Exposição «Viver para os Outros»

Retratos e diários de vidas de missionárias que se dedicam aos outros Outrora reservadas a galerias ou espaços museológicos, as exposições saíram para a rua ao encontro das pessoas e do seu dia-a-dia. Esta é a melhor forma de comunicar e de transmitir mensagens imprevistas, mas curiosas e tocantes. A exposição «Viver para os outros», que conta a vida das Irmãs Dominicanas do Rosário foi ontem inaugurada num espaço comercial. Duas realidades distintas? Talvez não. Na montra da loja Viva, na Avenida da Igreja, em Lisboa, estão expostos cinco cartazes que apresentam fotografias e excertos dos “diários de missão” que as religiosas protagonizam em tantos palcos de guerra ou de dramas sociais. «Esconda-me o comandante», «Preciso que me ouçam», «Eu falo com eles», «Procuro uma mãe» são alguns dos 25 cartazes que partilham a vida missionária. Para a Irmã Deolinda Rodrigues, Superiora Provincial das Missionárias Dominicanas do Rosário o património destas vidas não podia ficar fechado, “tínhamos obrigação moral e missionária de o partilhar”, explica à Agência ECCLESIA. No meio da sua correria diária e da sua vida ocupada, as fotografias saltam de uma montra comercial para pedir às pessoas “que parem e que leiam as histórias. Que se deixem tocar”. As fotografias mostram o trabalho realizado pelas Irmãs. As imagens contam vidas de entrega, muitas em países de missão, contam experiências, “por vezes difíceis”, mas “muito gratificantes”, pois mostram “pessoas que ajudaram a construir a história missionária das Irmãs Dominicanas”, explica a Superiora Provincial. “O acento das imagens está na solidariedade e ajuda, não na tragédia”. A Irmã Deolinda passeia a memória pelas fotografias de uma irmã enfermeira em Angola, que “criou crianças abandonadas pelos pais”, ou de uma religiosa que trabalhou com leprosos, nas Filipinas, ou deixa-se ainda levar para Timor ou para as “histórias de uma experiência nas cadeias em Kinshasa, no Congo”. Mais há retratos de histórias portuguesas, construídas no Bairro 6 de Maio, na Amadora, onde as Irmãs Dominicanas do Rosário vivem e trabalham com a população. A proposta de expor em lojas comerciais é arrojada mas porque “quer chamar mais a atenção, integrando as missões na vida quotidiana das pessoas”, explica a religiosa. Numa igreja ou livraria, nem todos poderiam ter contacto. “Quem passa na rua, pode ver e ler as nossas experiências”. O desafio de publicitar o religioso Pouco habituados a lidar com o produto religioso, Sérgio Alves, Designer gráfico que concebeu os cartazes, da 37 Design, explica que as marcas publicitárias com quem habitualmente trabalham divergem, na essência, quando comparadas com “histórias de mulheres que lutam para melhorar a vida de outras pessoas”. Se a nível gráfico pode haver poucas diferenças – “um cartaz é sempre um cartaz”, explica, Sérgio Alves aponta que “sabemos que a dimensão comercial não está presente, estamos apenas a ajudar a comunicar”. Pela carga humana que tanto fotografias como textos contêm o desafio foi maior. Aliado à preocupação técnica de não interferir nas lojas, do ponto de vista gráfico, nomeadamente a “busca na procura de uma solução legível e perceptível”, mostra que é possível passar uma mensagem mais humana, sendo um “meio eficaz de comunicação”. Intercâmbio social e religioso Para Carlos Liz a originalidade da exposição começa na vida das religiosas. As irmãs não se encontram fechadas num convento ou numa igreja mas “passam a sua vida em ruas, muitas vezes mais difíceis do que as ruas de Lisboa”, conta à Agência ECCLESA Carlos Liz, director geral da APEME – Área de Planeamento e Estudos de Mercado, Lda, e um dos organizadores da exposição. Esta mostra conta a “vida real” que, segundo o director geral da APEME, é a parte “parte mais bonita”. A exposição “virada para fora quer continuar as experiências de missão das irmãs”. A exposição nas montras comerciais mostra que “as empresas estão a descobrir a responsabilidade social”. No entanto, importa compreender que “o humano, inspirado pelo religioso, não tem preconceitos e não exclui instituições que vivem socialmente com outra missão”. As lojas comerciais têm por objectivo vender e ter lucro. Mas vivem no meio da cidade, têm montras que podem ser caminhos para “uma convergência de missões”. A penetração entre mundos é “algo novo, mas muito bonita de se descobrir”. Esta convergência “ensina os dois mundos”. Para Carlos Liz o termo «aprender» é decisivo. A Igreja, para se dirigir ao outro e realizar a sua missão, precisa de aprender coisas novas. “Conhecer a sociedade contemporânea, a sociedade em rede possibilita uma grande aprendizagem”. Carlos Liz mostra-se “deslumbrado na forma como as pessoas se disponibilizam para estes intercâmbios”. O organizador da exposição explica que, mesmo quem está mais longe do mundo eclesial “reconhece o elevado valor humano e social que experiências como estas contêm”. A sociedade “fica melhor se estas instituições existirem e por isso apoia-as”. “Quanto mais vamos ao encontro do mundo fora da Igreja, mais a experiência de partilha sai fortalecida, entre mundos que, à partida se pode dizer que, não nasceram para estar juntos. Isso é o mais bonito”, sublinha. A exposição não ficará circunscrita à loja da Avenida da Igreja. Em Lisboa, procure os 25 cartazes nas lojas da Rua Augusta, da Rua 5 de Outubro, dos Restauradores e ainda no Prior Velho. Mas também é possível encontrar «Viver para os outros» em Setúbal, no Porto, em Cascais, no Montijo e em Almada. «Do Outro Lado da Linha» Junto com a exposição, uma reedição do livro «Do Outro Lado da Linha» mostra em fotografias o dia-a-dia do Bairro 6 de Maio, na Amadora. Esta publicação, da autoria de Dina Monteiro e Rosa Reis, quer minorar as dificuldades de acesso à educação dos jovens no bairro, cujas realidades constituem ciclos de exclusão social. “Este livro lança um olhar ao Bairro, que na sua maioria é alvo de notícias pelos piores motivos. Mas existem muitos bons motivos para noticiar”, explica a Irmã Deolinda. As receitas da venda do livro destinam-se a Bolsas de Estudo – do projecto «Um passo para o outro lado» – para apoiar os jovens mais necessitados do Bairro 6 de Maio. Actualmente são quatro os jovens a beneficiar da bolsa. O livro está à venda nas Livrarias do Diário de Notícias, na Livraria Almedina, nos Hipermercados Continente e no Centro Social do Bairro 6 de Maio. «Estar» no Bairro 6 de Maio O trabalho das Irmãs Dominicanas no Bairro 6 de Maio passa pelo “estar”. A residir no bairro, as religiosas não levaram “nenhum projecto, mas conforme o evoluir da relação com a população, as necessidades iam sendo respondidas”. O apoio prestado, similar a outros tantos centros paroquiais, com respostas para crianças e jovens, e a organização da população, nomeadamente na “constituição de uma associação de moradores”, a alfabetização “prioritária” para uma comunidade essencialmente cabo-verdiana, mas com pessoas de outros países lusófonos. A exigência do projecto foi alertando para a necessidade de técnicos formados na área social. Nesse sentido foi assinada com a Segurança Social um protocolo de projecto comunitário, cuja ajuda “tem sido essencial no apoio ao trabalho comunitário” que se estende a dimensões jurídicas, apoio psicológico, social, educacional e também pastoral e religioso. “Funcionamos como uma paróquia”, acrescenta a Superiora Provincial.

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