O governo sudanês e os rebeldes sulistas – após quase três anos de negociações – assinaram no passado Domingo, em Nairobi, o acordo de paz final para acabar com a guerra civil no Sul do Sudão. A paz assinada no Quénia coloca um ponto final a mais de 20 anos de guerra, mas não se deve confundir este conflito com a guerra em curso no Darfur, região do oeste do país, que faz fronteira com o Chade. O conflito, que opõe o Norte muçulmano ao Sul cristão e animista, dura há 21 anos e provocou a morte de cerca de dois milhões de pessoas. Muitas mais foram obrigadas a deixar as suas casas e fugir para países vizinhos. A partir de Julho, o Sul gozará de autonomia durante seis anos, sendo depois organizado um referendo em que pode optar pela independência. Nesse caso, o Sudão ficará dividido em dois, devendo nascer no Sul (que actualmente produz 320 mil barris de petróleo por dia) uma nova nação. Apesar de a assinatura do acordo ser um grande passo, outro conflito, no Oeste do Sudão, parece estar longe do fim o da região do Darfur. Os confrontos, entre os muçulmanos das tribos árabes (alegadamente armadas pelo poder central) e as de origem africana, já fizeram 70 mil mortos desde 2003. A guerra no sul do Sudão O conflito no sul do Sudão eclodiu em 1983, quando foi introduzida a shari’a nas regiões meridionais do país. Os povos do sul, que são na maioria animistas e cristãos, revoltaram-se contra o governo. O conflito do sul do Sudão é, na realidade, muito complexo. Muitas vezes, afirma-se que os muçulmanos do norte oprimem os cristãos do sul, dando uma validade religiosa à guerra. Na realidade, o factor religioso é somente um dos elementos, que esconde todos os outros. Trata-se, pelo menos em parte, de uma guerra económica. O sul, de facto, é privado de todas as riquezas. Não somente do petróleo, mas também da madeira apreciada (mogno tek, etc.). Nas regiões controladas pelo exército governamental, florestas inteiras desapareceram. Os soldados, quando conquistam uma cidade, deixam de pé somente os muros: levam tudo embora, móveis decorativos, e até mesmo os umbrais das portas. Há ainda factores étnicos e culturais, alguns muito antigos: por exemplo, a herança da escravidão praticada pelos povos do norte contra os do sul, que tem motivações raciais. Mas o conflito norte-sul não explica tudo. O exército governamental, por exemplo, é formado por pessoas originárias do sul. Isso porque, para muitos, recrutar-se é o único modo para sobreviver. O salário de um soldado, de facto, é superior ao de um professor universitário. Quem se opunha às tropas governamentais era o Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA), o principal grupo de guerrilha do Sudão meridional, cujo líder, John Garang, assinou a paz com o governo sudanês. Um dos pontos principais do acordo prevê, não por acaso, a divisão dos recursos petrolíferos entre o governo de Cartum e a administração autónoma das regiões meridionais. O conflito no Darfur tem, ao invés, uma origem diferente. Darfur Darfur sempre foi uma região muito pobre, sem recursos e infra-estruturas. Os habitantes da região, os Fur (daqui o nome “Darfur”, que em árabe significa “casa dos Fur”), são principalmente agricultores. No decorrer dos anos, outros povos foram para o Darfur, na maioria pastores árabes provenientes de diferente partes do Sudão. Nos anos passados, periodicamente, eclodiam entre os agricultores Fur e pastores “estrangeiros” conflitos por causa da água e da partilha das poucas terras férteis, que eram resolvidos recorrendo aos tradicionais métodos de mediação tribal. Os Fur sempre acusaram o governo central de ignorar a sua região, negando-lhes os meios para se desenvolverem. Não há hospitais, nem estradas. Nasceram, então, dois movimentos de guerrilha em oposição ao governo, que reivindicam uma maior atenção por parte de Cartum para a região. A reacção do governo em relação à rebelião do Darfur foi feroz. O conflito latente entre os agricultores e os pastores foi manipulado, transformando-o numa guerra aberta. Os pastores árabes foram organizados na milícia Janjaweed que, com o apoio dos helicópteros e dos aviões do exército regular, ataca de modo sistemático as aldeias da população, que se supõe apoie a rebelião. A guerra no Darfur não tem uma motivação religiosa, porque os antagonistas são todos muçulmanos, mas tem origem na composição étnica da região. Agência FIDES