadas para 8500. Contas feitas, ficaram 8336 vagas por ocupar, provavelmente preenchidas por imigrantes ilegais, como admite o próprio Alto-Comissário. As quotas para imigrantes fixadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), com base em estudos da DEEP e UCP a partir de inquéritos e consultas às Confederações Patronais, Sindicais, Associações de Imigrantes, foram apresentadas, na altura da sua introdução, como “a chave inovadora para resolver três problemas: satisfazer as necessidades de mão-de-obra, travar a imigração ilegal e evitar bolsas de desemprego”. “As quotas não deram resposta de emprego para imigrantes em situação legal”, indica o Pe. Rui Pedro. “A imigração legal não tem sido favorecida com estas medidas, o que está a fomentar o crescimento da imigração irregular, dando força a organizações intermediárias que são mais rápidas do que o próprio Estado, quer a transportar pessoas para Portugal, quer a colocá-las no mercado de trabalho”, sublinha. Países de origem As associações católicas ligadas à imigração defenderam, desde o início, que mais do que definir quotas, era necessário oferecer condições para que os imigrantes acedessem às oportunidades de trabalho desde o seu país de origem. “Na gestão dos fluxos migratórios introduziu-se este sistema de quotas que já noutros países não tinha funcionado. Foi descrito como a grande ideia para a regularização da imigração, mas é agora evidente que o Relatório por si só não chega, tendo de ser acompanhado por outras medidas, como a abertura de consulados”, assinala o director da OCPM. Passados dois anos, o Pe. Rui Pedro destaca como factos positivos que tenham sido implementados “oficiais de ligação” em novos países com grande fluxo imigratório e assinala os progressos no “cruzamento de dados informáticos”. Houve, contudo, “aspectos que bloquearam” a concretização deste sistema, de acordo com este responsável. “O sistema foi pouco transparente: está previsto que trimestralmente haja uma revisão do próprio Relatório, mas esse balanço nunca foi comunicado ao Conselho Consultivo (COCAI), temos vindo a saber só pela Comunicação Social”, precisa. No Relatório existem apenas 12 áreas de emprego previstas, o que deixa de fora áreas como o trabalho doméstico, por exemplo. Além disso, o processo é demasiado lento: a regulamentação da Lei da Imigração estabeleceu que os imigrantes tenham de apresentar uma promessa de contrato de trabalho nos consulados portugueses, assinada pelo empregado e pelo empregador, o comprovativo da oferta de emprego IEFP e da apresentação na Inspecção Geral do Trabalho (IGT). Outra das exigências para o processo de legalização é a obrigatoriedade de o imigrante apresentar o registo criminal no país de origem e em Portugal. Admitindo a necessidade de o Estado “regular os fluxos” e rejeitando facilitismos, o director da OCPM assegura que, no caso do sistema de quotas, estamos na presença “da prova mais evidente de que os mecanismos de regulação não estão a funcionar, nem mesmo a atitude de boas práticas de flexibilização e desburocratização”. “A Igreja defende que os Estados podem implementar medidas para regular os fluxos, sem que isso colida com o direito à imigração. Se for fácil canalizar mão-de-obra para Portugal, tendo um consulado perto dos imigrantes que em pouco tempo ofereça resposta, as pessoas optarão pela imigração legal”, assegura. Estigma da irregularidade A população que entrou no nosso país após o dia 12 de Março de 2003 não tem acesso a nenhum mecanismo de regularização. Este estigma da irregularidade traz consequências pesadas para os imigrantes e para a própria sociedade. “Aumentando a irregularidade e não havendo no horizonte medidas que possam dar solução a estes problemas, começamos a ver sinais que nos preocupam, como o aumento de imigrantes sem-abrigo, o surgimento de organizações violentas nessa irregularidade e a instalação da delinquência”, aponta o Pe. Rui Pedro. Num país que reconhece ter necessidade de mão-de-obra estrangeira, ao abrir um número determinado quotas, são cada vez mais visíveis sinais de racismo e xenofobia. “O país está a ter uma grande incapacidade para assumir a diferença e a inter-culturalidade: há que começar a perceber que ser português não é ser branco”, alerta. O verão é o tempo privilegiado para a chegada do estrangeiro-turista, visto com muitos melhores olhos entre nós do que o estrangeiro-trabalhador. A OCPM sempre criticou critica uma visão “funcional” da imigração, que tem em conta apenas o bem do país de acolhimento, sobretudo quando é sabido que as causas últimas das migrações estão na injusta distribuição da riqueza entre nações ricas e pobres. “A imigração é uma ocasião para ser solidário e construir um mundo mais justo, acolhendo pessoas que vêm dar o seu trabalho para desenvolver o nosso país e encontrar aqui o que não têm nos seus países de origem, à imagem do que acontece com os nossos emigrantes”, conclui o director da OCPM.

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