Coordenadora do Departamento Educação para o Desenvolvimento e Advocacia Social da Fundação Fé e Cooperação alerta para discurso de «fortaleza», frisando que «é importante» não perder visão mais alargada do mundo»
Lisboa, 03 jun 2024 (Ecclesia) – Inês Quadros, professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (UCP), e Ana Patrícia Fonseca, da Fundação Fé e Cooperação, defenderam, em entrevista à Agência ECCLESIA, a necessidade de a Europa se centrar nos princípios que baseiam a sua fundação.
“Neste tempo, que é um tempo de muita fragmentação social e também de muito ruído e com muita desinformação, achamos que é muito importante voltar a trazer esta esperança que a Europa tinha quando foi fundada”, afirmou Ana Patrícia Fonseca, a propósito das Eleições Europeias 2024, a 9 de junho em Portugal (o voto antecipado decorreu no último domingo).
Segundo a entrevistada, as Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento consideram que “a Europa tem que voltar a olhar para aquilo que os seus princípios fundacionais” e, a partir daí, “reconstruir-se ou construir-se” nas circunstâncias que hoje se apresentam de “grande fragmentação social”.
Para Inês Quadros, a Europa está hoje “muito diferente” de quando foi constituída, assentando sobre Estados “politicamente organizados, infraestruturalmente robustos, com um nível de desenvolvimento que não tem precedentes na história”, mas ao qual falta um pouco o “impulso” e “esperança inicial”.
É uma Europa a quem falta, no fundo, um certo pulsar civilizacional, um motor, no fundo, um ideal” – Inês Quadros
Confrontada sobre a elevada abstenção registada em Portugal nas eleições europeias ao longo dos anos, a docente indica que esta não é uma realidade “especificamente portuguesa”, justificando tendência com “um certo distanciamento do projeto europeu” que contrasta com o sentimento vivido nos anos 50, em que era considerado “absolutamente necessário”.
“Numa sociedade que é, objetivamente, mais confortável do que era quando a Europa foi criada, o conforto, no fundo, distancia as pessoas das decisões”, referiu, acrescentando a imposição de regras europeias, que são “decididas ao nível dos órgãos europeus, mas são implementadas e executadas pelos Estados”, como outro dos fatores na origem da abstenção.
“Parece-me a mim que os cidadãos, muitas vezes, não têm total consciência do impacto que a política europeia tem nas suas vidas porque ela transparece sempre por meio da intermediação dos Estados. Parece-me que também há um pouco disto no desencanto e na desmotivação europeia”, salientou.
Sobre a conjuntura atual da Europa, com uma população cada vez mais diversificada e proveniente de muitas geografias, Ana Patrícia Fonseca fala que as ONGD’s se mostram preocupadas com o discurso de “Europa fortaleza”, que deve “olhar para si antes de olhar para fora e que deve defender aquilo que é o seu espaço e os seus valores”, que surge evidente em políticas europeias.
“Nós não vivemos sozinhos neste espaço, que é o espaço das fronteiras da Europa, vivemos num mundo global com o qual temos que nos relacionar. É importante olhar para dentro, mas é importante também não perder esta visão mais alargada do mundo”, destacou.
A coordenadora do Departamento Educação para o Desenvolvimento e Advocacia Social na FEC fala que se assiste a uma tendência para “instrumentalizar as políticas de cooperação para outros fins, nomeadamente de defesa, de segurança e de contenção das migrações dentro da União Europeia”.
“Não [se] deve utilizar o mesmo pacote financeiro que é destinado à cooperação internacional, à cooperação para o desenvolvimento, para outros fins que não sejam os da erradicação da pobreza, de redução das desigualdades, de promoção do desenvolvimento humano sustentável”, realçou.
Inês Quadros defende que a construção da Europa em torno dos extremos “é uma negação do projeto europeu”.
A construção europeia fez-se através, justamente, da unidade e não da polarização. Acho que é importante regressar a esse momento inicial para recordar como os grandes projetos se fazem no fundo, muitas vezes a partir de polos tão diferentes e da vontade de reintegrar o outro no seu espaço”
A poucos dias das eleições europeias, Ana Patrícia Fonseca aponta a “solidariedade”, “tolerância” e “defesa dos direitos humanos” como valores que devem determinar o voto no ato eleitoral de 9 de junho.
“Eu acrescentaria a estes que já foram referidos também o valor da dignidade, a dignidade da pessoa, algo que está tão marcado no ADN europeu e até no fundo distintivo europeu”, completou Inês Quadros, referindo que este é um valor que implica considerar cada cidadão “na sua totalidade, nas suas necessidades mais básicas, mas também na sua dimensão social, participação na sociedade”.
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