Fado: «Uma música válida para aceder ao sagrado» – Cátia Tuna (c/vídeo)

Tese de doutoramento «Não sei se canto, não sei se rezo – ambivalências culturais e religiosas do fado entre os anos 1926 – 1945», procurou a «religiosidade e a interpretação que o fado faz de si próprio como oração»

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Lisboa, 23 jul 2020 (Ecclesia) – A investigadora em História Religiosa Cátia Tuna disse à Agência ECCLESIA que o fado é uma “música válida para aceder ao sagrado” e oferece à Teologia uma possibilidade de cruzamento com outras áreas do saber, conferindo-lhe um carácter de “autoconhecimento”.

Na tese de doutoramento «Não sei se canto, não sei se rezo – ambivalências culturais e religiosas do fado entre os anos 1926 – 1945», Cátia Tuna verifica que, para se legitimar cultural e socialmente, o fado “começou a dizer-se como oração e também performativamente começou a elaborar-se como oração, até da parte cénica, a impor-se como uma música válida para aceder ao sagrado”.

“O fado apresentava-se como algo estritamente profano. As primeiras autoenunciações do fado, como algo religioso, tinham um tom sarcástico: ouvia-se «até Deus gosta de fado», colocavam-se santos a tocar”, afirma.

Cátia Tuna assinala uma “dialética” entre “tradição e modernidade” presente no fado mas também na Igreja.

“Não é tanto uma tradição, o que vemos é uma relação de reciprocidade: é algo que é entregue, devolvido e entregue novamente. O que encontramos são reformulações, que na realidade tem uma matriz de há muitos anos”, sublinha.

A investigação teve início em 2013 e Cátia Tuna refere a dificuldade de “domar o tema”, uma vez que, acredita, “poder-se-ia fazer várias teses sobre o assunto”.

“A primeira grande necessidade era domar o tema. Podia ser um caldeirão de coisas ou não ser nada. A minha dificuldade era circunscrever o objeto”, explica.

O quadro temporal estudado, 1926-1945, compreende o período da instituição da ditadura militar em Portugal e do Estado Novo, que durou até 1974.

“Esta é uma época de muitas primeiras vezes, as primeiras casas de fado, as primeiras vedetas, porque o fado profissionalizou-se nesta altura. Antes deste período era uma prática boémia, masculina e urbana, em especial lisboeta. Depois os desenvolvimentos radiofónicos ajudaram ao seu desenvolvimento. A indústria discográfica fica mais robusta”, explica.

Sobre a ligação desta musicalidade ao Estado Novo, Cátia Tuna é cautelosa.

“O fado saiu de uma clandestinidade, conectada com praticas de subversão social e passa para um patamar completamente diferente, de moralização, certinha, acantonada a expetativas do Estado Novo. Houve um processo de ambiguidade, entre o Estado Novo e o fado, que na época em que eu estudei apenas começa”, indica.

A investigadora refere ainda a presença de uma “visão antideterminista de Deus, e um grande elogio da liberdade e vontade humana”, no catolicismo.

“A sociedade portuguesa tão católica produziu um substrato cultural tão determinista como é o fado, parece que houve um escape ou grande desencontro entre uma resposta que não houve e uma pergunta que não encontrou resposta”, aponta.

A investigadora afirma que o cruzamento da Teologia com outras áreas de saber, como no caso do fado, confere a esta ciência um carácter de humildade e “autoconhecimento” que a tornam “pertinente”.

“O diálogo com a Historia dá-lhe o dom de ter a realidade como plataforma primeira de conhecimento e isso é um instrumento de grande humildade: escutar o que a realidade tem para nos dizer, nas suas sombras e luzes, de violento e inexplicável, e ver, no encontro, que tantas vezes é um desencontro, e perceber o que pode e não dizer”, afirma a autora da tese «Não sei se canto, não sei se rezo – ambivalências culturais e religiosas do fado entre os anos 1926-1945».

Cátia Tuna anuncia “outros cruzamentos” com outras áreas, apesar de uma “institucionalização” com a filosofia: “Houve outras épocas em que ligou a Teologia ao Direito, e tornou-se muito jurídica; há experiências que ligam a Teologia à Literatura, e há outros cruzamentos mais desconhecidos”.

“A Teologia ganha em auto perceber-se melhor, obriga-se a ser pertinente. E também a perceber que é carente de outros métodos”, indica.

LS/PR

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Agência ECCLESIA

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