65 pessoas infetadas, duas mortes e um caso ativo há mais de três meses numa comunidade com cinco mil habitantes, onde o medo ainda marca os dias
Mora, 28 out 2020 (Ecclesia) – O padre Nelson Fernandes afirmou hoje que a comunidade de Mora, onde é pároco, está marcada emocionalmente pela pandemia e dá conta de sequelas psicológicas entre a população que acompanha, depois de dois óbitos e 65 pessoas infetadas.
“Uma senhora ia à missa diariamente, esteve infetada, chegou a estar muito mal, esteve sempre em casa e deixou de ir à missa. Perguntei-lhe quando regressava e ela respondeu «tenho medo, tenho medo de conviver e estar com outras pessoas». Só voltou à missa na semana passada, dois meses depois de ter testado negativo”, conta o responsável pela comunidade na vila alentejana à Agência ECCLESIA.
Localizada na diocese de Évora a vila alentejana tem cerca de cinco mil habitantes e sendo uma comunidade “pequena, onde todos se conhecem”, pensava-se “que o vírus não chegava”, mas, regista o padre, “quando percebemos estava já bem disperso e entre as pessoas”.
“Noto sequelas emocionais. Algumas pessoas estão mais depressivas, outros lá encontraram na oração algum conforto, ou na sua ocupação. O vírus não passou sem deixar marcas mais profundas”, evidencia.
O concelho de Mora regista neste momento um caso positivo, “que se mantém desde agosto”, e o padre Nelson nota um regresso paulatino à vida normal.
“Depois do surto ter acalmado e os contágio terem diminuído, o meu regresso foi difícil. Tento andar sempre a pé, cumprimentar as pessoas e encontro as ruas desertas. Tinha as celebrações dinâmicas e a igreja cheia, e deixei de ter isso. A participação nas celebrações baixou para 30%. Estava a querer retomar a catequese e não sabia se os pais iam inscrever os filhos, cheios de incertezas”, recorda.
Mas, semanas depois, regista o jovem sacerdote que já celebra três missas para a comunidade.
Durante o surto, conta, os paroquianos organizaram-se para estar em contacto uns com os outros, via telefone; aos jovens foi pedido que acompanhassem os idosos, “com palavras de ânimo” e a sua disponibilidade para comprar alimentos ou ir à farmácia.
Um equipa organizou-se também para que não faltassem alimentos a distribuir por quem mais precisava.
Agora o padre Nelson Fernandes vê uma comunidade a “reerguer-se” e no meio das “cicatrizes e marcas que o vírus deixou” o responsável pela comunidade percebe a “alegria na reconstrução”.
As viúvas dos dois homens falecidos disseram-me nunca ter sentido, como agora, a presença viva de ser Igreja, a presença viva da comunidade. Na comunidade encontrei a força que quer liderar. Nesta instabilidade, neste temporal em alto mar, encontrei força e estabilidade. Não houve catequista que tivesse desistido, escuteiros e movimentos que quisessem ir embora. Todos se agarraram com avinco para se inscreverem”.
Dos colegas do presbitério o jovem sacerdote regista também o apoio e a união dos que se fizeram próximos e companheiros de caminho: “Não conhecemos o rosto de todos os membros, mas estamos todos unidos”.
Também o arcebispo de Évora este na paróquia no domingo, dia 25, para mostrar proximidade e acompanhar as pessoas, pedindo à comunidade para não esquecer o valor da esperança.
Segundo o jornal «A defesa», D. Senra Coelho quis “solidarizar-se com o sofrimento dos morenses que padeceram da doença e dos que choram a ausência daqueles que partiram, estendendo as suas preces a todas as vítimas que no mundo suportam as consequências”, da Covid-19.
“No final da homilia, D. Francisco José encontrou na camisola de uma jovem fiel, sentada no banco da frente, o ponto de partida para a sua última reflexão: uma âncora. Na época difícil que atravessamos, em que a turbulência do desespero prolifera, importou olhar para aquela âncora e compreender a sua simbologia de esperança, erguida a partir de uma firmeza fundeada no testemunho e amor de Cristo”, refere o semanário diocesano, na sua mais recente edição.
O padre Nelson Fernandes não esquece as pessoas que estão sós, “sozinhas em casa, confinadas, como esta que permanece infetada há três meses”, indicando a importância de acompanhar as pessoas emocionalmente, mas assegura a reconstrução a que assiste e o regresso, cauteloso, que vai marcando os dias da comunidade de Mora.
LS