Expectativas e Esperanças da Igreja na Bolívia

Na Bolívia estamos a viver mudanças profundas: umas convidam a olhar a marcha com esperança e confiança e outras preocupam-nos e suscitam interrogações e dúvidas. O ciclo do domínio do liberalismo económico que nunca conseguiu obter resultados palpáveis, chegou a seu fim em Dezembro de 2005. O actual Presidente (Evo Morlaes, ndr) alcançou uma votação jamais obtida nos anos de vigência democrática: irrompem assim, na condução do país, os indígenas, camponeses e sectores sociais quase sempre relegados e esquecidos. No seu discurso programático anunciou mudanças radicais no social e político. Desejava assim terminar com a exclusão histórica dos povos originários e criar um Estado social-comunitário. Para isso, entre outras medidas, impulsionou a Assembleia Constituinte para refundar a Bolívia com uma nova Constituição, promulgou a Lei Terra e Território Produtivo, em favor de indígenas e camponeses, e a Lei contra a corrupção e impunidade. Também se empenhou na recuperação da propriedade e comercialização do gás e os recursos naturais para reafirmar o sentido de soberania nacional e obter melhores lucros. Isto indubitavelmente beneficia o país. Em geral, este início causou gozo e esperança nuns, sofrimentos e desilusões noutros. A pouco mais de um ano deste processo, constata-se em diversos sectores sociais e regiões uma certa pressa para exigir os benefícios económicos profusamente publicitados, multiplicando desta maneira pressões e conflitos. A isto se acrescenta o despertar de um indigenismo sobretudo andino, desconhecedor da forte mestiçagem boliviana. Suscitam-se posturas vindicativas, a incitação às confrontações e até se fala de resistência armada. Esta polarização e o centralismo estatal que debilita o ideal autonómico das regiões, paralisam o país incidindo fortemente na Assembleia Constituinte e afastando a possibilidade de contar com uma nova constituição dentro dos termos propostos. Apesar da vigência da lei que impulsiona a transparência e dos melhores ganhos pela venda do gás, não diminuiu a pobreza nem estamos livres de sinais de corrupção e de divisão. A pura retórica não melhora a qualidade de vida do povo em geral e por isso não cessa a emigração maciça de tantos bolivianos em busca de dias melhores. Além disso suscita temores a atenção, muito chamativa por parecer desinteressada, que manifestam alguns dignitários deste Continente pelo que acontece na Bolívia. Ninguém desejaria sair de uma dependência estrangeira para cair noutra. Propaga-se o discurso de “descolonizar a Bolívia” e considera-se a Igreja como co-autora do colonialismo. Isto é evidente na nova visão de país que se defende, uma mostra clara é a nova lei educativa estatista e laicista. Neste ponto a Igreja na Bolívia não defende privilégios, a não ser o direito à liberdade religiosa para continuar a anunciar o Evangelho da vida. Nesta situação, nós pastores devemos responder à perplexidade e aos temores que expressam os crentes. Não desejamos evasões nem cúmplices neutralidades, tampouco compromissos cegos ou fundamentalistas. Sabemos que a Verdade nos fará livres. Faremos toda a nossa obra que defenda e beneficie a dignidade do homem ainda que à custa das incompreensões que provoca sempre o Evangelho de Jesus. Assim o faremos, dando testemunho da nossa fé com valentia, denunciando profeticamente tudo o que atenta contra a vida e a pessoa humana. Por isso é preciso: – Olhar a realidade com uma metodologia que permita ver, julgar e agir como autênticos discípulos e missionários de Jesus. – Aprofundar e realçar os conteúdos da mensagem evangélica que correspondem ao conceito de pessoa, de vida humana e de liberdade. – Promover um estudo para detectar as raízes culturais, filosóficas e ideológicas dos fenómenos sócio-políticos em curso, para não cair em ingenuidades. Os Bispos na Bolívia também esperam luzes desta V Conferência que reafirmem e orientem as respostas pastorais aos desafios que nos propõe o mundo de hoje: – Que se destaque a urgência da formação de discípulos e missionários com identidade católica, em particular os leigos para um compromisso mais decidido na transformação das realidades temporárias de acordo ao Plano de Deus, com esmerada atenção aos temas da vida e a família. – Particular preferência e atenção merecem os jovens, que, de uma espiritualidade profundamente ancorada em Cristo, tomem consciência de que os nossos povos e Igrejas estarão muito em breve sob a sua responsabilidade. – Que se apoiem e reavivem com maior força as Comunidades Eclesiais de Base, primeira célula eclesiástica, dinamizadora da vida na paróquia, para que esta seja verdadeira Comunidade de Comunidades. – Que se retome o tema da formação de sacerdotes que responda às necessidades actuais das nossas Igrejas, e também reflectir a respeito da escassez dos presbíteros que impede a participação na Celebração dominical da Eucaristia de tantos baptizados. – Que se indiquem linhas de uma verdadeira inculturação da fé, perante a emergência dos povos indígenas e a sua atitude questionadora para com a Igreja. – Que se aprofunde nas relações com outras Igrejas cristãs em apoio a um ecumenismo claro e são, e tomando consciência do dinamismo das mesmas. Olhemos com olhar novo todos os que professam a fé em Cristo, longe de nós as atitudes de condenação, de exclusão ou de sentimentos de retomada de espaços perdidos. O diálogo e a proximidade fraternal permitirão caminhar juntos, rumo à unidade da Igreja. Compartilhei convosco, irmãos Bispos, as nossas preocupações pelo que estamos a viver na Bolívia, porque sabemos que esta problemática se está a impor noutros países do Continente, porque sentimos o vosso interesse e solidariedade fraterna e porque juntos podemos compreender melhor esta realidade complexa e, sobretudo, para que ofereçamos umas palavras alentadoras e orientadoras aos nossos povos. Que todos sejamos autênticos “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que os nossos povos nEle tenham vida”. Cardeal Julio Terrazas Sandoval, Arcebispo de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia

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