1. A imposição as cinzas marca o inicio litúrgico do tempo da Quaresma. Este rito, cuja remota origem se perde na penumbra da história antiga dos povos do Médio Oriente, não é mero ritualismo. É um sinal que exprime o despojamento pessoal necessário para a Quaresma ganhar sentido de conversão mais intensa a Deus e ao próximo, sentido expresso em três práticas penitenciais mais características deste período: a oração, o jejum e a caridade, tradicionalmente concretizada na esmola. 2. Seja a Quaresma tempo mais atento a Deus na oração pessoal e também comunitária nas famílias e nas paróquias. Neste último ano do Plano trienal de Pastoral da Diocese sobre a Família, recomendo vivamente a oração em família. Uma família que reza como família (e não apenas por cada um dos seus membros) manifesta deste modo a sua natureza teologal de pequena «igreja doméstica» (como lhe chamou o Concílio Vaticano II) e contribui para a renovação e aprofundamento da vida cristã na paróquia – ela própria, a paróquia, comunidade de comunidades e família maior de todas as famílias que a integram. A abertura a Deus pela oração prolonga-se na atenção ao próximo pela caridade fraterna. O recolhimento da oração, tão expressivamente recomendado por Cristo no evangelho de hoje – “quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo” (Mt 6,6) – não pode conduzir ao intimismo e individualismo religioso. A Igreja é comunhão. Por isso, a autenticidade da vida de oração comprova-se no exercício da caridade fraterna. Na sua mensagem para a Quaresma deste ano o Santo Padre reflecte sobre o valor e o sentido do jejum. A Quaresma, anota Bento XVI, evoca os quarenta dias de jejum de Moisés antes de receber as Tábuas da Lei no Monte Sinai (Ex 34,28), a caminhada penitencial de quarenta dias do profeta Elias antes de encontrar Deus no Monte Horeb (1Rs 19,8) e, finalmente, os quarenta dias de jejum de Cristo no deserto antes de iniciar a sua vida pública (Mt 4,2). Estes exemplos paradigmáticos mostram que o jejum cristão não é mera prática ascética a pôr à prova a nossa resistência física. Também não é, observa o Papa, simples “medida terapêutica para a cura do próprio corpo… numa cultura marcada pela busca da satisfação material”. À imitação de Moisés e de Elias – que o jejum predispôs ao encontro com Deus – e de Cristo – que se preparou pelo jejum para o seu ministério de pregação – também para nós o jejum e a sobriedade de vida (para a qual estamos mais sensibilizados pela actual crise mundial) devem tornar-nos mais disponíveis para ouvirmos e nos alimentarmos da Palavra de Deus e para tomarmos consciência mais viva das situações de carência em que vivem tantos dos nossos irmãos. Desta forma as três práticas penitenciais da Quaresma entrelaçam-se numa triangulação mobilizadora, bem definida já no século V pelo bispo de Ravena S. Pedro Crisólogo: «O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Portanto, quem reza jejue. Quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto em seu beneficio o coração de Deus não feche o seu a quem lhe suplica.» 3. A partilha de bens materiais é uma das expressões características da comunhão eclesial e da caridade fraterna por tradição que já vem dos tempos apostólicos. São Paulo – cujo bimilenário de nascimento celebramos este ano por disposição do Papa Bento XVI – organizou colectas a favor dos pobres da comunidade de Jerusalém na Síria, na Ásia Menor e na Grécia e fê-lo, como ele próprio afirma, “com grande solicitude” (Gl 2,10). A Renuncia Quaresmal é uma modalidade de partilha eclesial que está hoje instituída em todas as nossas dioceses e também noutros países. À semelhança dos anos anteriores, o produto da Renúncia da nossa Diocese – descontados 5% para o Fundo de Solidariedade Eclesial da Conferência Episcopal Portuguesa, conforme decisão da mesma Conferência em Novembro de 2004 – será destinado, em partes iguais, a duas finalidades: uma de âmbito diocesano e outra fora da Diocese. A primeira serão as obras de reabilitação do pavilhão residencial do Seminário de S. José de Bragança, actualmente em fase de conclusão. O destino extradiocesano tem contemplado instituições de países lusófonos: Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor Leste. Desta vez será para a Diocese de Bafatá na Guiné-Bissau. Criada em 2001 e pastoreada por um bispo brasileiro, D. Carlos Pedro Zilli, esta jovem Diocese conta com o nosso contributo para a consolidação das suas estruturas de acção pastoral, a formação de clero próprio e a manutenção das suas obras sociais de apoio à população. Por sua vez, a Conferência Episcopal com o supramencionado Fundo de Solidariedade Eclesial atende numerosas solicitações que lhe são apresentadas por entidades eclesiais estrangeiras sobretudo de países lusófonos. Os contributos da Renúncia Quaresmal serão entregues nos ofertórios das Eucaristias e Celebrações da Palavra do Domingo de Ramos (5 de Abril) ou noutro domingo ou sábado mais indicado para alguma comunidade a juízo dos Párocos. Bragança, Quarta-feira de Cinzas, 25 de Fevereiro de 2009 D. António Montes Moreira, Bispo de Bragança-Miranda