Evocação de Jacques Delors em ano de eleições

Padre Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto

Jorge Teixeira da Cunha
Foto: Agência ECCLESIA/LFS

Tivemos notícia, no recente fim de ano, da morte de Jacques Delors (1925-2023). A sua carreira de crente católico na política merece-nos uma reflexão sobretudo neste ano em que vamos ter eleições no nosso país. Os mais novos já não recordem este político francês. Mas convém recordá-lo como alguém que viveu a sua fé cristã convicta como político. Isso vai sendo cada vez mais raro nos nossos dias. Para quem já se não lembra,  Jacques Delors foi um político francês que desempenhou a função e presidente da Comissão Europeia de 1985 a 1995, período em que aconteceu a integração do nosso país na então Comunidade Económica Europeia, decisão que foi decisiva para os destinos da nossa pátria no período democrático. Ele mesma teve um papel importante na evolução da associação dos países europeus com a aprovação do Tratado de Maastricht que instituiu a União Europeia. Estas negociações que, com grande habilidade, conduziu e as decisões que fez aprovar deram ao nosso país as condições para uma estabilidade e um avanço que tiveram, a nosso ver, um efeito bem positivo.

A biografia política de Jacques Delors é profundamente condicionada pela sua fé cristã. Ele era oriundo de uma família modesta. Por ocasião de uma visita à cidade do Porto, em meados dos anos noventa, pudemos testemunhar pessoalmente a sua visão da vida que mostrava uma adjacência evidente ao mundo da fé. Dois aspetos merecem, neste capítulo ser postos em evidência: o seu empenhamento ela moralização do trabalho e a sua convicção da política inspirada pelos valores éticos.
O primeiro ponto esteve muito visível na primeira parte da sua vida. Integrou as organizações sindicais católicas que conhecerem nos meados do séc. XX um período de esplendor. A Confederação Dos Trabalhadores Cristão de França teve um papel importantíssimo na dignificação da classe trabalhadora. A Doutrina Social da Igreja, não esqueçamos, considera que o trabalho humano é o centro da questão social. Por isso, o investimento na moralização do trabalho tem precedência sobre todos os outros aspetos da realização da justiça social. Essa moralização tem mesmo precedência sobre os mecanismos de redistribuição por via fiscal e pela instituição da solidariedade social. O sindicalismo católico francês passou por diversas tribulações, tendo mesmo discutido acesamente a opção pela continuidade do seu alinhamento cristão ou a sua integração na luta geral de todos os trabalhadores pela justiça. Esse assunto não está encerrado. Qualquer que seja a escolha, o impulso da fé é decisivo para a criatividade das escolhas e para a perseverança no esforço de melhoramento. Jacques Delors escolheu o caminho da integração dos sindicatos cristãos no movimento da social-democracia e do socialismo democrático.

O segundo ponto é a visão da política como realização de valores éticos. Este ponto continua atualíssimo, num tempo em que a luta política tende para o niilismo antropológico e para a promoção de metas imediatas de conquista do poder. Jacques Delors pensou a União Europeia como um espaço de paz entre os diversos povos europeus, como uma estrutura política de solidariedade entre países mais ricos e menos ricos, como um espaço de experimentação do humanismo cristão, assente da capacitação dos seres humanos ara o seu autodesenvolvimento, de modo que cada pessoa e cada povo possa vir a ser capaz de ganhar a sua vida segundo as suas convicções religiosas e éticas.

Num ano de eleições em Portugal, o exemplo de Jacques Delors leva-nos no sentido de fazer as nossas escolhas de voto tendo em conta algumas preguntas a fazer aos políticos que nos pedem o seu voto. Para merecerem o nosso voto, os políticos deveriam responder de maneira satisfatória às seguintes perguntas. O que vão fazer para pensar o Estado como instituição solidária das pessoas e das organizações pacíficas e não um poder despótico sobre elas? O que vão fazer para libertar as energias da sociedade e da cultura? O que vão fazer para criar condições de autodesenvolvimento às pessoas, aos grupos e às regiões, para se libertarem da pobreza? O que vão fazer para criar às pessoas e às empresas condições para criar riqueza e para ganhar honestamente a sua vida? Que vão fazer para libertar a sociedade e a cultura do espartilho ideológico que limita a liberdade e a criatividade na educação?

Apenas as que foram capazes de ter alguma ideia responsável podem merecer o voto dos cidadãos e contribuírem para a realização de um humanismo ético.

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Agência ECCLESIA

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