Pediu o bispo de Leiria no encontro de Hoteleiros e Responsáveis por Casas de Acolhimento aos Peregrinos. “O ter vale menos que o ser (…), mais vale dar prioridade ao espírito, no todo do conjunto orgânico da pessoa” – afirmou D. Serafim Ferreira e Silva, no encontro de Hoteleiros e Responsáveis por Casas de Acolhimento aos Peregrinos, uma organização do Serviço de Peregrinos (Sepe) do Santuário de Fátima, que este ano decorreu no Hotel Fátima, acrescentando que “na vida humana tudo é tão relativo, inclusive as grandes empresas têm o vírus da falência ou da deterioração”. Este encontro de reflexão e convívio, na 28.ª edição, tem desde a primeira o objectivo de levar o Santuário, as entidades autárquicas e da área do turismo, e os responsáveis hoteleiros a uma reflexão conjunta, que permita a todos melhor acolher e servir o peregrino e o visitante da cidade de Fátima. Ainda assim, o Bispo alertou que, para o peregrino ser bem acolhido em Fátima, “precisamos de estruturas, precisamos de acessos e de servidores. Os peregrinos de Fátima não vêm para cá para jogar golfe, vêm para robustecer a fé, e é bom que, cada vez mais e melhor, se facilite aos peregrinos o encontro com Deus”. “Fátima é dom e responsabilidade” foi o tema escolhido pelo Director do Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima, P. Virgílio Antunes, para iniciar a reflexão. Conferência do Pe. Virgílio Antunes Fátima é dom e responsabilidade “1. Em primeiro lugar, gostaria de deixar um agradecimento ao Hotel Fátima pela disponibilidade que manifestou para nos receber a todos – Santuário de Fátima, hoteleiros e outros acolhedores de peregrinos. É um sinal de apreço por este trabalho de cooperação nos mesmos objectivos, que se vem desenvolvendo em múltiplos encontros, este ano o 28º. 2. Em segundo lugar, quero exprimir, em nome do Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima (SEPE), a vossa presença numerosa. Destaco a participação de muitos, que têm sido sempre fiéis na resposta ao convite que tem sido dirigido. Saliento particularmente a presença de algumas pessoas e instituições tanto hoteleiras como religiosas que conseguiram vencer as suas hesitações e resolveram pela primeira juntar-se a este grupo, numa atitude de abertura e acolhimento dos outros. É importante virmos, pelo facto de sentirmos que todos temos os nossos pontos de vista – alguns comuns, outros diferentes – mas todos a partilhar responsabilidades na construção de Fátima como lugar de peregrinação ou de turismo, mas sempre lugar de encontro de pessoas, de povos, de culturas e de espiritualidades marcantes das suas vidas e, por esse motivo, também marcantes da vida do país e um pouco de todo o mundo. 3. Em terceiro lugar, apesar de ser um dos últimos a entrar nesta realidade, pelo menos dentro das funções que agora exerço, gostaria de deixar algumas ideias, que poderão ajudar-nos na reflexão que importa fazermos acerca de Fátima, do seu lugar e missão e da nossa condição de acolhedores. Correndo o risco de redizer o já dito ou de reflectir o que já estará reflectido por quem anda nestas lides há muitos anos, arrisco alguns pontos, confiante na vossa paciência para ouvir a voz da pouca experiência. Fátima é um dom e uma responsabilidade Costuma dizer-se, pelo menos nos meios eclesiásticos, que não foi a Igreja que impôs Fátima, mas Fátima que se impôs à Igreja. De facto, há uma grande dose de mistério subjacente a todo este fenómeno. As origens, que corremos o risco de ir esquecendo, não dependeram de nenhum de nós. De algum modo, fomos apanhados por uma realidade que não criámos, mas que percebemos que devemos aceitar como um dom. Grande parte de nós, pertencentes a gerações mais novas e cada vez mais distantes das origens, não acompanhámos as origens nem o crescimento desta realidade, mas encontrámo-la já em estado adulto. Como acontece como muitas outras realidades que não criámos, mas apanhámos já feitas, corremos o risco de não as valorizar suficientemente ou de as desvirtuar. Podemos ceder à ideia de que podiam ser algo que de facto não são, ou que deverão desenvolver-se de acordo com perspectivas e critérios que, de facto, não correspondem nem no todo nem em parte à sua identidade. Diante do fenómeno que é Fátima, não há duas ou três hipóteses, como estamos habituados a pensar relativamente a tantas outras realidades, marcados como estamos pelo relativismo das posições, dos pontos de vista ou das opiniões. Fátima não é a Nazaré, também não é o Algarve, nem a Batalha, nem a Notre-Dame… Não é alternativa de destinos durante o Inverno, nem estância onde afluem os que estão saturados de outros lugares e estilos de vida, no Verão. Fátima tem algo de típico que os outros lugares não têm e proporciona uma experiência humana, que os outros lugares não podem oferecer. Fátima é uma realidade única, que tem paralelo noutros grandes lugares de convergência humana, marcados por uma fortíssima dose de humanidade no sentido mais pleno que este termo pode ter. Pelo facto de proporcionar uma experiência de encontro da realidade humana consigo mesma, na interiorizarão e na reflexão, constitui uma enorme possibilidade de pacificação do ser humano; pelo facto de favorecer a dimensão espiritual e sobrenatural da vida, permite uma abertura de horizontes que a vida quotidiana às vezes limita; pelo facto de inspirar sentimentos de amor e de paz, enraizados no fundo do coração dos seres humanos, é escola de fraternidade, de respeito e de aproximação entre todos os que aqui chegam cheios de boa vontade; pelo facto de ser lugar de oração e de encontro com Deus, desenvolve as possibilidades de elevação do homem até aos fins para os quais foi criado: a comunhão com as outras criaturas e com o Criador, numa contínua busca de harmonia pessoal e cósmica. Fátima é lugar de cultura, se, por cultura entendermos tudo aquilo que eleva o espírito humano, incluído o descanso, contacto com a natureza, a partilha de vida, a separação temporária das ocupações quotidianas de trabalho, dos afazeres casa, a reflexão, o equacionar das alegrias e tristezas da vida… Numa linguagem porventura mais economicista e comercial, Fátima é uma mercadoria muito especial e tem um único produto para oferecer. No dia em que pensar poder oferecer um leque mais variado de produtos, desvirtua-se, perde a sua característica, torna-se igual a todas as outras bancas do mercado e ninguém se interessa por ela. Em consequência da globalização, há artigos que se encontram em todas as lojas de todo o mundo – perdendo o seu interesse – e há artigos que somente se encontram em lojas altamente especializadas – não são para todos, mas os que os pretendem têm de ir lá para os encontrar. Não são muitos os lugares no mundo que possam rivalizar com este que temos nas nossas mãos como um grande dom para nós e para o mundo, pois não são muitos os lugares que, de forma tão completa, favoreçam o ser humano integral. Por isso mesmo, Fátima constitui também para nós uma grande responsabilidade – a de criarmos as condições para que ofereça ao mundo a única coisa que pode oferecer. Acolhimento, atitude fundamental Como se não pode dizer tudo, de uma vez só, destaco o que me parece ser um aspecto importante da nossa actuação, ligando com o tema fundamental de reflexão da diocese de Leiria-Fátima para este ano. O acolhimento de quem chega é atitude primordial de quem aqui se encontra: pessoas e instituições, sejam elas quais forem: Santuário, casas religiosas, serviços públicos ou privados. é uma das mais elementares formas de humanidade – acolher o que viaja, o que passa, o que vem; é uma virtude humana comum a todos os povos, raças e nações, independentemente dos valores que se afirmam ou da religião que se professa; numa perspectiva crente e de fé, constitui o primeiro gesto evangelizador e a primeira catequese que, mais do que pela palavra, se faz pelo testemunho de vida; numa perspectiva cívica é um sinal de educação para a cidadania. O acolhimento assenta em primeiro lugar no respeito que um ser humano sente dever a todos os outros seres humanos: respeito pelo que cada pessoa é; respeito pelas suas convicções de fé; criação de condições para que as pessoas se sintam em sintonia com o espírito do lugar; criação de condições que favoreçam os objectivos que aqui as trazem; favorecimento dos meios adequados para que as pessoas se sintam bem e guardem uma boa memória da experiência de vida realizada neste lugar. Em conclusão, podíamos sintetizar numa frase: Fátima tem algo de próprio, de exclusivo a oferecer aos peregrinos e eles procuram-na precisamente por isso. Cabe-nos a nós, particularmente pelo acolhimento ajudá-los a encontrar o que procuram, pois é na medida em que encontram que têm o desejo de continuar a vir e a procurar.”